A comemoração dos 60 anos da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE) começou na última quarta-feira (27) e se estende até sexta-feira (29) na cidade do Rio de Janeiro. O evento presencial é marcado por dois debates sobre a retomada do Brasil e uma homenagem a Jean Pierre Leroy, o socioambientalista e educador popular morto em 2016. Leroy integrou a equipe da FASE por 40 anos e é uma referência na luta pela garantia da justiça ambiental e dos direitos humanos no país.

A diretora executiva nacional da FASE, Letícia Tura, destaca que a celebração pelas seis décadas da instituição significa, acima de tudo, a luta da sociedade civil contra os retrocessos de direitos, as desigualdades e injustiças sociais. Na avaliação de Tura, o evento de aniversário da organização é uma oportunidade de debater o modelo de Brasil para o futuro.

“Pensamos que é importante ter debate público para que pudéssemos refletir em que retomada queremos no Brasil. Por isso falamos de ‘retomada para quem e para quê?’. Para quem se destinam as propostas de reconstrução? É para a gente continuar mais do mesmo? Ou é para a gente buscar rupturas com a desigualdade da sociedade brasileira? Acreditamos que uma retomada tem que ser de combate ao fascismo, com uma democracia verdadeira e sem desigualdade de raça, de gênero, de etnia e de classe”, enfatizou Tura à Pulsar.

Brasil em xeque

A abertura do encontro ocorreu no Colégio Brasileiro de Altos Estudos, no bairro do Flamengo, com a mesa “Política contra a desigualdade e as falsas soluções econômicas”. Átila Roque, da Fundação Ford, iniciou o debate refletindo sobre o avanço da extrema-direita e sua a capacidade de mobilização a partir do ódio.

“Estamos diante de um cenário em que o pior de nós foi mobilizado. As nossas piores paixões foram mobilizadas e, entre essas paixões, têm duas delas que são o racismo e a violência. Ainda que isso não seja novo, talvez, pela primeira vez na nossa história, o racismo e a violência passaram a reivindicar um lugar central no estado”, ponderou Roque.

Ainda sobre os efeitos sociais e políticos em curso nos últimos seis anos, o professor Eduardo Costa Pinto, da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pontuou que a reconstrução do Brasil não se resume ao processo eleitoral deste ano e que a crise no país está posta desde 2011, quando os lucros da elite econômica começaram a reduzir. Segundo o economista, será impossível fazer um governo progressista com conciliação de classe e a solução estará nas lutas políticas.

“A burguesia não aceita perder lucro. Estamos em aberto, ninguém tem clara a trajetória. A ideia é empurrar cada vez mais para lutas políticas que vão além da questão eleitoral. O governo do PT [Partido dos Trabalhadores] será de embate permanente. É preciso ousadia, coragem e renovação”, salientou.

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Economia do cuidado

Já Luiza Nassif Pires, pesquisadora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo (USP), questionou a política fiscal do país e alertou para a chamada economia do cuidado, que inclui o trabalho doméstico, o serviço prestado por cuidadores de idosos e por profissionais que atuam em creches e berçários, por exemplo.

“A nossa economia funciona de uma forma que delegou às famílias o cuidado para que a mão de obra exista. Com a redução do salário, as famílias têm mais dificuldade em prover cuidado e isso gera uma cadeia de exploração. A desigualdade serve às elites [econômicas], ” disse Pires, que salientou ainda que o Estado deveria investir neste setor para garantir melhores oportunidades de trabalho.

“O investimento em Saúde Pública e Educação gera mais empregos para mulheres brancas e negras. Não há nada que seja mais alicerce do que o cuidado. Uma das grandes coisas que temos trazido é a possibilidade do investimento em infraestrutura de cuidado, como forma de solucionar a crise do setor”, explicou.

Neutralidade climática

A discussão também passou pelo meio ambiente ao tratar sobre os impactos da neutralidade climática, ou seja, a eliminação de combustíveis fósseis e outras fontes de emissão de gás carbônico nos setores do transporte, indústria e geração de energia.

De acordo com Mônica Bruckman, professora de Ciência Política da UFRJ, a forma como tem sido implementado o modelo de desenvolvimento com menos carbono gera um alto impacto nos países latino-americanos, porque aumenta o consumo de minerais como o lítio e o alumínio, afetando diretamente as populações originárias e as florestas da região.

“Você vai descarbonizar a economia e ampliar a devastação ambiental em países periféricos como o Brasil e os países latinos. Isso significa expulsar populações locais de seus territórios que passarão a entrar para os grandes cordões de miséria”, salientou a pesquisadora.

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Na avaliação de Bruckman esse modelo de desenvolvimento beneficia apenas o norte global e gera muito prejuízo para os países periféricos.

“Se a gente extrai petróleo e lítio é para beneficiar as populações dos nossos países? De que desenvolvimento estamos falando ? O desafio é pensar o projeto de desenvolvimento que queremos”, ressaltou.

Nesta quinta-feira (28), a FASE segue o debate sobre os desafios da retomada do Brasil com a mesa “Participação social e as apostas para um novo país”. O encerramento das comemorações ocorre na sexta-feira (29), na Câmara dos Vereadores do Rio, com a entrega do Prêmio Cidadão Carioca (post-mortem) a Jean Pierre Leroy.

Edição: Filipe Cabral