sexta-feira, 2 de junho de 2023

Querem arrancar nosso coração


Pariwat, o nome que nós, Munduruku, usamos para chamar o homem branco, também significa inimigo.

Por Alessandra Korap e Juarez Saw Munduruku/ Uma gota no Oceano | 02/06/2023 | Revista Xapuri | Meio Ambiente | Sagrada Indigina

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Não queríamos que fosse assim. Os livros de História registram que o primeiro contato entre nós aconteceu em 1742. O encontro não foi amistoso e, desde então, lutamos para nos defender. Agora, corremos o risco de ser atropelados pela EF-170, a Ferrogrão.

O Pariwat também se sentia nosso dono. Isso só começou a mudar a partir de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição. Nela, garantimos nossos direitos territoriais e o de praticarmos nossos costumes e tradições. Porém, a Sawre Ba’pim, que seria diretamente impactada pela ferrovia, só foi reconhecida em fevereiro deste ano, pela primeira indígena presidente da Funai, Joênia Wapichana.

A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nos assegura o direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado em caso de obras em nossas terras. Apesar disso, no ano seguinte inauguraram o Complexo Hidrelétrico de Teles Pires, num importante afluente do Tapajós, contra a nossa vontade.

As barragens do monstrengo fizeram submergir a corredeira das Sete Quedas, um lugar sagrado para nós. Já imaginaram se transformassem a Basílica de Nossa Senhora Aparecida num shopping center? Os pajés falam com nossos ancestrais, mas quem consulta as árvores e os bichos? *Nós, indígenas, fazemos parte da floresta, do seu corpo, e ela faz parte de nós*. É o nosso coração.

A Ferrogrão ligaria a cidade de Sinop, em Mato Grosso, ao porto de Miritituba, no Pará. Para a construção da ferrovia, seria preciso alterar os limites do Parque Nacional Jamanxim, que é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral. Calcula-se que 2 mil km² de mata seriam destruídos de início. O desmatamento impediria o Brasil de cumprir seus compromissos ambientais internacionais. E isso seria só o começo.

A estrada de ferro pode ser o fim da linha para a Amazônia. Seus 993 km de trilhos abririam caminho para toda sorte de invasor, como grileiros, traficantes, garimpeiros e madeireiros, que levariam mais insegurança e violência aos que vivem na floresta. E a Lei 13.452 pode servir de precedente para outros empreendimentos. A desculpa perfeita para tirar do papel a Hidrelétrica de São Luiz, no Tapajós, o último afluente da margem direita do Amazonas sem barragens.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes acolheu a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6553 em março de 2021 e suspendeu os efeitos da Lei 13.452. Desde então, o caso aguarda julgamento. A presidente Rosa Weber agendou a votação em plenário para 31 de maio. Falar da importância da floresta – e dos povos que vivem nela – para o planeta é chover no molhado. Este reconhecimento é internacional: fomos em abril aos EUA buscar o Prêmio Goldman de Meio Ambiente 2023, o mais importante do mundo. Não deixem o Pariwat arrancar o coração Munduruku. Sejam nossos Okipit: irmãos.

Alessandra Korap é ativista do povo Munduruku e, em 2023, ganhou o Prêmio Goldman de Meio Ambiente;

Juarez Saw Munduruku é cacique da aldeia Sawre Muybu, no Pará

Fonte: Uma gota no oceano Capa: Reprodução/Uma gota no oceano


https://xapuri.info/querem-arrancar-nosso-coracao/


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