sábado, 5 de agosto de 2023

Mulheres-resistências e corpos-sem-nome no Guarujá Caixa de entrada

Um jornalismo que olha para as histórias
 
Sete dias 
News Letter semanal da Ponte Jornalismo

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Não foi uma semana fácil. Fazer uma cobertura local de onde as mortes cometidas pelo Estado no Guarujá e em Santos, litoral sul de São Paulo, aconteceram, também não foi. Houve pelo menos um dia em que toda a redação ficou mobilizada nesse tema, buscando informação, desfocando fotos pesadas, correndo atrás de fontes. Uma pessoa, entre todas, sentiu mais essa semana.

A repórter Agnes Guimarães tem estado há algumas semanas conosco enquanto a Jennifer Mendonça termina um projeto especial. Calhou de Agnes ser incubida de descer a Serra do Mar para contar as histórias de um território que é quase seu quintal.

“Quando fiquei sabendo da morte [do PM] na semana passada, soube que provavelmente iria acontecer alguma coisa como aconteceu em 2012”, relata por meio de áudio gravado na noite anterior depois do terceiro dia de cobertura in loco. O sentimento foi compartilhado com toda a equipe. Sempre ficamos tensos quando recebemos essa informação. Com o histórico da PM de São Paulo, geralmente, significa que o terror será levado para alguma periferia. “Se você for perguntar para as pessoas aqui da região [do litoral], está todo mundo comparando com 2006”. As duas datas ficaram marcadas na história do Estado de São Paulo como as mais sangrentas, se o leitor quiser saber mais o motivo, sugiro que leia essa reportagem sobre os Crimes de Maio e essa sobre outubro de 2012 na baixada..

Para ela, desta vez, “a polícia está com método sofisticado de sequestrar, matar uma pessoa, e jogar em outro bairro”, o que pode atrapalhar futuras investigações. Tendo percorrido os bairros periféricos de Guarujá e Santos, tendo conversado com as pessoas ao invés de se basear apenas na narrativa oficial, sua reportagem e o relato que me fez captam o clima de medo, desconfiança e desinformação que impera nos morros do litoral. Afinal, o alvo pode ser qualquer um que pareça culpado, independente se a pessoa tem passagem ou não e de não haver pena de morte no Brasil – pelo menos, não oficialmente.

“Estou fazendo a cobertura de histórias que parecem com as de fantasmas, histórias de corpos que o Estado quer que suma, corpos sem nome”. Boletins de ocorrência com corpos sem identificação. Informações desencontradas. Apenas um pedido de imagens das câmeras corporais. Muitas frentes de informação não apenas para Agnes, mas para toda a equipe que, aqui de São Paulo, deu suporte, entrou em contato com fontes, questionou o governo.

O grande desafio era vencer a desconfiança das famílias. “Eu fazia questão de falar que eu sou da Baixada, mesmo sendo algo que pode me expor”. Enquanto Agnes buscava por histórias, outros colegas buscavam por sentenças. “Vi outros veículos que tiveram contato com as mesmas pessoas e tratando as mesmas histórias como histórias de pessoas com passagem de polícia e suspeitas e elas eram mais do que isso. Eram pessoas que tiveram contato com o crime mas estavam recomeçando a vida”.

Os grandes portais, com suas grandes equipes, descartaram aquelas pessoas. Para elas, eram números, meras imagens de cobertura e, provavelmente, acobertavam bandidos. Afinal, diz o pensamento corrente do cidadão médio, se alguém passou pela cadeia, boa coisa não é. E é capaz que sua família também não seja – basta lembrar as técnicas reveladas pelo professor Caveira da Alfacon em aulas para futuros policiais. “Quando entrava chacinando, matava todo mundo: mãe, filho, bebê, foda-se! Eu já elimino o mal na fonte”, declarou.

Um jornalismo que queira assim se chamar deve ter compromisso com os direitos humanos. O direito à informação e à ser ouvido se não é, deveria, ser um deles. Um jornalismo com compromisso é aquele que observa como territórios violentados pelo Estado resistem, com suas mulheres, mães pretas, se movimentando na estrutura, guardando as memórias e defendendo futuros.



Jessica Santos
editora de relacionamento
 
 
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