Política de CT&I
Última sessão da Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação destacou a importância da divulgação científica e discutiu estratégias para combater fake news
Da esquerda para a direita: Fernando Abrucio, Vanessa Oliveira, Sabine Righetti, Herton Escobar e Vanderlan Bolzani (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
Fabrício Marques | Revista Pesquisa FAPESP – A última sessão da Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (CECTI), realizada na sexta-feira (08/03), abordou o tema “Ciência, Tecnologia e Sociedade” e reuniu um conjunto de diagnósticos e recomendações para aperfeiçoar a divulgação científica no país e combater a desinformação. Sabine Righetti, pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor/Unicamp) e criadora da Agência Bori, iniciativa que conecta cientistas e jornalistas, apresentou um roteiro de sugestões para melhorar a qualidade da divulgação científica. A primeira delas é a adoção de métricas e indicadores, por instituições científicas e agências de fomento, que levem em conta e valorizem as atividades de divulgação científica desenvolvidas por docentes e pesquisadores a fim de que isso seja considerado na avaliação do desempenho acadêmico deles. Outra é dar mais peso à divulgação científica dentro das universidades, por meio da oferta de disciplinas, cursos de verão e treinamento, com o objetivo de estimular estudantes e pesquisadores a conversar melhor com a sociedade e a transmitir a ela de modo eficiente o conhecimento que geram.
Uma terceira recomendação é a criação de equipes de comunicação robustas nas universidades para produzir conteúdo de divulgação científica – segundo Righetti, a maioria das instituições públicas dispõe de pouca gente para a atividade e, em algumas, não há ninguém. “Essas equipes precisam ser fortalecidas considerando a complexidade da comunicação social hoje em dia”, afirmou. Por fim, ela mencionou a necessidade de fornecer a projetos de divulgação científica recursos compatíveis com suas necessidades e especificidades – a depender da área do conhecimento ou do tipo de mídia adotada, os projetos podem ser muito diferentes – e propôs que esses projetos sejam avaliados por sua capacidade de alcançar interlocutores de fora da academia e de gerar impacto concreto na sociedade.
Herton Escobar, repórter especial do Jornal da USP, falou sobre o fenômeno da desinformação e mostrou como a comunidade científica pode ajudar a enfrentá-lo. Segundo ele, a ciência tem conseguido ampliar a compreensão sobre o fenômeno e a produzir conhecimento que ajude a identificar fake news e auxilie na tomada de decisão para enfrentá-las, mas ainda há flancos que representam grandes desafios. Um grande problema é quando a desinformação é gerada por indivíduos, pesquisadores ou médicos, por exemplo, vinculados a universidades e instituições científicas. “As instituições de pesquisa e as entidades médicas precisam se debruçar sobre o problema e saber como atuar para coibir a propagação de desinformação por parte de seus filiados e docentes. Não é aceitável que o professor de uma universidade pública se apresente como membro daquela instituição e propague desinformação livremente sem ser repreendido de alguma forma. Na pandemia, isso aconteceu bastante”, afirmou.
Outro desafio, segundo Escobar, é coibir a produção e difusão de ciência de má qualidade, em publicações de baixa reputação como as chamadas revistas predatórias, que aceitam publicar qualquer conteúdo em troca de dinheiro, sem fazer uma avaliação rigorosa. Segundo ele, é preciso despoluir a produção científica, reduzindo a difusão de conteúdo de baixa qualidade, para evitar que a sociedade perca a confiança na ciência. “Em 2021, 7 mil artigos científicos foram publicados, em média, por dia no mundo. São milhares de trabalhos publicados todos os dias. Isso abre brechas gigantescas para a publicação de ciência de má qualidade e de ciência fraudulenta e serve de matéria-prima para a desinformação em temas de ciência. É muito fácil para um pesquisador mal-intencionado publicar um paper fraudulento em uma revista que supostamente faz revisão por pares e apresentar aquilo como um dado científico.”
O cientista político Fernando Abrucio, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EASP-FGV), destacou o papel da ciência para fortalecer a democracia e discutiu as origens do negacionismo científico que permeia diversos setores da sociedade. Ele lembrou que, ao longo do século 20, houve um conjunto de cientistas que demonstrou ao mesmo tempo a importância da ciência para o progresso da humanidade, mas também seus limites, a exemplo de Max Weber (1864-1920), Karl Popper (1902-1994) e Thomas Kuhn (1922-1996). “Eles mostraram como a ciência é incremental, um processo de muitos passos, com algumas certezas, muitas dúvidas. Mas em um segundo momento, por volta da década de 1980, pesquisadores vinculados mais à esquerda, em vez de mostrar a importância e os limites da ciência, começaram a dizer que a ciência não explica boa parte das coisas do mundo e, em um mundo pós-moderno, há vários saberes além do científico que são legítimos”, afirmou Abrucio. “Eu não duvido de que existem vários saberes legítimos e a ciência pode dialogar com eles de forma respeitosa. Mas houve uma perda de caminho desse discurso e aí se chega ao momento atual em que a extrema-direita se apropriou da ideia de que existem vários saberes legítimos para deslegitimar a própria ciência”, completou. Segundo ele, a ciência precisa municiar a formação dos cidadãos para fortalecer a democracia e ter um impacto forte na sociedade e no mundo. “O que está em jogo nesse processo não é se a ciência vai se enfraquecer, mas qual será o nosso futuro. O risco é criarmos uma sociedade tenebrosa, medieval.”
Uma terceira recomendação é a criação de equipes de comunicação robustas nas universidades para produzir conteúdo de divulgação científica – segundo Righetti, a maioria das instituições públicas dispõe de pouca gente para a atividade e, em algumas, não há ninguém. “Essas equipes precisam ser fortalecidas considerando a complexidade da comunicação social hoje em dia”, afirmou. Por fim, ela mencionou a necessidade de fornecer a projetos de divulgação científica recursos compatíveis com suas necessidades e especificidades – a depender da área do conhecimento ou do tipo de mídia adotada, os projetos podem ser muito diferentes – e propôs que esses projetos sejam avaliados por sua capacidade de alcançar interlocutores de fora da academia e de gerar impacto concreto na sociedade.
Herton Escobar, repórter especial do Jornal da USP, falou sobre o fenômeno da desinformação e mostrou como a comunidade científica pode ajudar a enfrentá-lo. Segundo ele, a ciência tem conseguido ampliar a compreensão sobre o fenômeno e a produzir conhecimento que ajude a identificar fake news e auxilie na tomada de decisão para enfrentá-las, mas ainda há flancos que representam grandes desafios. Um grande problema é quando a desinformação é gerada por indivíduos, pesquisadores ou médicos, por exemplo, vinculados a universidades e instituições científicas. “As instituições de pesquisa e as entidades médicas precisam se debruçar sobre o problema e saber como atuar para coibir a propagação de desinformação por parte de seus filiados e docentes. Não é aceitável que o professor de uma universidade pública se apresente como membro daquela instituição e propague desinformação livremente sem ser repreendido de alguma forma. Na pandemia, isso aconteceu bastante”, afirmou.
Outro desafio, segundo Escobar, é coibir a produção e difusão de ciência de má qualidade, em publicações de baixa reputação como as chamadas revistas predatórias, que aceitam publicar qualquer conteúdo em troca de dinheiro, sem fazer uma avaliação rigorosa. Segundo ele, é preciso despoluir a produção científica, reduzindo a difusão de conteúdo de baixa qualidade, para evitar que a sociedade perca a confiança na ciência. “Em 2021, 7 mil artigos científicos foram publicados, em média, por dia no mundo. São milhares de trabalhos publicados todos os dias. Isso abre brechas gigantescas para a publicação de ciência de má qualidade e de ciência fraudulenta e serve de matéria-prima para a desinformação em temas de ciência. É muito fácil para um pesquisador mal-intencionado publicar um paper fraudulento em uma revista que supostamente faz revisão por pares e apresentar aquilo como um dado científico.”
O cientista político Fernando Abrucio, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EASP-FGV), destacou o papel da ciência para fortalecer a democracia e discutiu as origens do negacionismo científico que permeia diversos setores da sociedade. Ele lembrou que, ao longo do século 20, houve um conjunto de cientistas que demonstrou ao mesmo tempo a importância da ciência para o progresso da humanidade, mas também seus limites, a exemplo de Max Weber (1864-1920), Karl Popper (1902-1994) e Thomas Kuhn (1922-1996). “Eles mostraram como a ciência é incremental, um processo de muitos passos, com algumas certezas, muitas dúvidas. Mas em um segundo momento, por volta da década de 1980, pesquisadores vinculados mais à esquerda, em vez de mostrar a importância e os limites da ciência, começaram a dizer que a ciência não explica boa parte das coisas do mundo e, em um mundo pós-moderno, há vários saberes além do científico que são legítimos”, afirmou Abrucio. “Eu não duvido de que existem vários saberes legítimos e a ciência pode dialogar com eles de forma respeitosa. Mas houve uma perda de caminho desse discurso e aí se chega ao momento atual em que a extrema-direita se apropriou da ideia de que existem vários saberes legítimos para deslegitimar a própria ciência”, completou. Segundo ele, a ciência precisa municiar a formação dos cidadãos para fortalecer a democracia e ter um impacto forte na sociedade e no mundo. “O que está em jogo nesse processo não é se a ciência vai se enfraquecer, mas qual será o nosso futuro. O risco é criarmos uma sociedade tenebrosa, medieval.”
Fernando Abrucio, da FGV (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
Políticas públicas
A cientista política Vanessa Oliveira, pesquisadora da Universidade Federal do ABC (UFABC) que integra a coordenação do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da FAPESP, abordou o papel da ciência e da inovação em políticas públicas. Ela enfatizou o papel do Estado no investimento em inovação para aprimorar serviços públicos e mostrou como funciona o programa da Fundação, criado em 1996 e reformulado em 2023. “Os projetos do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da FAPESP devem ser orientados pelos problemas da gestão pública. Não é o pesquisador que define o problema no qual deve trabalhar, é a gestão pública que deve dizer qual o problema a ser enfrentado por pesquisas científicas”, explicou. “O cientista e o gestor público atuam juntos na elaboração da proposta e no desenvolvimento da pesquisa. Os projetos podem ter organizações da sociedade civil como parceiras e devem prever a aplicação de seus resultados na gestão pública. Também é essencial que gerem conhecimento científico novo.” Em 2023 foram submetidos ao programa 124 projetos e 70 foram aprovados.
Vanderlan Bolzani, pesquisadora do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), falou sobre os desafios das mulheres na carreira científica. Ela enumerou exemplos de mulheres, no Brasil e no mundo, que se distinguiram no mundo da ciência e apresentou dados sobre a evolução da participação feminina em instituições como a Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) ou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Apesar dos avanços em direção ao equilíbrio de gênero, disse Bolzani, mulheres ainda estão em poucas posições de liderança, como no comando dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), iniciativa do CNPq em parceria com as fundações estaduais de amparo à pesquisa. “Homens e mulheres precisam trabalhar de mãos dadas para mudarmos essa cultura”, afirmou.
A cientista política Vanessa Oliveira, pesquisadora da Universidade Federal do ABC (UFABC) que integra a coordenação do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da FAPESP, abordou o papel da ciência e da inovação em políticas públicas. Ela enfatizou o papel do Estado no investimento em inovação para aprimorar serviços públicos e mostrou como funciona o programa da Fundação, criado em 1996 e reformulado em 2023. “Os projetos do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da FAPESP devem ser orientados pelos problemas da gestão pública. Não é o pesquisador que define o problema no qual deve trabalhar, é a gestão pública que deve dizer qual o problema a ser enfrentado por pesquisas científicas”, explicou. “O cientista e o gestor público atuam juntos na elaboração da proposta e no desenvolvimento da pesquisa. Os projetos podem ter organizações da sociedade civil como parceiras e devem prever a aplicação de seus resultados na gestão pública. Também é essencial que gerem conhecimento científico novo.” Em 2023 foram submetidos ao programa 124 projetos e 70 foram aprovados.
Vanderlan Bolzani, pesquisadora do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), falou sobre os desafios das mulheres na carreira científica. Ela enumerou exemplos de mulheres, no Brasil e no mundo, que se distinguiram no mundo da ciência e apresentou dados sobre a evolução da participação feminina em instituições como a Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) ou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Apesar dos avanços em direção ao equilíbrio de gênero, disse Bolzani, mulheres ainda estão em poucas posições de liderança, como no comando dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), iniciativa do CNPq em parceria com as fundações estaduais de amparo à pesquisa. “Homens e mulheres precisam trabalhar de mãos dadas para mudarmos essa cultura”, afirmou.
Vanderlan Bolzani, pesquisadora do Instituto de Química de Araraquara da Unesp (foto: Daniel Antônio/Agência FAPESP)
Em uma mensagem gravada apresentada no encerramento da conferência, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, destacou a importância da contribuição do Estado de São Paulo, que dispõe de algumas das maiores instituições de ensino superior e pesquisa do país, para as discussões da conferência nacional que vai acontecer em junho. “A conferência nacional tem um papel estratégico como espaço de participação social, de contribuição para as políticas de ciência e tecnologia e para a consolidação da democracia nas organizações do nosso setor.”
O diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, Carlos Américo Pacheco, fez um balanço positivo dos dois dias de conferência. “Fizemos bem o papel que era esperado para a conferência de São Paulo e vamos ter um conjunto de propostas concretas para levar para a conferência nacional. Conseguimos juntar ideias interessantes que podem contribuir para melhorar a política de ciência, tecnologia e inovação [CT&I] do país”, afirmou. “As conferências nacionais de ciência e tecnologia são instrumentos de mobilização, um exercício de construção e de consultas.”
Para o secretário da Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, Vahan Agopyan, os resultados da conferência poderão ajudar o sistema de CT&I paulista a funcionar de forma mais articulada. “Medidas estruturantes são essenciais para que possamos tornar mais robusto o nosso sistema de CT&I. Temos universidades e instituições de pesquisa que são referências mundiais, mas a estrutura do nosso sistema precisa ser cada vez mais robusta para as instituições progredirem.”
O diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, Carlos Américo Pacheco, fez um balanço positivo dos dois dias de conferência. “Fizemos bem o papel que era esperado para a conferência de São Paulo e vamos ter um conjunto de propostas concretas para levar para a conferência nacional. Conseguimos juntar ideias interessantes que podem contribuir para melhorar a política de ciência, tecnologia e inovação [CT&I] do país”, afirmou. “As conferências nacionais de ciência e tecnologia são instrumentos de mobilização, um exercício de construção e de consultas.”
Para o secretário da Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, Vahan Agopyan, os resultados da conferência poderão ajudar o sistema de CT&I paulista a funcionar de forma mais articulada. “Medidas estruturantes são essenciais para que possamos tornar mais robusto o nosso sistema de CT&I. Temos universidades e instituições de pesquisa que são referências mundiais, mas a estrutura do nosso sistema precisa ser cada vez mais robusta para as instituições progredirem.”
Mais informações sobre a CECTI estão disponíveis em: fapesp.br/cecti. O vídeo com as duas últimas sessões de sexta-feira (08/03) pode ser visto a seguir:
https://agencia.fapesp.br/o-papel-da-ciencia-para-enfrentar-a-desinformacao-e-o-negacionismo/51087
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