terça-feira, 15 de outubro de 2019

PROPAGANDA ENGANOSA – Juiz federal suspende certificação de madeireiras no oeste do Pará

Redação por Redação  15 de outubro de 2019 

O juiz federal Érico Rodrigo Freitas Pinheiro proferiu sentença no último dia 7, proibindo o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e as empresas Ebata e Golf de utilizarem o selo certificador FSC até que seja elaborado e executado um plano de recuperação de área degradada em um canal que liga o lago Acari ao rio Trombetas.




O Forest Stewardship Council (FSC) é um selo verde reconhecido em todo o mundo que dá ao consumidor a garantia de que determinado produto é proveniente de um processo produtivo manejado de forma ecologicamente correta, socialmente justa, seguindo todas as leis, com respeito ao meio ambiente, aos trabalhadores florestais e à comunidade.

A sentença confirma decisão liminar de 2017 de suspensão da certificação socioambiental às duas madeireiras com atuação na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, no oeste do Pará.

A decisão atendeu Ação Civil Pública do Ministério Público Federal (MPF) de que as empresas Ebata e Golf não cumprem os critérios de sustentabilidade socioambiental exigidos pelo selo certificador do Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal) e fazem propaganda enganosa.

No processo, o juiz federal reitera que quatro fatos denotam o desrespeito às populações tradicionais, O primeiro são os danos à boca do Lago Acari, canal de comunicação das populações tradicionais com o ambiente externo. O trânsito de balsas pelo local está causando danos à vegetação, assoreamento das margens, despejo de dejetos humanos na água utilizada pela comunidade e impedimento do tráfego dos ribeirinhos.

O segundo é o bloqueio do Arajá, pois as empresas construíram uma estrada que seccionou o lago do Acari na porção da Arajá, lago este com o qual os comunitários teriam uma forte ligação transcendental e mitológica. Isto impossibilitou o trânsito de embarcações, dificultado o exercício da atividade pesqueira (com morte de peixes), bem como tem causado prejuízos de ordem transcendental à comunidade, em vista da ligação desta com as figuras de cunho mitológico e religioso relacionadas ao lago.

Existe ainda a colocação de placas proibindo a atividade de caça e pesca, impedindo o exercício deste costume pela população local. Outro motivo é um imóvel mantido pelas empresas, a “Fazenda Arauak”, situada às margens do lago do Acari, arrendada pelo prazo de 40 anos pela empresa Ebata.

O imóvel está localizado no interior do Projeto de Assentamento Agroextrativista Sapucuá-Trombeta e é objeto de titulação expedida pelo Incra, mas já existe parecer da própria autarquia opinando pelo seu cancelamento. O outro motivo é a sobreposição das áreas exploradas com aquelas de uso e ocupação da comunidade. A empresa Ebata não fez a identificação das áreas de uso tradicional das populações habitantes do local, fato que, inclusive, fora de conhecimento da Imaflora, que emitiu declarações de não conformidade, mas não retirou a certificação da empresa.

O plano de recuperação exigido pelo juiz federal deve conter soluções que evitem novas ocorrências de danos. O uso da certificação também está condicionado ao desfazimento de uma obra que impactou um lago da região.

As duas madeireiras e o Imaflora foram condenados, ainda, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 100 mil cada, que serão destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) e à comunidade atingida, além de estarem obrigadas a divulgar campanhas publicitárias para promoção dos direitos das comunidades tradicionais e da preservação do meio ambiente.

As empresas Ebata e Golf venceram licitação para explorar florestas em uma região da Calha Norte paraense com forte presença de populações tradicionais.

A área é ocupada pelas comunidades ribeirinhas Acari, Boas Novas, Samaúma II e Bom Jesus, na margem direita do Trombetas. A partir de 2011, as empresas passaram a criar sérios problemas de sobrevivência e conflitos com os moradores.

Os fatos foram denunciados ao MPF e ao Imaflora, que chegou a suspender o selo FSC de ambas em fevereiro de 2015. Mas, sem resolução de nenhum dos conflitos, o selo foi devolvido cinco meses depois.

Todos os problemas causados pela Ebata e pela Golf estão documentados nas auditorias do próprio Imaflora desde 2013. A pedido do MPF, a pesquisadora Ítala Nepomuceno preparou um Relatório Circunstanciado que mostra os prejuízos econômicos, sociais e culturais da presença das madeireiras.

A pesquisadora registrou prejuízos à segurança alimentar dos moradores, com o bloqueio de áreas de pesca pelas empresas, a violação de locais com valores míticos e até dificuldades de transporte geradas pelo constante movimento de grandes balsas de madeira no canal que liga o lago do Acari e o rio Trombetas, a chamada boca do Acari.

“Insistentemente, a comunidade tem denunciado que a boca do Acari tem sido assoreada pelo trânsito das balsas da empresa, dificultando a navegação por este canal com embarcações de maior calado ou mesmo obstruindo a passagem. Ocorre que, em virtude de sua dimensão, as balsas chocam-se às bordas do canal, causando danos à vegetação, lançando toras e galhos à água e removendo solo”, diz o relatório. Com isso, a locomoção dos ribeirinhos, em barcos muito menores, ficou prejudicada.

Outro problema que o MPF considera grave mas ao qual o Imaflora não deu atenção foi a construção de uma estrada pelas madeireiras, com aterramento de um igarapé que não só era ponto de pesca importante das famílias como um local de importância mítica para as comunidades. O bloqueio do furo do Ajará com a estrada impede a passagem dos ribeirinhos e provocou mortandade de peixes nas águas represadas.

“A revolta da comunidade se justifica a medida que o peixe é recurso vital para a subsistência daquelas famílias. Além do impedimento físico por conta do aterro, os ribeirinhos são ainda constrangidos com placas de proibição de pesca, nas proximidades do porto da empresa, em locais onde pescaram por gerações”, diz o relatório de Ítala Nepomuceno.

O furo do Ajará figura como local habitado por entidades míticas nas várias narrativas do grupo sobre seu mundo. Ante a revolta da comunidade com o aterro do Ajará, o Imaflora registrou em uma auditoria. Mas em vez de exigir a retirada da estrada e a liberação do furo, como pediam as comunidades, o Imaflora considerou que, por ter Licença de Operação da Secretaria de Meio Ambiente, a Ebata e a Golf tinham razão em aterrar o curso d’água.

“Ao tratar as crenças de um grupo como meros desconfortos, subdimensiona os dramas que afligem aquele povo. Sem se importar com as mazelas alheias, a certificadora Imaflora demonstra não possuir a menor qualificação técnica para informar corretamente o consumidor por meio de um selo FSC”, diz a ação do MPF. Processo nº 0000778-74.2016.4.01.3902 – 2ª Vara da Justiça Federal em Santarém (PA)


http://ver-o-fato.com.br/propaganda-enganosa-juiz-federal-suspende-certificacao-de-madeireiras-no-oeste-do-para/






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