quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Amazonas entra na fase roxa, a mais grave da Covid-19

 

Política


Por Izabel SantosPublicado em: 04/01/2021 às 21:32



Para a procuradora do MP-AM Silvana Nobre, não basta ao governo estadual abrir leitos e hospitais já voltarem a ficar sobrecarregados.

A tragédia se repete: corpos são colocados em contêiner frigorífico no Hospital 28 de Agosto (Foto: Sandro Pereira/FotoArena/Estadão Conteúdo/04/01/2021)


Manaus (AM) – O Amazonas entrou na fase roxa da pandemia do novo coronavírus: a de mais alto risco. A informação foi divulgada pela diretora-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do Amazonas, Rosemary Costa Pinto, durante reunião entre representantes do estado e do Ministério da Saúde. “A nossa análise de risco está apontando que estamos num nível muito alto, de muito alto risco. Portanto, nós saímos da fase vermelha e estamos na fase roxa”, alertou.

De acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), a fase roxa é uma das cinco classificações de risco, identificadas por cores, que apresentam um conjunto de medidas recomendadas, que avaliam a capacidade de atendimento do sistema de saúde e o perfil epidemiológico dos casos de Covid-19. Os riscos podem ser muito baixo (verde), baixo (amarelo), laranja (moderado), alto (vermelho) e muito alto (roxo). Na classificação roxa, as medidas de distanciamento são de grau máximo, com a quarentena, definida por portaria ou decreto. 

Foi com base em um parecer técnico da FVS que a Justiça amazonense decretou, no sábado (2), a suspensão das atividades no estado por 15 dias. Para atingir a fase roxa, a diretora-presidente da FVS afirmou que é levado em conta aumento do número de casos, internações e óbitos pela Covid-19.

“Tivemos um crescimento entre novembro e dezembro de 120% do número de casos em Manaus, onde nós passamos de 1.573 casos para 3.452 casos. Em um crescimento de 47% nos casos no Estado, indo de 3.690 casos para 5.431 (no mesmo período)”, afirmou Rosemary Pinto. “Hoje temos uma média móvel de 700 casos novos todos os dias. Com relação aos óbitos, nós tivemos um crescimento, nos últimos 14 dias, de 66% na média móvel. Na penúltima semana (epidemiológica no. 52) passamos de 86 óbitos (de 20 a 26 de dezembro) para 99 óbitos na semana passada (no.53, que vai de 27 de dezembro e 02 de janeiro)”, concluiu a diretora sobre a gravidade da pandemia no período que correspondeu às eleições municipais e às festas de fim de ano.

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Desde que as mortes e os casos por Covid-19 voltaram a atingir índices alarmantes no Amazonas em novembro, o governo apressou-se em abrir leitos clínicos e de UTI, alguns polêmicos como em maternidades e unidades de tratamento do câncer. O governador Wilson Lima (PSC) chegou a publicar um decreto para proibir aglomerações no período das festas de fim de ano, mas recuou diante da pressão de empresários. E agora se viu obrigado a acatar uma decisão judicial de proibição do comércio por 15 dias, mas para a procuradora de Justiça Silvana Nobre de Lima Cabral é preciso uma ação mais enérgica para o combate da pandemia.

“Não há possibilidade de se trabalhar a contenção da pandemia somente com a oferta de assistência, porque isso não é contenção da pandemia, é prestação de assistência”, critica a procuradora, que atua no Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM). “A contenção da pandemia se dá por meio de bloqueios que possam suprimir situações críticas que levam a uma contaminação acelerada.”

Com mais de 5 mil mortes por Covid-19 e um dos sistemas de saúde mais frágeis do Brasil, a procuradora defende o cumprimento da decisão da Justiça do Amazonas, publicada no início da noite de sábado (2). “A medida proposta pelo Ministério Público do Estado do Amazonas é para desafogar a rede de saúde e salvar vidas, acima de tudo”, diz ela. “A falta de assistência é decorrente do nível de contaminação e esta por sua vez é causada pela aglomeração social.”

Nesta segunda-feira (4), a capital do Amazonas teve o maior número de hospitalizações desde o início da pandemia, com 177 internações. O dado avançou o número em todo estado, que atingiu o pico de 183 internações. Manaus é o único dos 62 municípios do estado que possui leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e para onde são encaminhados os casos mais graves do interior. Mas até a abertura recente de leitos já se revela insuficiente. “Tivemos uma ampliação de leitos clínicos e de UTI nos hospitais públicos, na Beneficente Portuguesa, no Hospital Universitário Getúlio Vargas; em salas rosas e vermelhas, em leitos de retaguarda e atendimento em prontos-socorros. Todos estão ocupados”, diz Silvana.

Ao meio-dia desta segunda-feira (4), o governador Wilson Lima fez uma live para apresentar um balanço do plano de contingência. Segundo ele, o Amazonas ampliou o número de leitos nos hospitais de 457 para 1.070, sendo que 260 são de UTI.  Os hospitais Delphina Aziz e Platão Araújo são as unidades de referência para tratamento da Covid-19, mas o governo também criou leitos de retaguarda para tratamento da doença no Hospital Beneficente Português, Fundação Hospital Adriano Jorge, Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado e Fundação Centro de Controle de Oncologia do Amazonas.

“Se tivermos um progresso do número de contaminações, no volume que está se dando, se amanhã o estado criar 200 leitos, todos serão ocupados. Se depois de amanhã abrir mais 400, todos serão ocupados e ainda vai faltar leito”, acrescenta a procuradora Silvana.

A volta ao patamar dos piores meses da pandemia


Paciente aguarda atendimento em frente ao 28 de Agosto
(Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)


O cenário atual do Amazonas é muito semelhante ao dos meses de abril e maio, quando o sistema de saúde colapsou devido ao aumento do número de casos de Covid-19. Agora, o estado tem 1.508 pessoas internadas nas redes pública e privada. Destes, 1.126 são pacientes de casos confirmados de Covid-19 e 382 são considerados suspeitos e aguardam a confirmação do diagnóstico. O estado já registrou 202.972 casos da doença e 5.368  mortes. O vírus do Sars-CoV-2 está presente em todas as calhas de rios do Amazonas, onde é possível encontrar em comunidades consideradas geograficamente isoladas pessoas que foram ou que estão infectadas.

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A Justiça, atendendo a uma Ação Civil Pública (ACP) do MP-AM, determinou que o governo do Amazonas suspendesse imediatamente as atividades não-essenciais no estado por 15 dias. A medida, que teve pedido de urgência e a adesão de oito promotores, atinge, principalmente, o setor comercial. O governo acatou a decisão através do Decreto n.º 43.236/2020, que revalida o Decreto n.º 43.234, revogado após protestos de comerciantes.

“O que se verifica é que estamos voltando ao patamar de maio e hoje temos mais leitos do que naquela ocasião”, alerta a procuradora Silvana. “Não podemos conceber que o Estado só exista para prestar assistência. Estamos tratando de vidas. Pessoas morrem por causa dessa doença e não se pode falar que morrem poucos, porque cada pessoa que morre é um pai de família, uma mãe, que deixam filhos órfãos e famílias desestruturadas. Não podemos tratar como normal a morte de um cidadão sequer por um vírus que pode ser contido com a redução da aglomeração social”, acrescenta a procuradora.

Associação bolsonarista tentou suspender liminar


Comércio fechado no centro de Manaus
(Foto: Sandro Pereira/FotoArena/Estadão Conteúdo/04/01/2021)


Associação PanAmazônia, organização que reúne empresários, sendo a maioria apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), tentou suspender a liminar concedida pelo juiz plantonista Leoney Figliuolo Harraquian ao Ministério Público do Amazonas. Por meio de um pedido de mandado de segurança, a associação justificou que a decisão judicial, além de atingir o comércio ligado a atividades não-essenciais, tem potencial para atingir o comércio formal e informal.

“A decisão (..) tem potencialidade para causar prejuízo à sociedade amazonense e aos trabalhadores que dependem do comércio e da prestação de serviços para a sua subsistência”, diz um trecho do documento. A PanAmazônia acusa a decisão judicial de tirar o direito ao trabalho e à livre iniciativa, e diz, em tom de ameaça, que ela “resultará em altos índices de desemprego”.

O desembargador plantonista Délcio Santos indeferiu o pedido da PanAmazônia, alertando que “não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”.

A reportagem da Amazônia Real procurou representantes do comércio entre domingo e segunda-feira (4). O presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Amazonas (FCDL), Ezra Azury Benzion, e o presidente da Associação Comercial do Amazona (ACA-AM), Jorge Lima, disseram que preferiam se pronunciar após a manifestação do governo. Procurados na tarde de hoje (4), depois que o governo informou que acatará a decisão judicial, Benzion e Lima não responderam à reportagem.

O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Amazonas (Fecomércio Amazonas), Aderson Frota, disse entender o contexto da decisão em virtude do aumento do número de casos e sobrecarga dos hospitais, mas acrescentou que o comércio, sozinho, não é responsável pela situação.

“Onde ficam os preceitos constitucionais? Como se pode generalizar a responsabilidade pelos elevados índices de contaminação a uma atividade que tem como missão atender a população e, ainda mais, cumpre com todos os protocolos de segurança e proteção?”, questiona o representante da Fecomércio. “Achamos conveniente que as autoridades provem, com dados sólidos e justos, que o comércio é o agente geral da contaminação. Claro, existem exceções. Que, então, o Estado aja para coibir estes focos e não generalize responsabilidades, colocando em risco a séria e responsável atividade econômica, os empregos e as funções sociais decorrentes”, argumenta Aderson. “Não é uma empresa que gera a contaminação, mas as pessoas indisciplinadas.”

Indefinido auxílio emergencial

Famílias receberam o auxílio emergencial em São Gabriel da Cachoeira
(Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real/30/06/2020)


O presidente da Fecomércio Amazonas, Aderson Frota, acrescenta que o setor está preocupado com o cenário onde se somam aumento do desemprego e o fim do auxílio emergencial e de medidas econômicas, como a permissão legal da redução da jornada de trabalho e de salários.

“Vamos buscar junto ao governo federal a prorrogação de medidas que possam reduzir o impacto econômico da pandemia”, diz Aderson. “Após convocação, vamos conversar com o governo sobre essa adversidade e avaliar o que pode ser feito.”

Em agosto, o Amazonas registrou um dos maiores índices de desemprego do Brasil. A taxa de desocupação chegou a 17,9%, a terceira maior do país, e atingiu 286 mil amazonenses. De acordo com a Pnad Covid19, divulgada pelo IBGE, mais de 60% dos lares amazonenses receberam o auxílio emergencial que chegou ao fim no último mês de dezembro.

O governo federal já informou que não irá renovar a prorrogação das medidas emergenciais. O Amazonas, assim como o resto do Brasil, não tem uma data certa para o início da imunização. E o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que desde o princípio se revela contrário ao combate da doença, reforçou o discurso para que as pessoas circulem livremente. Ele próprio participou de aglomerações no litoral paulista nas festas de fim de ano.

Em visita a unidades de saúde em Manaus, a secretária da Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, informou que o governo federal já destinou R$ 513 milhões em recursos extraordinários para o combate à Covid-19 no Amazonas. Ela visitou o governador Wilson Lima e chegou a defender, em entrevista coletiva, o uso da cloroquina para tratamento de casos precoces da doença. O medicamento não tem eficácia comprovada.

Para a procuradora do MP Silvana Nobre, o momento exige seriedade coletiva. “A luta para sair desse caos, que atinge não somente o sistema de saúde, mas toda a sociedade, requer o comprometimento de toda a população. Nós temos de parar de banalizar a doença. Ela é grave, séria e, dependendo do nosso grau de comprometimento nas ações de combate, ela vai permanecer entre nós por muito tempo. Não se trata do comprometimento de apenas uma autoridade pública ou de um órgão, ela é de todos. Se todos nos unirmos nessa luta, vamos sair mais rápido dessa crise”, finaliza Silvana Nobre

A secretária da Gestão do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro (no centro), sugeriu a medicação cloroquina no Amazonas, remédio não recomendável pelos cientistas
(Foto: Dhyeizo Lemos/Semcom)


Izabel
 Izabel Santos

É graduada em Jornalismo pela Faculdade Martha Falcão, de Manaus (AM). Tem mais de dez anos de atuação na cobertura de política e meio ambiente. Trabalhou no Jornal Amazonas Em Tempo; no Portal Amazônia, foi coordenadora de jornalismo na rádio CBN Amazônia e coordenadora de jornalismo no canal televisivo Amazon Sat. Foi indicada ao Prêmio Milton Cordeiro de Jornalismo em 2014, na categoria Internet, pela série de reportagens "Balbina, hidrelétrica da contradição". Foi a jornalista responsável pelas ações de divulgação científica da segunda fase do INCT Adapta, projeto científico sediado no Inpa que investiga o impacto das mudanças climáticas nos organismos aquáticos da Amazônia. (izabel@amazoniareal.com.br)



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