ERA DA INFORMAÇÃO
Site criado há dez dias abre espaço para reunir pessoas interessadas nesse debate crucial para a democracia
Então, depois de quatro meses de “incubação”, nasceu o *desinformante: “um lugar de informações confiáveis sobre desinformação. Analisamos seu impacto na sociedade e discutimos as formas de combatê-la”, como se definem.
O objetivo é envolver pessoas não necessariamente especialistas, mas que estejam preocupadas com o tema. “A gente não vai sair do lugar, nesse debate sobre desinformação, sem envolver os grupos que fazem luta por justiça social, seja no campo socioambiental, na luta contra o racismo, direitos humanos. É essa turma que pode dar testemunhos diários do efeito da desinformação nas suas lutas”, avalia Brant.
Conteúdo afetivo
Nesta entrevista à RBA, o jornalista faz uma análise de como se chegou a esse estado de coisas, em que a desinformação tem espaço tão relevante, a ponto de ser, no Brasil e no mundo, um modus operandi de governos e autoridades públicas. “Na prática, se você privilegia informações mais chamativas, se os conteúdos que mais circulam são aqueles que mexem, que mobilizam afetos das pessoas, é muito provável que a desinformação ganhe espaço. E isso aconteceu no mundo inteiro.”
O site tem conteúdo fundamental para entender o papel da desinformação, por exemplo, na questão do marco temporal. Como resposta a uma mentira constantemente divulgada pelo governo e por ruralistas na tentativa de aprovar esse projeto que pode acabar por facilitar a grilagem de terras indígenas, o *desinformante traz informação. “Estudo publicado em 2019 por 14 pesquisadores brasileiros e estrangeiros na revista científica Land Use Policy (Política de Uso do Solo) mostra que 97.456 grandes propriedades rurais ocupam 1,8 milhão de km2, que correspondem a 21,5% do território nacional. As Terras Indígenas abrangem cerca de 13% do território (1,1 milhão de km2) e abrigam 572 mil pessoas, segundo o Censo de 2010 do IBGE. Comparativamente, cada grande proprietário rural é dono em média de 18,7 km2, enquanto cada indígena é de 1,9 km2.”
Confira algumas notícias que você pode encontrar no *desinformante
Por que a ideia de criar o *desinformante?
A ideia surgiu de uma constatação de que a desinformação é um problema muito grande. Mas que a gente não estava conseguindo olhar para ela no atacado. Em geral a gente está olhando no varejo, no amontoado de fake news. E principalmente que a discussão sobre ‘saídas possíveis’ vinha também um pouco tímida se você considerar o tamanho do problema que está posto. Então, minha sensação é que a gente precisava de um espaço para criar um ambiente comum de debate sobre o diagnóstico e sobre saídas possíveis para conseguir avançar no debate sobre desinformação no Brasil.
E conseguir envolver pessoas que não sejam especialistas. A ideia é envolver pessoas comuns, eu diria, pessoas que se preocupam com o tema. Ou seja, militantes de outros áreas, pessoas com formação universitária ou que tenham algum tipo de preocupação com essa questão da democracia e da desinformação, mas que não sabem… é difícil tatear o problema todo. Elas conseguem olhar a questão partir das fake news isoladas, da necessidade de checar etc.
E, finalmente, da necessidade de envolver grupos afetados pela desinformação, o que é fundamental. A gente não vai sair do lugar nesse debate sobre desinformação sem envolver os grupos que fazem luta por justiça social, seja no campo socioambiental, na luta contra o racismo, direitos humanos. É essa turma que pode dar testemunhos diários do efeito da desinformação nas suas lutas.
Todos sujeitos a fake news
Como levar “informação confiável sobre desinformação” para quem não está interessado em se informar, em se dar ao trabalho de ler textos longos ou complexos, ou não consegue compreender o que lê?
Uma coisa é a dificuldade de receber conteúdo traduzido. Isso para nós vai ser um exercício, a gente não vai acertar de cara. Vamos entender como é a posição das pessoas, o pré-conhecimento das pessoas sobre o tema e o quão simplificado precisa ser o conteúdo. Nós não esperamos atingir as pessoas, eu diria, que não tenham essa preocupação ou não partam de algumas preocupações comuns de defesa da democracia, de perceber que a desinformação é um problema. Não temos essa pretensão. Nossa ideia é atingir a camada que não é nem de especialistas, nem completamente alheia ao assunto.
Afeto e tração
A dificuldade em compreender texto pode estar por trás da facilidade como se espalham as fake news?
Eu acho que precisamos perceber que todos nós estamos sujeitos a espalhar fake news, porque a questão da desinformação tem muito a ver com a mudança na arquitetura do ambiente informacional que a gente tem. Antes, a seleção de notícias era feita pelos jornalistas com um certo viés de algum nível de objetividade. A gente sabe que objetividade, neutralidade, nunca foram uma realidade total, mas isso se buscava como uma referência normativa.
Nesse momento, toda a tração do conteúdo, ou seja, o que faz o conteúdo se mover e chegar mais longe, tem a ver com afetos positivos e negativos das pessoas. Porque se eu dependo de quanto meus amigos curtiram determinado conteúdo para que ele seja visível pra mim, ou do quanto os amigos repassaram isso no WhatsApp para que ele chegue no meu WhatsApp, na prática eu dependo de que as pessoas que estejam naquele limite, entre passar ou não passar aquele conteúdo, decidam passar.
E isso se dá pela maneira como esse conteúdo te toca inconscientemente. A dimensão consciente é relevante, mas a dimensão inconsciente é mais. E aí entram afetos negativos, como rancor, raiva, medo. E entram afetos positivos, como humor, orgulho, empolgação. Eu diria que uma parte grande do debate que não toca as pessoas nem no afeto positivo, nem no negativo, que era boa parte do jornalismo anteriormente, fica sem tração. Sem ter quem empurre e reverbere esse conteúdo. E acho que esse é um dos problemas chave pra gente entender porque todos nós estamos de alguma forma sujeitos a repassar informações e notícias que talvez não sejam as mais relevantes do ponto de vista jornalístico, mas nos tocam no sentido pessoal.
Outra arquitetura
Isso é um fenômeno internacional, certo? Por que diferentes povos, com diferentes formações do ponto de vista educacional, vivem esse mesmo problema?
Acho que exatamente porque todos os povos viveram simultaneamente uma mudança na arquitetura da informação. De 2010 para cá, as redes sociais ganharam muito espaço, reorganizaram o debate público a partir dessa tração de conteúdos por afinidade. E essa questão, que tanto pega os algoritmos quanto algumas redes que não têm algoritmos, como o WhatsApp, a gente tem simplesmente a natureza humana guiando a difusão desses conteúdos. E em todos eles foi-se gerando um incentivo à desinformação.
Na prática, se você privilegia informações mais chamativas, se os conteúdos que mais circulam são aqueles que mexem, que mobilizam afetos das pessoas, é muito provável que a desinformação ganhe espaço. E isso aconteceu no mundo inteiro.
Você acha que essa questão afetiva explica o sucesso do jornalismo sensacionalista em que a notícia não é exatamente relevante, mas chocante?
Acho que nesse ponto tem um desejo de se mover pela emoção mesmo, pelo sensacionalismo. Mas não acho que seja a mesma coisa, não é desinformação. É um problema de outra ordem que existe faz tempo, o jornalismo marrom inglês, isso no mundo inteiro existe. O problema é que o ambiente informacional mudou e aí você tem essa dinâmica de circulação da informação que passou a privilegiar outros valores. Essa dimensão de uma notícia mais popularesca e superficial sempre foi uma questão e vai continuar sendo. Mas isso e desinformação são problemas diferentes, que se sobrepõem – mas são diferentes.
Saídas possíveis
Existe alguma maneira de fazer frente a isso? Como comunicar informação relevante e afetiva? Essa fórmula existe?
Acho que esse modelo de arquitetura das redes sociais, cuja circulação de informações está vinculada à mobilização de afetos, é muito difícil de ser revertida, mantida essa arquitetura. Mas acho que há sim. Não só mexer na arquitetura, pois há outros caminhos que podem mitigar esse problema. A gente lista nove saídas possíveis que passam um pouco por essa avaliação. E não é fórmula. A arquitetura do ambiente informacional define o modus circulandi, vamos dizer assim, da informação. E, no fundo, a arquitetura induz a comportamentos. Isso pra mim tem uma dimensão muito clara. Tem outras visões e a gente não vai cravar uma visão no *desinformante. O que a gente quer discutir é a questão do diagnóstico e das saídas possíveis.
Quantas pessoas fazem parte do *desinformante?
A equipe tem eu na coordenação-geral, e a Nina Santos, da Bahia, pesquisadora da Universidade de Paris, na coordenação acadêmica. Tem três profissionais de comunicação, as jornalistas, Ana d’Angelo, a Liz Nóbrega, do Rio Grande do Norte, e da Espanha o jornalista Mathias Felipe. E tem uma assistente das estratégias de comunicação, a Paula Campos.
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