quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

6 milhões de brasileiros viveram 5 meses sob calor extremo em 2024

 CALOR

Levantamento mostra que 111 cidades tiveram mais de 150 dias de temperaturas máximas acima do visto em anos recentes 

Materia Agenda do Poder | Escrito por Carole Bê | |

Mais de 6 milhões de brasileiros enfrentaram pelo menos 150 dias de calor extremo em 2024 – um ano marcado como o mais quente da história da Terra.

Levantamento exclusivo feito a pedido do portal g1 aponta que, no total, 111 cidades brasileiras tiveram mais de cinco meses, que equivalem a 150 dias, ainda que não corridos, sob calor extremo. Isso significa temperaturas que muitas vezes ultrapassaram os 40°C.

Mas o calor atingiu todo o país: todas as cidades brasileiras enfrentaram ao menos um dia com temperaturas máximas extremas.

Metodologia do levantamento

A análise foi feita pelo Centro Nacional de Monitoramento de Desastres (Cemaden) com dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entenda abaixo como isso foi feito:

  • Para cada dia do ano foi calculado um valor limite de temperatura.
  • Para isso, foram analisandos os dados diários da série histórica entre 2000 e 2024.
  • Como resultado, foi constatado o total de dias no ano de 2024 que superaram os valores mais altos vistos na série histórica, o que configura um extremo de calor.
  • O índice é o mesmo usado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Por exemplo, segundo os dados, para o mês de novembro, a temperatura em Belém, capital do Pará, é considerada extrema quando é maior que 33,9°C. Neste mês, a cidade registrou temperaturas que superaram essa máxima e chegaram a 37,1°C.

O levantamento considerou informações de 5.571 municípios brasileiros. Pouco mais de 100 ficaram de fora, o que inclui as capitais João Pessoa e Recife. Segundo a pesquisadora do Cemaden Márcia Guedes, que fez parte do levantamento, isso ocorre porque ao coletar os dados do satélite, a resolução não conseguiu alcançar algumas cidades na faixa litorânea.

As altas temperaturas explicam o cenário do Brasil no ano passado:

  • O país viveu a pior seca da sua história, que afetou todo o território nacional, mas foi mais grave no Norte, deixando rios secos e populações isoladas, sem acesso a serviços básicos;
  • O Brasil viu queimar mais de 30 milhões de hectares, o que é quase o tamanho da Itália, em 2024. O fogo é reflexo de ação humana, mas a proporção é consequência da falta de umidade, resultado das altas temperaturas.
  • Houve recorde de dengue: foram mais de 6 milhões de casos da doença, que é favorecida pelo calor.
  • Pela primeira vez, especialistas identificaram uma região de clima árido no Brasil.

Os estados mais afetados foram Pará, Ceará, Tocantins, Minas Gerais, Alagoas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Maranhão.

O ano de 2024 deixou um alerta para o país: temperaturas extremas não são um evento isolado, mas parte de uma tendência que exige atenção e ação para mitigar seus impactos.

Cenário por região

O impacto do calor não foi uniforme em todas as cidades. Isso ocorre porque o Brasil é um país de dimensões continentais, com climas variados dentro do mesmo território, além de fatores regionais, como incêndios e desmatamento.

Veja o cenário por região:

A região mais afetada foi a Norte, que enfrentou uma seca intensa no ano passado. A maioria dos estados declarou situação de emergência, com os rios da maior bacia hidrográfica do mundo, a Amazônica, completamente secos.

A estiagem de 2024 foi a maior e mais longa da história do país e as altas temperaturas explicam o porquê vimos um recorde.

“Quando olhamos os dados, a gente percebe que os extremos de calor aconteceram em áreas em que a gente teve a grande seca. A seca está relacionada com a temperatura e esse é um dos fatores que explica a intensidade da estiagem que vimos em 2024”, explica Ana Paula Cunha, especialista em secas do Cemaden

No Norte, o estado mais afetado foi o Pará, que neste ano sedia a conferência mundial sobre o clima, a COP 30. Ao todo, 46 cidades no estado enfrentaram ao menos 150 dias sob estresse térmico extremo.

Em seguida, a segunda região mais afetada foi o Nordeste, que já é quente e enfrentou ainda mais calor. Foram dias consecutivos com temperaturas próximas dos 40°C em várias cidades.

Na região, um dos estados mais afetados foi o Ceará. Uma pesquisa recente da Fundação Cearense de Meteorologia (Funceme) mostrou a tendência de aumento do calor na região. Dados dos últimos 60 anos, até 2023, indicam que a temperatura no estado aumentou em 1,8°C – valor superior, por exemplo, à média global de 2024.

Foi também em 2024 que, no Nordeste, pesquisadores identificaram, pela primeira vez, a existência de um clima árido no Brasil, uma condição semelhante à de desertos. Essa área abrange um trecho de quase 6 mil km² no centro-norte da Bahia.

No Sudeste, 13 cidades chegaram a esse índice. O estado viu recordes de calor e o fogo tomando São Paulo, com o maior número de focos de incêndio já registrados em mais de dez anos.

Apesar de apresentar um número menor que as demais regiões, os dados no Sudeste indicam uma tendência de aumento. Em 2022, apenas duas cidades registraram mais de 100 dias sob calor intenso. Em 2023, foram sete cidades, e agora o número é quase o dobro.

No Centro-Oeste, nove cidades registraram índices extremos em mais de 150 dias no ano, a maioria delas no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Na região, o Pantanal foi atingido por um incêndio de proporções históricas, que colocou o bioma em risco.

O Sul do país apresentou um impacto menor no recorte de 150 dias. A região enfrentou a pior enchente da história e registrou chuvas acima da média por um período em 2024. Apesar disso, também foi marcada por temperaturas em elevação.

Segundo os dados, mais de 160 cidades nos estados da região registraram mais de 100 dias sob calor extremo, e, em algumas, as temperaturas chegaram próximas dos 40°C.

Ana Paula Cunha, uma das pesquisadoras responsáveis pela análise, explica que o calor afeta todo o país e o que faz com que haja diferenças entre as regiões são as especificidades climáticas e fatores regionais:

  • Especificidades climáticas

O El Niño impulsionou o aquecimento pelo país, mudou o curso da chuva nos estados de forma geral. No entanto, o aquecimento do oceano que ele causou impactou de forma mais intensa a região Norte.

Houve bloqueio atmosférico no Centro-Sul, o que deixou a região com menos chuvas e, consequentemente, menos nuvens. Assim, as cidades estiveram mais expostas ao sol.

  • Fatores regionais

Ações humanas como o desmatamento em áreas de floresta e as queimadas também interferiram para que uma cidade ficasse mais quente que outra.

O estado mais afetado é o Pará. Segundo dados do Inpe, em um ano de recorde de queimadas, quando o país foi tomado pela fumaça, o Pará registrou o maior número de focos de fogo. Além disso, é também o estado que lidera o índice de desmatamento da Amazônia. Este ano, houve uma queda de quase 50% nos índices, mas o desmatamento ainda persiste.

“O fator predominante são as emissões dos gases do efeito estufa, só que temos fatores regionais. No caso do Pará, por exemplo, o estado lidera as queimadas e o desmatamento. Sabe-se desde os anos 90 que a supressão de vegetação contribui para o aumento de temperatura e é isso que estamos vendo acontecer”, diz a pesquisadora Ana Paula Cunha.

Os dados também abrangem uma série histórica de 24 anos: de 2000, quando o satélite utilizado no levantamento começou a coletar as informações, até 2024. Nesse período, é possível observar que:

  • No início da série, os dias de calor extremo tinham patamares muito menores do que os de agora;
  • Mesmo que o dado oscile, com períodos de picos de calor extremo que depois descem, eles não chegam ao patamar do início da série.

Calor é também uma questão de saúde

O calor não é apenas um problema para o meio ambiente, mas também para a sobrevivência humana. O corpo consegue se adaptar às altas temperaturas, mas não sem consequências, como náusea, tontura, dores de cabeça, entre outras.

O estresse térmico, índice que mede a exposição ao calor e os riscos potenciais à saúde humana, pode, no entanto, levar a consequências mais graves, como a morte. O limite varia de pessoa para pessoa, o que depende da exposição – o que reforça os fatores sociais relacionados ao calor.

Segundo o Ministério da Saúde, nos últimos 14 anos, quase 60 pessoas morreram devido ao calor intenso no país.

Contudo, especialistas estimam que esse número seja subnotificado, já que não existe um protocolo para analisar a relação entre mortes e a exposição a altas temperaturas.

Sandra Hacon, pesquisadora da Fiocruz sobre os impactos do calor à saúde, explica que a situação já é de emergência e que precisa ser levado em quando nas políticas de saúde.

“É impossível suportar esse período de tempo sob essas temperaturas sem consequências, o corpo não tem resiliência para suportar. O acompanhamento da temperatura tem que estar no programa de vigilância com prioridade máxima, se não estamos deixando milhões de pessoas expostas ao risco de vida”, diz Sandra Hacon, pesquisadora da Fiocruz.

Sandra reforça que as consequências do calor não são as mesmas para todos e as altas temperaturas expõem as desigualdades no Brasil. As cidades com menos infraestrutura não vão conseguir atender à demanda, que aumenta conforme o calor se amplia. Além disso, as pessoas em posições braçais, estão mais expostas.

“Os 37°C de uma cidade são sentidos de forma diferente por quem trabalha em um escritório e quem trabalha na rua, como um gari e um policial. As pessoas mais vulneráveis são, justamente, as mais pobres, indígenas e quem mora em cidades com pouca infraestrutura de saúde. O calor deixa exposto ainda mais as diferenças sociais que dividem o Brasil”, explica Sandra Hacon.

Por exemplo: o município com o maior número de dias sob temperaturas extremas no Brasil é Melgaço no Pará, que também é o município com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país.

A cidade fica no sul do Marajó, não há conexão terrestre e as viagens entre a sede do município, onde estão as estruturas de saúde, e comunidades ribeirinhas podem levar horas e custar várias dezenas de reais em combustível.

Na saúde, o calor também deixa o país mais vulnerável à proliferação de vetores de doenças como malária, dengue e leishmaniose.

No ano de 2024, o Brasil bateu recorde de casos de dengue. Foram 6,6 milhões de casos. Para se ter uma ideia, o maior índice já visto antes tinha sido em 2015, quando o país teve 1,6 milhão de pessoas com a doença.

Segundo os especialistas, o calor intenso é um dos fatores para a ampliação do número de casos. As altas temperaturas ajudam a acelerar o processo biológico do mosquito, aumentando a proliferação.

“Existe uma lacuna de informação sobre o impacto direto na saúde pública com as mudanças climáticas, apesar de sabermos que isso já está acontecendo”, explica.

Com informações do g1.

 

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terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Desmatamento ilegal na Amazônia: apenas 5% das condenações são pagas

         Matéria Climainfo 4 de fevereiro de 2025

Ricardo Stuckert / PR

Levantamento indica aumento nas condenações por crimes ambientais, mas baixa execução, com apenas 5% de indenizações quitadas e sem garantia de aplicação de recursos na Amazônia.

A impunidade ainda é um dos obstáculos mais significativos no esforço de combate ao desmatamento na Amazônia. Mesmo com a intensificação da fiscalização, as condenações dificilmente saem do papel, o que serve como incentivo para novas ilegalidades ambientais. Um levantamento divulgado pelo Imazon nesta 2ª feira (3/2) ilustrou este desafio.

A partir da análise de mais de 3,5 mil ações civis públicas (ACPs) movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) entre 2017 e 2020, o estudo identificou um aumento nas condenações, mas com baixa execução das indenizações por danos materiais e morais decorrentes da destruição florestal - apenas 5% delas foram quitadas pelos condenados.

As ações envolvem 265 mil hectares de floresta desmatada na Amazônia e, ao todo, pedem mais de R$ 4,6 bilhões em indenizações. Até dezembro de 2023, 2.028 ações (57% do total) tinham sentença, sendo 695 com algum tipo de responsabilização - dessas, 640 foram julgadas procedentes e 55 decorreram de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao MPF. Somadas, as condenações e os TACs correspondem a 20% do total e 34% das ações com sentenças.

O dado referente às condenações representa um crescimento em relação ao quadro observado em um estudo anterior do Imazon de 2020. Naquela época, dos 3.551 processos analisados, apenas 650 (18%) tinham sentença e 51 deles foram procedentes. O avanço é resultado de novas decisões em primeira instância tomadas entre 2020 e 2023, bem como do julgamento dos recursos às condenações iniciais.

Apesar das condenações, o cumprimento delas ainda é muito baixo. Segundo o Imazon, das 640 sentenças procedentes após julgamento de recursos e dos 55 TACs firmados, que determinaram indenizações de R$ 251,9 milhões, somente 37 deles (5%) tiveram os valores quitados. As indenizações pagas somam apenas R$ 652,3 mil e se referem a três sentenças e 34 termos. Se considerar os casos que estão em fase de pagamento, com bloqueio em contas bancárias dos réus ou pagamento parcelado, esse percentual sobe ligeiramente para 8%.

Outro problema identificado pelo Imazon está na falta de garantia da aplicação das indenizações na própria Amazônia. Apesar do MPF ter solicitado a destinação desses valores aos órgãos ambientais na maioria das ações, os fundos públicos foram o destino majoritário das sentenças, como o Fundo de Direitos Difusos e o Fundo Nacional de Meio Ambiente.

“É positivo ver o aumento de casos procedentes para responsabilização de desmatadores e que os tribunais têm mantido entendimento favorável à condenação nessas ações que utilizam provas obtidas de forma remota, com imagens de satélite e uso de banco de dados. O desafio agora é obter o efetivo pagamento das indenizações e a recuperação das áreas que foram desmatadas”, afirmou Brenda Brito, pesquisadora do Imazon.

O estudo do Imazon teve grande repercussão na imprensa, com matérias na CartaCapitalCNN Brasilg1Metrópoles((o)) ecoPoder360SBTTV CulturaUm Só Planeta e Valor, entre outros.

 

Matéria Climainfo

https://climainfo.org.br/2025/02/03/desmatamento-ilegal-na-amazonia-apenas-5-das-condenacoes-sao-pagas/


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