Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que as forças policiais nunca mataram tanto desde 2013: foram 6.416 vítimas, das quais 79% negras
A letalidade da polícia aumentou em 2020 e o número de mortes bateu recorde, segundo o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, lançado nesta quinta-feira (15). De acordo com o relatório, de autoria do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram registradas 6.416 mortes, o maior número desde 2013, quando os dados passaram a ser coletados. De todas essas mortes causadas pela ação direta de agentes das forças de segurança, 55% estão concentradas em 50 cidades. O número é 1% maior que em 2019.
O dado é relativo a 26 estados e ao Distrito Federal. Por essa razão, difere daquele divulgado em abril pelo Monitor da Violência. Isso porque Goiás não informou os dados para aquele levantamento. E agora aparece com a segunda maior taxa de letalidade do Brasil e com 10% de todas as mortes registradas.
Em comparação com 2013, o aumento no número de mortes chega a 190%. No entanto, segundo o anuário, há que se considerar a melhoria da informação e da transparência a partir da cobrança da sociedade civil. “Ainda assim, não deixa de chamar a atenção o crescimento das mortes por intervenções policiais em um ano marcado pela pandemia, pela reduzida circulação de pessoas, pela redução expressiva de todos os crimes contra o patrimônio e pela queda expressiva nas mortes por intervenções policiais no Rio de Janeiro”, disseram os pesquisadores Samira Bueno, David Marques e Dennis Pacheco ao portal G1.
Intervenção policial
O Rio de Janeiro teve a maior queda no número absoluto de mortes. Passou de 1.814 vítimas, em 2019, para 1.245 no ano passado. A redução é atribuída à determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu operações durante a pandemia da covid-19, em 5 de junho.
Conforme o anuário, as mortes decorrentes de intervenção policial ocorreram, em sua maioria (76% dos casos), durante o horário de serviço e com a participação de policiais militares.
Para os pesquisadores do Fórum, a possibilidade de uso da força, inclusive a letal quando necessário, não pode ser como um cheque em branco aos agentes policiais. “Assim como não é correto afirmar que toda ação policial que resultou em morte é ilegal ou ilegítima, tampouco é prudente afirmar que todas as ações foram legais sem que tenham sido devidamente apuradas.”
O anuário mostra que a proporção de mortes por policiais sobre o total de homicídios – para verificar se há um indicativo de uso desproporcional da força – foi maior no Amapá, Goiás e Rio de Janeiro. Nesses estados, o percentual de óbitos pela polícia é maior que 25% em relação ao total de mortes violentas. Na média do país, esse percentual fica em 12,8%, quando estudos sugerem que tal porcentagem não passe de 10%.
Vítimas da letalidade policial
De acordo com o anuário, as 50 cidades que concentram 55% de todas as mortes estão localizadas no Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe e São Paulo, incluindo suas 16 capitais. O Rioé o principal destaque, com 15 cidades. Bahia e São Paulo têm sete cada e o Pará, cinco.
A maioria das vítimas da letalidade policial é formada por homens, perfil que se repete historicamente. Mas o percentual de mulheres entre as vítimas dobrou, passando de 0,8% (2019) para 1,6% (2020).
Do total, 78,9% são negras, confirmando anos anteriores. “A estabilidade da desigualdade racial inerente à letalidade policial ao longo das últimas décadas retrata de modo bastante expressivo o déficit de direitos fundamentais a que está sujeita a população negra no país”, anotam os autores. A concentração de vítimas negras é muito superior à composição racial da população brasileira, o que demonstra uma sobrerrepresentação de negros entre as vítimas da letalidade policial.
Racismo e violência policial
Com relação à idade, 76% das vítimas têm até 29 anos, com maior prevalência entre os jovens de 18 a 24 anos (44,5%). “O acesso a direitos civis, os mais fundamentais, é tão regulado por marcadores sociais da diferença (raça, classe, gênero, sexualidade, idade, deficiência), que tais representações sociais legitimam mortes, majoritariamente de jovens negros e pobres como se não houvesse direito a não discriminação, à vida e à integridade física no país. Existe reconhecimento formal dos direitos civis, políticos e sociais destes grupos na letra da lei, mas o abismo entre a formalidade legal expressa no papel e a efetivação real de tais direitos permanece imenso”, diz trecho do documento.
Neste ano, o Anuário fez um mapeamento das polícias no Brasil. E aplicou um questionário aos policiais, perguntando, por exemplo, sobre a opinião acerca da posse e do porte de armas (10% são a favor da liberação ampla, 16% defendem a proibição total e 74% pregam o uso civil, mas com diferentes níveis de restrição).
O Brasil tem hoje mais de 406 mil PMs, 55 mil bombeiros e 93 mil policiais civis. São ainda 12 mil peritos técnicos e 96 mil policiais penais. De acordo com os dados, para cada sargento, posto que tem função de supervisão e fiscalização, existem 2,3 cabos e soldados, postos operacionais. Em Tocantins, Acre, Distrito Federal, Rio Grande do Norte e Amazonas, porém, existem mais sargentos do que soldados e cabos; ou seja, mais chefes do que chefiados. Em vários outros estados, essa proporção é de 1.
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