sexta-feira, 26 de março de 2021

Novo relatório da ONU sobre conservação das florestas “ressalta e evidencia tudo o que é negado por Bolsonaro”, diz líder indígena

 ENTREVISTA


A médica indígena Myrna Cunningham falou sobre o relatório que aponta os povos tradicionais como os “melhores guardiões da floresta”. Para ela, o Brasil vai na contramão do mundo em relação ao clima: “pelo que representa para a Amazônia, é assustador”


25 de março de 2021 11:16/Anna Beatriz Anjos

“Definitivamente o Brasil é uma situação preocupante para todos os povos indígenas do mundo, não só da América Latina” 

“A violação de direitos indígenas já garantidos pela Constituição e pelo marco jurídico internacional afeta tudo o que se refere às mudanças climáticas” 

“São milhões de pessoas no mundo que pensam ser superiores aos indígenas, negros e outros grupos e que querem impor sua visão de mundo, cultura e modelo econômico” 

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Os povos indígenas são quem tem evitado de maneira mais efetiva o desmatamento das florestas da América Latina e Caribe nos últimos anos, principalmente quando seus territórios tradicionais são demarcados e protegidos. É o que constata o novo relatório “Povos indígenas e comunidades tradicionais e a governança florestal”, da Organização das Nações Unidas (ONU), lançado nesta quinta-feira (25) e produzido a partir da revisão de mais de 300 estudos acadêmicos.


A Agência Pública conversou com a médica indígena Myrna Cunningham, presidente do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (Filac), que elaborou o documento junto à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). 


Cunningham, natural da Nicarágua e indígena do povo Miskito, explicou que as principais descobertas do relatório têm base na ciência. Pesquisas apontam que, entre 2000 e 2012, a taxa de desmatamento em florestas dentro de terras indígenas demarcadas foi 2,8 vezes menor do que fora dessas áreas na Amazônia boliviana, 2,5 vezes menor na parte brasileira e duas vezes menor na porção colombiana.


A médica reconhece que o Brasil enfrenta um período de ameaça aos direitos indígenas devido ao governo de Jair Bolsonaro, que em mais de dois anos não demarcou nenhuma terra indígena e travou pelo menos 70% dos processos em andamento. Ela diz, no entanto, que o relatório deve ser útil para colocar na mesa evidências que podem ajudar os povos indígenas brasileiros. “Acredito que o relatório ressalta e evidencia tudo o que é negado pelo presidente”, afirma.


Cunningham avalia também que a situação do Brasil é reflexo de movimentos de supremacia branca, que têm ressurgido em vários lugares do mundo nos últimos anos, com destaque para os Estados Unidos. “Vocês estão em um dos lugares onde isso se reflete de forma tão descarada e sem vergonha”, destaca. “Não é uma situação única, mas, pela dimensão do Brasil e pelo que representa para a Amazônia, é assustador.”


Gabriel Mariaca/Filac

Myrna Cunningham é reconhecida mundialmente por seu trabalho com povos indígenas. Em entrevista à Pública, ela falou sobre o relatório produzido pela ONU e a política de meio ambiente do governo Bolsonaro

Por que demarcar e fortalecer a fiscalização das terras indígenas na América Latina e Caribe é uma forma eficiente e economicamente viável de proteger as florestas e mitigar as mudanças climáticas?


Primeiro porque, tal como documenta o relatório, as áreas controladas por povos indígenas têm uma taxa mais baixa de desmatamento e, portanto, ainda guardam muita biodiversidade. Isso, por sua vez, ajuda na redução da fome, porque as pessoas que vivem nesses territórios podem ter acesso a alimentos tradicionais que resolvem seus problemas de alimentação. No entanto, reconhecer esses territórios como indígenas não é caro. O relatório traz alguns dados que mostram que, neste processo, se ganha mais do que se investe [nesse reconhecimento].


Por que é imprescindível efetivamente demarcar as terras indígenas para que isso aconteça?


Estejam formalmente demarcados ou não, há jurisprudência afirmando que os territórios tradicionais são propriedade dos povos indígenas, e contar com um documento que comprove a propriedade sobre um território coletivo fortalece o controle sobre ele. 


Quando o processo de demarcação é feito respeitando o mapeamento tradicional indígena, a apropriação daquela terra por seu povo é fortalecida – os limites vão sendo definidos conjuntamente, e com isso são desenvolvidos mecanismos de proteção dessa área. Há séculos, para os povos indígenas, não era essencial o papel escrito, mas agora é importante que contem com um documento respaldando sua posse sobre o território, para que possam negociar com o Estado e organizações privadas. O documento obriga que sejam feitos protocolos de consulta prévia, por exemplo. Ele dá às comunidades um poder que é válido no mundo ocidental, perante as normas ocidentais.


O relatório cita algumas formas de proteção aos territórios indígenas: investir nos direitos coletivos à terra, compensar as comunidades pelos serviços ambientais prestados, promover o manejo florestal comunitário e a governança territorial. Poderia explicar como funciona cada uma dessas estratégias?


A primeira recomendação se refere ao reconhecimento do direito à terra – que foi feito de distintas formas por diversos governos da região – e tem a ver com marcos legislativos, procedimentos para a demarcação e mecanismos para a governança dessas áreas. A segunda medida que o relatório propõe tem a ver com a compensação pelos serviços ambientais. Obviamente, esse é um enfoque bastante ocidental, porque, para os povos indígenas, a terra e os serviços ambientais não têm preço, é o que herdamos de nossos ancestrais. Mas o que o relatório fez foi documentar algumas experiências na região que demonstram que, à medida que os povos indígenas se articulam com a economia de mercado, necessitam de recursos financeiros para complementar sua alimentação, suas necessidades. Então, a compensação pelo serviço que prestam ao proteger as florestas ajuda a suprir as necessidades materiais que foram geradas nas comunidades como resultado de sua articulação com o resto da sociedade. Há evidências de que essa compensação ajuda a fortalecer os mecanismos de controle e a apropriação sobre a terra não somente pelos povos indígenas, mas pelo restante da população que se beneficia da água de um rio protegido, por exemplo. O terceiro mecanismo que o relatório recomenda tem a ver com as práticas de manejo tradicional que os povos indígenas desenvolveram para cuidar das florestas, e que devem ser utilizadas, apoiadas e financiadas para que ajudem a reduzir o desmatamento e a proteger a mata. Já o quarto ponto está relacionado ao fortalecimento das organizações locais, pois tudo isso que o relatório menciona não é possível se as redes comunitárias indígenas estiverem afrouxadas. É importante fortalecer os modos de governança próprios das comunidades, pois elas sustentam os conhecimentos tradicionais e permitem sua transmissão de uma geração a outra – como proteger a água, as florestas, quais cantos ensinar às crianças para proteger o rio, por exemplo. A ideia é que o fortalecimento organizativo de base e territorial contribui para que todas as outras medidas sejam bem-sucedidas. 


José Cícero da Silva/Agência Pública

Conhecimento indígena é resultado do que as comunidades vêm acumulando e desenvolvendo ao longo de gerações para manter as florestas na situação em que estão atualmente”, afirma Cunningham

O relatório cita que os fatores culturais, geográficos, econômicos e políticos que contribuíram para a preservação das florestas em terras indígenas até hoje estão “mudando rapidamente”. Que fatores são esses e por que estão se deteriorando? De que maneira esse contexto tem piorado nos últimos anos?

Temos na América Latina e no Caribe um modelo econômico que prioriza o extrativismo em um cenário de flutuações dos preços das matérias-primas. Essa aposta econômica afeta os territórios indígenas e os direitos coletivos, já que não raro as áreas onde há minério, por exemplo, coincidem com terras indígenas. O avanço desse modelo econômico coloca em risco os povos indígenas: não só partes de seus territórios foram sendo cedidas como muitas comunidades foram expulsas de suas terras tradicionais e levadas a ambientes urbanos. Tudo isso mudou a cultura desses povos: o contato com sua língua, seus locais sagrados e a relação com o ambiente, o que afeta também sua noção de identidade e sua saúde mental. Esses fatores obviamente impactam as florestas, porque aqueles que as têm protegido ao longo dos séculos vão perdendo esses valores. Por isso, o trabalho com povos indígenas para proteger as florestas tem que ser integral, que é o que propõe o estudo. Neste momento, temos que encontrar uma fórmula para a recuperação pós-Covid que não mais admita este meio ambiente onde há justamente o desequilíbrio que causa novas doenças. É fundamental chegarmos a uma estratégia de proteção às florestas, e os povos indígenas têm muito o que contribuir para isso.

Embora tenha uma matriz energética considerada limpa, o Brasil ainda emite grande quantidade de gases de efeito estufa devido principalmente ao desmatamento. Como a falta de fiscalização e proteção aos territórios indígenas pode agravar ainda mais esse cenário?

O não reconhecimento da contribuição dos povos indígenas à proteção do meio ambiente e a violação de direitos indígenas já garantidos pela sua própria Constituição e pelo marco jurídico internacional afetam tudo o que se refere às mudanças climáticas. Isso tudo aumenta o desmatamento e os fatores que intensificam a emergência climática. O relatório propõe medidas cuja implantação não é tão complicada, mas é preciso ter vontade política, respeito à diversidade de conhecimentos, disposição de sentar junto e encontrar soluções em comum entre os indígenas, o Estado e as empresas. 

O Brasil tem um presidente que se opõe publicamente à demarcação de novas terras indígenas e incentiva as invasões a esses territórios não apenas no discurso, mas com a máquina do Estado. Como é possível fortalecer os povos indígenas e seus territórios neste contexto em que estamos, já que “o momento de atuar é agora”, como destaca o relatório?

Definitivamente o Brasil é uma situação preocupante para todos os povos indígenas do mundo, não só da América Latina. Do ponto de vista da biodiversidade e do meio ambiente, o Brasil representa um enorme potencial pelo importante papel que tem sobre a Amazônia, mas também é onde há centenas de línguas indígenas em desaparecimento, por exemplo. O fato de o Brasil ter um governo e um presidente que negam esses direitos o coloca num nível muito alto na agenda global dos povos indígenas. Preocupa-nos enormemente que continuem a criminalização dos povos indígenas, os assassinatos e a ameaça de novas leis que revertam os avanços nos direitos indígenas. Acredito que o relatório ressalta e evidencia tudo o que é negado pelo presidente, colocando na mesa evidências que podem ajudar os povos indígenas brasileiros. Além disso, está sendo lançado num momento em que o mundo busca respostas sustentáveis diante das distintas crises – alimentar, ambiental – que estamos enfrentando, e coloca os povos indígenas na agenda global, o que é muito importante à medida que nos aproximamos da próxima COP [a Conferência da ONU sobre o Clima, em novembro deste ano], que vai avaliar o cenário após o Acordo de Paris. Há um contexto global favorável para se discutir a situação dos povos indígenas em todo o mundo, e nesse cenário as populações indígenas do Brasil têm uma relevância enorme devido à situação política e ambiental do país.

Vinícius Mendonça/Ibama
Reportagem da Pública revelou que o governo Bolsonaro reduziu multas em municípios onde desmatamento cresce
O presidente Jair Bolsonaro diz que é preciso abrir as terras indígenas à exploração econômica para que as próprias comunidades “garantam seu sustento” a partir de atividades como a agropecuária de grande escala, mineração e garimpo. Você avalia que o relatório fornece subsídios para que esse argumento seja contestado? 

Estamos falando de comunidades que não estão em isolamento voluntário, a maioria das populações indígenas na América Latine e Caribe está em contato com o resto da sociedade e inserida no modelo econômico vigente, que impõe a necessidade de recursos para que supram suas necessidades. Quando o relatório fala de apoio às modalidades de manejo florestal comunitário, está se referindo a isso. As comunidades que fazem extração de borracha e artesanato com materiais da floresta, por exemplo, têm que vender sua produção; as que trabalham com turismo comunitário querem atrair pessoas sensíveis ao tema ambiental e aos direitos indígenas. Não é possível implementar medidas de proteção ambiental sem levar em conta as necessidades econômicas dos povos indígenas para que continuem realizando seu trabalho enquanto guardiões da floresta. O que o relatório pretende é encontrar uma maneira de se fazer isso que seja alternativa ao modelo extrativista, que priorize um modelo econômico culturalmente aceitável, que garanta o equilíbrio entre os seres humanos e os demais seres. 

Cada vez mais os cientistas admitem e defendem que os conhecimentos tradicionais indígenas devem ser valorizados se a humanidade quiser preservar sua vida no planeta. Qual é a importância desses saberes para a proteção das florestas?

O conhecimento indígena é resultado do que as comunidades vêm acumulando e desenvolvendo ao longo de gerações para manter as florestas na situação em que estão atualmente. Esse conhecimento combina elementos tangíveis e intangíveis que devem ser levados em conta. Há elementos intangíveis que se relacionam, por exemplo, com as fases da lua, orações e presenças de espíritos, e são fundamentais. Se queremos dar uma resposta a muitos dos nossos grandes problemas, temos que reconhecer a importância desses conhecimentos que sempre utilizamos, mas não valorizamos. Na Rio-92 houve o reconhecimento desses conhecimentos, mas uma coisa é reconhecer, outra é valorizar, e outra ainda é usá-los de forma respeitosa, o que envolve também o respeito aos portadores desses saberes.

Qual o papel de lideranças indígenas mulheres e jovens para que o enfrentamento da crise climática?

Reprodução
O relatório “Povos indígenas e comunidades tradicionais e a governança florestal” foi produzido pela ONU
Há alguns povos indígenas matriarcais em que as mulheres cumprem um papel fundamental de liderança, mas, independentemente disso, na maioria das comunidades as mulheres desempenham a função de portadoras e reprodutoras do idioma, dos conhecimentos sobre medicina e alimentos tradicionais. São elas que sabem como promover esses saberes, muitas vezes de baixo para cima, quando não lhes é permitido ocupar cargos de liderança em suas comunidades. Agora, quando se conversa com lideranças indígenas sobre suas formas de governança, fica claro que o maior desafio é a transmissão intergeracional. Houve um momento em que se pensou que a juventude indígena já não tinha interesse em seguir com as práticas tradicionais, mas acredito que nos últimos anos temos visto uma redução paulatina disso – não digo que o problema foi resolvido, mas sinto que há mais jovens regressando às suas comunidades e buscando formas de exercer sua identidade de distintos modos. Há jovens que protegem as florestas cantando rap, jovens que o fazem com sua poesia e arte. Tem um movimento de jovens indígenas na América Latina e Caribe preocupados, porque se deram conta de que, se não assumirem a liderança, correm riscos de perder muitos dos conhecimentos de seus avós. Diante da pandemia de Covid-19, com tantos falecidos, há maior nível de consciência da juventude.

De que modo a pandemia tem dificultado a proteção aos povos e territórios indígenas nas Américas? 

As medidas de isolamento promovidas por grande parte dos governos da região foram medidas hipócritas. A maioria dos países seguiu aprovando concessões às empresas de mineração sobre os territórios indígenas, por exemplo, no meio da quarentena. Temos visto casos dramáticos como o da Colômbia, onde o fato de as comunidades terem realizado isolamento voluntário e protegido seus territórios para se defender do vírus representou uma ameaça aos narcotraficantes, que utilizavam essas áreas para transportar droga – e o que eles têm feito é assassinar as lideranças indígenas. As mortes dos anciãos indígenas também têm sido um desastre, porque com eles se vão diversos conhecimentos tradicionais, muitas vezes sem que tenham cumprido seu ciclo de transmissão aos mais novos. O caso do Brasil é muito mais dramático porque tem um governo contrário aos povos indígenas e que está tentando empurrar leis contra os seus direitos.

Na sua avaliação, o Brasil está caminhando no sentido oposto ao resto mundo no enfrentamento da crise climática e na garantia dos direitos indígenas?

Antes fosse só o Brasil. O que temos visto nos Estados Unidos nos últimos meses é o ressurgimento da supremacia branca, e o que se observa no Brasil é uma expressão desse sentimento. Gostaria de pensar que isso acontece apenas no Brasil, mas não é verdade: são milhões de pessoas no mundo que pensam ser superiores aos indígenas, negros e outros grupos e que querem impor sua visão de mundo, cultura e modelo econômico. Do ponto de vista dos povos indígenas e comunidades afrodescendentes, o que se vê é um contramovimento a isso, de maior equilíbrio em relação à natureza, mais tolerante e intercultural. Essa situação é muito complexa, e vocês estão em um dos lugares onde isso se reflete de forma tão descarada e sem-vergonha – é preciso dizer. Não é uma situação única, mas, pela dimensão do Brasil e pelo que representa para a Amazônia, é assustador.  Quando você apoia a Pública, sua contribuição se transforma em jornalismo investigativo sério e corajoso, com impactos reais. R$ 10 por mês já fazem uma grande diferença. Nos ajude a revelar as injustiças, abusos de poder e violações de direitos que se agravam em meio à pandemia. Seja nosso Aliado


Anna Beatriz Anjos
 anna@apublica.org
 @anjosannab



https://apublica.org/2021/03/novo-relatorio-da-onu-sobre-conservacao-das-florestas-ressalta-e-evidencia-tudo-o-que-e-negado-por-bolsonaro-diz-lider-indigena/

sábado, 20 de março de 2021

Fazendeiro de MS torna-se réu por violação de cemitério indígena e ocultação de cadáveres

 Cemitério indígena era anterior a 1950 e podia conter até 80 corpos, que foram retirados por escavadeira e trator

Foto: Ascom/PRMS

Foto: Ascom/PRMS

POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO MPF/MS

“O cemitério já estava neste local antes da ocupação da área, em agosto de 1986, tanto que meu pai, falecido em 1948, estava enterrado lá, assim como outros índios. Havia uns 80 corpos no cemitério e foram sendo retirados um a um pelos funcionários da fazenda, acompanhados do proprietário. Os corpos foram retirados por escavadeiras e colocados em um reboque de trator e levados em direção à sede da fazenda. Depois, não sei para que local os corpos foram levados” – Laudo da Polícia Federal. Liderança indígena Guarani-Kaiowá.

O responsável pelos crimes de violação de sepultura e ocultação de cadáver, segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), é um proprietário rural da região de Dourados, em Mato Grosso do Sul. Ele tornou-se réu por decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), atendendo recurso do MPF contra decisão de 1ª instância, que rejeitara a denúncia. As penas para aqueles crimes, somadas, vão de dois a seis anos de prisão.

Entenda o caso – Segundo a denúncia, no dia 12 de setembro de 2013, um servidor do MPF, um servidor da Funai e uma liderança indígena se dirigiram até um cemitério, localizado em área de interesse da comunidade Pakurity, a 9 km de distância do acampamento da etnia Guarani-Kaiowá.

No local, havia uma árvore de pequeno porte, um pequeno cercado de arame farpado e algumas cruzes de madeira, compondo um perímetro aproximado de 5×10 metros, formando uma figura retangular. O lugar foi apontado pelo indígena como o cemitério em questão. Ao se aproximarem do local, a diligência foi interrompida pelo réu, proprietário da fazenda, o qual questionou o que o grupo estava fazendo, afirmando se tratar de propriedade privada. “Não há indígenas ali enterrados, todos os corpos do cemitério foram removidos”, disse ele ao grupo.

Depois deste episódio, o servidor do Ministério Público Federal voltou ao local em 17 de setembro, para registrar as coordenadas geográficas do cemitério. No entanto, ao chegar na região, constatou que a árvore e a cerca haviam sido removidas e, em seu lugar, estava apenas um sinal de terra remexida.

Foto do inquérito policial mostra a área do cemitério, com a árvore e a cerca

Foto do inquérito policial mostra a área do cemitério, com a árvore e a cerca

Imagem da área do cemitério, totalmente modificada. Foto: Ascom MPF/MS

Imagem da área do cemitério, totalmente modificada. Foto: Ascom MPF/MS

O Laudo Pericial da Polícia Federal atestou que o local havia sido significativamente alterado, sendo observadas mudanças da área até pelo menos 22 cm de profundidade: “abaixo desses 22 cm, há anomalias que são potenciais alvos para investigação. Tanto podem ser cavitações, restos humanos ou restos de objetos, quanto raízes da árvore que ali estava. É recomendável a intervenção por meio de escavação arqueológica cuidadosa”.

Apesar de todos os indícios, a Justiça Federal de Dourados rejeitou a denúncia, por ausência de justa causa, ou seja, autoria e materialidade. O TRF3, porém, atendeu o recurso do MPF e reformou a decisão, determinando o prosseguimento da ação penal contra o agora réu, no Juízo Federal de Dourados, anotando que “não deixa de configurar um forte indício o fato de a destruição do local apontado como cemitério ter ocorrido alguns dias depois do encontro do fazendeiro com o servidor do MPF”.

Para consultar o processo, clique aqui

https://cimi.org.br/2021/03/fazendeiro-ms-reu-violacao-cemiterio-indigena-ocultacao-cadaveres/

sexta-feira, 12 de março de 2021

No Dia International da Mulher, pesquisa da Repórteres sem Fronteiras aponta Brasil entre os 40 países perigosos para mulheres jornalistas

 



Luciana Gurgel | MediaTalks, Londres | @lcnqgur
8.03.2021

Um relatório da organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) publicado no Dia Internacional da Mulher (8 de março) mostra como o sexismo tem afetado a atividade jornalística em todo o mundo. A RSF entende como sexismo todas as formas de violência sexual e de gênero, entre elas discriminação, insultos, assédio sexual, toque, agressões verbais e físicas de natureza sexual, ameaças de estupro ou estupro. O documento revela a extensão dos riscos de violência sexual e de gênero enfrentados por mulheres jornalistas e seu impacto na sociedade.

”O jornalismo pode ser uma profissão perigosa. Mas ser mulher e jornalista, muitas vezes, significa correr um risco duplo: aos perigos inerentes à profissão somam-se os riscos de ser exposta à violência de gênero ou sexual”, alerta o relatório.

A pesquisa foi feita com base em respostas de profissionais de 112 países, em cinco continentes. De todas as nações que participaram, 40 foram consideradas perigosas ou muito perigosas para as mulheres na profissão. O Brasil está na categoria de nação perigosa.

“O perigo não está à espreita de jornalistas apenas nos ambientes clássicos de reportagem, ou nos novos campos virtuais  na internet e nas redes sociais. Está também onde elas deveriam sentir-se seguras: em suas redações”, afirma a RSF. 

A pesquisa foi abrangente, envolvendo redações de cinco continentes. Os participantes receberam um questionário com 30 perguntas. Mais homens do que mulheres responderam.

Há três anos a entidade havia publicado seu  primeiro relatório apontando dificuldades enfrentadas por jornalistas  homens e mulheres  que cobrem temas relacionados aos direitos das mulheres. No novo documento, os resultados confirmam as tendências percebidas pelas equipes da RSF: a internet tornou-se o lugar mais perigoso para as jornalistas, conforme relato de 73% dos participantes.

Um exemplo citado é o da colunista e jornalista investigativa indiana Rana Ayyub, que afirma receber ameaças de estupro e morte diariamente nas redes sociais.

Imagem: relatório RSF

Depois da internet, 58% dos participantes indicam o local de trabalho como o lugar onde foram cometidas as violências de gênero, a maioria por parte de chefes.

“Essa percepção foi reforçada pela disseminação do movimento #MeToo pelo mundo e pelo fato de que as jornalistas agora ousam denunciar casos de agressão ou de assédio sexual, como nos Estados Unidos, no Japão ou na Índia”, diz o relatório. 

Mas ainda há muito a ser feito, pois as medidas para reverter o quadro estão longe do ideal, como apurou a RSF. A pesquisa aponta que em 61% dos casos denunciados nada foi feito. E que apenas um de cada dez agressores perdeu o emprego.

A pesquisa identificou casos contra jornalistas até em países sem tradição de violência contra mulheres. Sofie Linde, apresentadora dinamarquesa de um programa de TV de sucesso, declarou ter sido vítima de assédio. Embora a Dinamarca seja geralmente considerada um modelo para as questões de gênero e paridade, a denúncia dirigida a um alto funcionário da televisão pública chocou o país.

“Temos a obrigação imperiosa de defender o jornalismo com todas as nossas forças, diante de todos os perigos que o ameaçam, e as agressões e intimidações de cunho sexual e de gênero estão entre estes perigos”, escreveu o secretário-geral da RSF Christophe Deloire, no prefácio do relatório. 

“É inconcebível que as jornalistas corram risco duplo e que tenham que se defender numa frente adicional, tanto fora quanto dentro das redações.

As jornalistas que cobrem esporte, política e direitos da mulher são as mais vulneráveis à violência, segundo apurou a RSF. Um triste exemplo é o de Nouf Abdulaziz al-Jerawi, jornalista saudita presa por denunciar o sistema de tutela masculina em seu país, que foi torturada com choques elétricos e abusada sexualmente durante sua detenção.

Brasil em destaque 

O Brasil é citado no relatório, com destaque para o preço alto pago pela jornalista Patrícia Campos Mello por sua denúncia sobre o uso ilegal de fundos privados pelo presidente Bolsonaro para financiar campanhas de desinformação. O documento aponta que ela foi alvo de uma campanha de assédio cibernético extremamente violenta depois de acusada por Jair Bolsonaro e seus filhos ocupantes de cargos eletivos de ter “extorquido”  informações em troca de favores sexuais.

A RSF também elogiou a iniciativa de cinquenta jornalistas esportivas brasileiras que lançaram o movimento #DeixaElaTrabalhar, para denunciar a prática de beijos forçados por parte de torcedores durante a cobertura de eventos esportivos ao vivo.

Na França, quase 40 jornalistas do diário L’Equipe uniram-se para apoiar suas colegas após revelações de assédio na editoria de esporte.

Em seu relatório, a RSF examina o impacto da violência sobre o próprio jornalismo e como, na maioria das vezes, o trauma sofrido leva ao silêncio e reduz o pluralismo das informações.

Além do estresse, da angústia e dos medos, a violência sexual e de gênero tem levado as jornalistas a encerrar temporária ou mesmo permanentemente suas contas nas redes sociais, consequência apontada por 43% dos participantes. Isso quando elas próprias não se autocensuram (48%), mudam de editoria (21%), ou até mesmo se demitem (21%)”, registrou a pesquisa. 

Medo de levar as queixas adiante

Vergonha, temor de perder o emprego ou de ser prejudicada na carreira são algumas das razões que impedem as mulheres em geral de levar adiante queixas de assédio ou de perseguição. Com as jornalistas não é diferente, apesar de seu acesso maior, em relação a outras profissionais, a informações e a instâncias capazes de tomar providências. O número das jornalistas vítimas de violência sexual e de gênero que não prestaram queixa chega a alarmantes 65%. E o pior: quase metade delas diz que agiu assim porque não adiantaria nada reclamar.

Minorias sofrem ainda mais 

O estudo da RSF demonstra que a violência sexual e de gênero é agravada nos casos das  jornalistas que representam minorias, como negras, estrangeiras, muçulmanas, lésbicas, bissexuais e trans. Insultos baseados na raça, preferência sexual e religião são os mais preponderantes.

 

Impacto sobre a saúde física e mental 

A RSF examinou também os efeitos da violência sobre as mulheres jornalistas, que provoca sequelas características de estresse pós-traumático, como distúrbios do sono, dificuldade de concentração e estresse emocional.  E também enxaquecas, dores de estômago e ansiedade severa.

 

Uma longa lista de recomendações 

Para reduzir esse tipo de violência, a RSF inclui em seu relatório uma série de recomendações destinadas a jornalistas, redações e governos.

Mais espaço para direitos da mulher e denúncia da violência 

  • Dedicar espaço aos direitos das mulheres e à denúncia da violência de gênero de forma permanente e não apenas em datas ou eventos dedicados a esses temas.
  • Assegurar proporção igual de homens e mulheres entre especialistas e convidados para programas de debate e fontes citadas em reportagens.
  • Eliminar estereótipos sexuais e de gênero que possam ser transmitidos através da linguagem e da iconografia utilizadas, da proporção de mulheres e homens representados como vítimas,  e da proporção de mulheres e homens identificados de acordo com o status familiar.
  • Incentivar a criação do posto de gerente editorial responsável pelas questões de gênero (“editores de gênero”) nas redações.

 

Mais segurança e vigilância 

  • Desenvolver, dentro das redações, materiais de divulgação e ferramentas destinadas a informar sobre todos os tipos de 
    violência de gênero e sobre como reagir a eles (célula de escuta, linha telefônica de ajuda para mulheres vítimas de violência, cartazes, intervenções, lista de associações que trabalham com o tema, pessoa de contato no veículo).

 

  • Melhores condições de trabalho
  • Conscientizar gestores e equipes sobre os riscos enfrentados pelas jornalistas e implementar dispositivos de emergência para garantir um sistema de alerta, apoio e proteção para mulheres vítimas de assédio ou qualquer tipo de violência sexual ou de gênero.
  • Garantir o equilíbrio entre a vida profissional e privada para não penalizar jornalistas que desejem ter ou que tenham filhos (existência de esquemas de flexibilidade no trabalho, acesso a licença parental, mecanismos que facilitem o acolhimento de crianças etc.).
  • Garantir salários iguais em todos os níveis e alcançar paridade nas funções editoriais e de gestão, bem como nos cargos de maior visibilidade (como colunistas, comentaristas, apresentadores, entre outros).
  • Capacitar colaboradores em cargos de gestão para a detecção de ataques e o suporte às vítimas de violência.
  • Facilitar reuniões e intercâmbio de boas práticas entre mulheres jornalistas para permitir melhor assistência mútua diante desses problemas.

 

Medidas para controlar violência online 

  • Treinar as jornalistas sobre a questão do assédio cibernético de forma a permitir-lhes a adoção de reflexos e comportamentos adequados em tais situações  por exemplo, colaborando com os serviços competentes das plataformas em que atuam os trolls ou assediadores.
  • Instaurar um sistema de emergência interno para casos de ameaças ou ataques sexistas virtuais  tanto em termos de moderação dos conteúdos em questão, como de apoio psicológico e/ou jurídico à jornalista vítima.

 

Riscos para o trabalho em campo 

  • Para que o risco não seja uma desculpa para barrar o acesso das jornalistas ao trabalho de  campo, incluir uma perspectiva específica para mulheres jornalistas no treinamento de segurança dado a profissionais que atuam em áreas que oferecem perigo.
  • Garantir maior comunicação entre a redação e as jornalistas em missões externas para reduzir  entre outras coisas  o risco de violência sexual ou de gênero.
  • Colocar à disposição um documento interno de consulta que compile as informações mais recentes sobre a área de atuação, com feedback dos últimos que estiveram na região, dados práticos do país ou região em questão, listas de verificação e tutoriais.

 

Orientações para as mulheres

  • Em caso de ameaças, ataques ou assédio, notificar os superiores ou o responsável por lidar com essas questões e/ou registrar uma ocorrência.
  • Fazer capturas de tela, imprimir, coletar e guardar todas as evidências de assédio, insultos, ameaças ou agressões recebidos nas suas caixas de mensagens pessoais ou profissionais e nas redes sociais.
  • Antes de sair para uma reportagem em um país ou região diferente, informar-se sobre as práticas culturais e sociais do país, bem como sobre como são vistas as mulheres jornalistas e a situação de segurança no local.
  • Avaliar minuciosamente os riscos antes de ir a campo, e privilegiar o trabalho em equipe nas áreas de risco.
  • Transmitir os contatos das pessoas no local (colegas de profissão) a colegas de confiança ou aos chefes.
  • Contra o assédio cibernético:
    • Adotar regras essenciais de segurança digital.
    • Pedir a uma pessoa de confiança para gerenciar suas redes sociais se estiver sendo atacada. Ela poderá fazer uma triagem dos seus feeds, apagar insultos, bloquear e denunciar perfis agressores.
    • Dependendo da intensidade do assédio, mude suas contas para o modo de acesso privado enquanto durar o ataque.

 

Recomendações para as plataformas digitais

  • Desenvolver campanhas de comunicação e conscientização pública sobre violência online visando especificamente jornalistas, sobretudo mulheres.
  • Tornar mais fácil para as vítimas de ameaças e ataques online, em particular mulheres jornalistas, relatar a violência criando um canal de alerta de emergência.
  • Colaborar ativamente com as autoridades judiciais nas investigações sobre violência cibernética contra jornalistas.
  • Lutar contra as campanhas coordenadas de assédio e as “fábricas de trolls”, em parte responsáveis por essa violência online, aumentando o número de moderadores humanos.

 

Recomendações aos governos

  • Honrar seus compromissos com a liberdade de imprensa, incluindo a garantia do direito das jornalistas de exercerem seu trabalho com segurança, em conformidade com as normas internacionais, e o direito de qualquer jornalista de trabalhar com temas relacionados aos direitos das mulheres.
  • Reconhecer que ameaças e outras formas de abuso online contra as jornalistas e profissionais da mídia constituem um ataque direto à liberdade de expressão e à liberdade dos meios de comunicação.
  • Incentivar a criação do posto de Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Segurança dos Jornalistas, que assegurará que os governos respeitem suas obrigações no tocante à eliminação da violência contra profissionais de imprensa, em particular contra as jornalistas.
  • Garantir que haja legislação adequada para responder de maneira eficaz à violência de gênero, especialmente contra as jornalistas. A violência contra jornalistas deve ser considerada uma circunstância agravante do crime, tendo em conta o seu impacto no direito dos cidadãos à informação. Uma legislação adequada também é necessária para combater o assédio online, assim como procedimentos de recurso ou vias legais em caso de restrições abusivas à liberdade de expressão online.
  •  Garantir que o sistema penal esteja preparado para receber, processar e julgar casos de violência de gênero, especialmente contra as jornalistas, seja física ou virtualmente, para assegurar que os casos de violência de gênero e assédio online sejam sistematicamente investigados e que os autores sejam processados e condenados.
  • Promover atividades que favoreçam a igualdade e a diversidade de gênero nos meios de comunicação e apoiar iniciativas de capacitação que enfoquem a segurança de mulheres jornalistas.
  • Para países que oferecem formas de auxílio à imprensa, instituir incentivos para encorajar as empresas de mídia a se comprometerem com a mudança, a se equiparem com ferramentas para avaliar e medir a evolução de suas práticas mediante uma carta de compromisso pela igualdade de gênero em suas estruturas, além de recursos de formação para sensibilizar as suas equipes quanto à paridade e à igualdade.
  • Reforçar a responsabilidade das plataformas online para garantir o direito à liberdade de expressão de seus usuários e sua segurança contra discursos de ódio e assédio online.
  • Conscientizar legisladores e atores do sistema de justiça criminal sobre a violência online contra as mulheres, em particular as jornalistas.
  • Promover a educação em segurança digital, com foco na conscientização dos internautas sobre o impacto do assédio online e as consequências legais para quem os comete.
  • Criar comitês nacionais para a segurança de jornalistas que incluam representantes do Ministério Público, da polícia e das associações de jornalistas, para verificar se todos os ataques e ameaças são devidamente investigados e implementar ações preventivas ou de proteção, quando necessárias, para fortalecer a segurança dos jornalistas.

A pesquisa completa pode ser vista aqui


https://mediatalks.com.br/pt/2021/03/08/rsf-publica-a-pesquisa-o-jornalismo-frente-ao-sexismo/




segunda-feira, 8 de março de 2021

Real só não se desvaloriza mais do que moedas do Sudão, Líbia e Venezuela

 

Considera variação em 2021

Perdeu 8,6% ante o dólar

Em 2020, a divisa foi a 6ª pior

Em 2021, o real perdeu 8,6% em valor em comparação com o dólarSérgio Lima/Poder 360


06.mar.2021 (sábado) - 6h00

O real só não se desvalorizou mais do que as moedas do Sudão, Líbia e Venezuela em 2021. Perdeu 8,6% em valor em comparação com o dólar. É o que mostram dados de relatório produzido pela Austin Rating. Eis a íntegra (373 KB).

A moeda do Sudão (Nova Libra Sudanesa) foi a que mais desvalorizou: -85,3% no ano. Em seguida, aparecem o Dinar, da Líbia (-70,1%), e o Bolivar Soberano, da Venezuela (41,9%). Em 2020, a divisa do Brasil foi a 6ª pior.

Em 2021, o real perdeu mais valor do que o peso argentino, que tombou 6,9% em comparação com a moeda dos Estados Unidos.

De acordo com a Austin Rating, a desvalorização do câmbio do Brasil é um efeito de carry trade, que significa o diferencial da taxa de juros pagas nos títulos dos EUA e as cobradas nos títulos brasileiros com o mesmo vencimento. Há um temor no mercado financeiro de que haja uma piora das condições fiscais do país, com uma expansão maior do que o esperado da trajetória da dívida.

Os operadores acompanham a tramitação de reformas, principalmente a PEC (proposta de emenda à Constituição) emergencial, que permite a redução dos gastos obrigatórios em momentos de aperto orçamentário. Mais de 90% das despesas do Brasil são carimbadas –não estão sob controle do governo.

Em 2016, para sinalizar o ajuste fiscal ao mercado, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional do teto dos gastos, que evita que o custo da máquina pública fique acima da inflação. O orçamento do Brasil está no vermelho –gastos superam receitas– desde 2014. Qualquer tipo de movimento que coloque a regra sob risco provoca turbulência nos ativos financeiros, como foi registrado nos últimos dias.

Além da pauta política, os economistas analisam o desempenho da atividade econômica com a 2ª onda de covid-19 e os anúncios de lockdown nos Estados. Em 2020, o PIB (Produto Interno Bruto) do país recuou 4,1%, a maior queda em 24 anos. Segundo o Boletim Focus, que divulga projeções dos analistas do mercado, o Brasil deve crescer 3,29% neste ano em comparação com 2020, dada a forte retração do ano passado.

A pandemia de covid-19 e as medidas de distanciamento social podem piorar as projeções dos analistas, diminuindo o ritmo de recuperação da economia. Além disso, existe a necessidade do Copom (Comitê de Política Monetária) em aumentar a taxa básica Selic para controlar a inflação.

Atualmente, os juros estão em 2% ao ano, o menor nível de estímulo da história. O Itaú Unibanco estima que a Selic ficará em 5% ao ano. A próxima reunião do comitê será em 16 e 17 de março. Os operadores aumentaram as apostas para que a Selic suba em, pelo menos, 0,25 ponto percentual (para 2,25% ao ano).

INFLAÇÃO NA MIRA

O risco de inflação elevada e o crescimento baixo, potencializados pela fragilidade fiscal do Brasil, explica parte da desvalorização do real. A moeda brasileira se descolou dos países emergentes.

Segundo a Austin Rating, de março de 2020 até esta 6ª feira (5.mar.2021), o real desvalorizou 21% e a cesta de 16 outras moedas de países emergentes (que respondem por 30,1% do PIB global) valorizou 0,3%. Destaca-se o Peso Chileno (+10,6%) e do Renminbi Chinês (7,2%).

O dólar alto, o preços dos combustíveis caros –num país que depende da malha rodoviária– e o novo auxílio emergencial tendem a aumentar a inflação. Projeções de economistas indicam que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) anual pode rodar próximo de 7%, bem acima do teto da meta de 2021, de 5,25%.

Os juros mais altos são o remédio mais ortodoxo contra a inflação e a desvalorização da moeda, mas há um efeito colateral, que é o encarecimento da dívida pública. O estoque chegou a R$ 6,670 trilhões, o que corresponde a 89,7% do PIB (Produto Interno Bruto).

Mesmo com queda menor do PIB em 2020 em relação aos seus pares e reserva em dólar robusta, o real teve um desempenho pior do que outras moedas.

 

https://www.poder360.com.br/economia/real-so-nao-se-desvaloriza-mais-do-que-moedas-do-sudao-libia-e-venezuela/