sábado, 21 de agosto de 2021

Munduruku e Yanomami travam lutas contra a mineração e garimpo

 

Amazônia em conflito

 por Elvis Marques e fotos de Andressa Zumpano/19 de agosto de 2021 

A luta histórica dos povos indígenas contra a mineração em suas terras ganha mais um capítulo com o apoio de Jair Bolsonaro à exploração. Leia o primeiro artigo da série Amazônia em conflito.

Por inúmeras vezes, nos pouco mais de 900 dias de presidência da República sob a gestão de Bolsonaro, ouviu-se a defesa enfática do garimpo e da mineração em Terras Indígenas (TIs). “Em Roraima, tem trilhões de reais embaixo da terra […] Não querem deixar que eles evoluam, não querem deixar que eles plantem nas suas terras, que explorem, que garimpem, que construam pequenas centrais hidrelétricas, que recebam internet. Querem que continuem como?”. Manifestações semelhantes a essa têm sido recorrentes no governo.

O artigo 231 da Constituição Federal reconhece os direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e que compete à União a demarcação e proteção desses territórios. Adiante, no parágrafo 3º, afirma-se que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

O coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Eloy Terena, afirma que a maioria dos indígenas é contrária à mineração, com exceção de “alguns poucos indígenas, às vezes visando interesses particulares”, e continua: “o que o Bolsonaro está dizendo é que ‘os índios querem mineração’. Os índios não querem mineração. A nossa relação com a terra é totalmente diferente, é de preservação da terra e dos recursos naturais”. Em análise para a publicação Conflitos no Campo Brasil 2020, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o jurista afirma que a “política genocida adotada pelo presidente Jair Bolsonaro coloca em risco a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, especialmente aqueles que vivem de forma isolada e os de recente contato”.

Outro fator apontado por Eloy que teve impacto na política indigenista foi a eleição, em fevereiro deste ano, dos novos presidentes da Câmara e do Senado, ambos alinhados com o governo federal, que apresentaram um pacote de pautas prioritárias. “Dentre elas, inclui-se o Projeto de Lei n. 191/20, que regulamenta o § 1º do artigo 176 e o § 3º do artigo 231 da Constituição Federal para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas. Trata-se de abrir as terras indígenas para exploração minerária”, destaca o advogado.

Munduruku

No último ano, a CPT registrou 37 conflitos por terra envolvendo 15.691 famílias indígenas da etnia Munduruku, no sudoeste do Pará. Em meio a esses conflitos pode-se destacar pessoas ameaçadas de morte, como Maria Leuza Cosme Kaba Munduruku, Anderson Painhum Alves e a líder Alessandra Korap Munduruku, agraciada em 2020 com um dos mais importantes prêmios para defensores dos direitos humanos em todo mundo, o “Robert F. Kennedy”.

Alessandra Korap Munduruku – ao centro – durante mobilização no acampamento Levante 
Pela Terra (Foto: Andressa Zumpano)

Korap, assim como vários outros indígenas de seu povo, tem ganhado notoriedade por denunciar o desmatamento e o garimpo, ambos ilegais, na TI: “A Terra Indígena Munduruku e a Sai Cinza, que era serem respeitadas, como está na Constituição, estão cheias de invasores. Eu queria que a Polícia Federal com o senhor [presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier, também delegado da PF] fossem lá e dissessem: ‘eu vou ajudar esse povo’”, manifestou Alessandra durante a mobilização Levante pela Terra, em Brasília, no dia 18 de junho de 2021.

Organizações, movimentos e juristas que acompanham há anos a luta dos Munduruku afirmam que o território sofre ataques de inúmeros lados e por diferentes atores, mas que é importante apontar o descaso do Estado em não acatar decisões judiciais ou seguir recomendações do Ministério Público Federal (MPF). Um dos desses questionamentos está presente em uma Carta em Apoio ao Povo Munduruku: o ministro Luís Roberto Barroso determinou, no dia 24 de maio, que fossem tomadas medidas urgentes de proteção aos Munduruku e Yanomami. Essa decisão, no entanto, não foi plenamente cumprida: embora tenha sido deflagrada a “Operação Mundurukânia”, no dia 26, as forças federais se retiraram de Jacareacanga (PA), menos de 48h depois.

Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), disse estar preocupado com a possibilidade de liberação de garimpo em terras indígenas. “A exploração dos territórios indígenas por garimpeiros, madeireiros e de qualquer outra forma é proibida pela Constituição Federal. Portanto, é ilegal. E quando o governo federal incentiva esse tipo de exploração, ele está cometendo uma ilegalidade, uma arbitrariedade, e isso é extremamente grave, porque ele não observa as leis, a Constituição Federal, e não respeita os direitos dos povos indígenas, inclusive a nível internacional, como a Convenção 169”.

Yanomami

No estado vizinho, em Roraima, a realidade de violência e violação de direitos contra os indígenas Yanomami não é muito diferente. Neste último ano, também de acordo com registros da Comissão Pastoral da Terra, no dia 12 de junho, dois jovens, Original Yanomami, 24, e Marcos Arokona Yanomami, 20, foram assassinados a tiros por garimpeiros dentro da TI. O crime aconteceu em uma área de mata fechada, na comunidade maloca do Macuxi, no município de Alto Alegre. Esses conflitos vêm de bem longe: documentos históricos da CPT mostram que os Yanomami lutam contra invasões em seu território por garimpeiros e criadores de gado, entre outros, desde 1700. Esses mesmos registros mostram que de 1987 a 2013 ocorreram quatro massacres contra os indígenas Yanomami, o que resultou em 30 vítimas. Gilmara Fernandes, da Pastoral Indigenista de Roraima, elenca vários impactos sobre os indígenas e o meio ambiente: a atividade minerária impacta o meio ambiente, contamina solo e águas com mercúrio e pelos diversos tipos de combustíveis utilizados pelos garimpeiros; causa a degradação dos leitos dos rios; e a destruição dos barrancos às margens dos rios. Isso porque, segundo Fernandes, os garimpeiros estão concentrados no alto do rio Mucajaí e Uraricoera, justamente porque a localização facilita o deslocamento pela água.

Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, em entrevista à Agência Pública, explica que o atual presidente da República legitima, em seus discursos, a permanência dos garimpeiros nos territórios indígenas. “Quando eles demarcaram a terra Yanomami em 1992, o governo federal tirou todos os garimpeiros da nossa terra. Agora a gente tem que ter uma ação pesada para retirar os garimpeiros imediatamente. Mas como o governo Bolsonaro é a favor [da exploração] isso dificulta muito. E só o governo que pode fazer essa desintrusão”. Cerqueira, do Cimi, acrescenta: “hoje esse intento dos madeireiros e do agronegócio se tornou uma possibilidade real porque o governo já disse que ia aproveitar a pandemia para poder ‘passar a boiada’”.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Povos indígenas se reuniram em Brasília para protestar contra o Marco 
Temporal (Foto: Andressa Zumpano)

Marco Temporal

Reunidos em Brasília no mês de junho, durante o Levante Pela Terra, diversos povos indígenas se mobilizaram na expectativa de votação do Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365, que tramita no Supremo Tribunal Federal.

Conhecido como marco temporal, o recurso busca restringir direitos dos povos indígenas. É um subterfúgio defendido por ruralistas, bem como por setores interessados na exploração de territórios indígenas, que sugere que apenas teriam direito à demarcação de terras, áreas que estivessem sob posse dos povos tradicionais anteriormente ao dia 5 de outubro de 1988 (ou que estivessem sob disputa comprovada até a data). Contudo, a votação foi adiada e deve ocorrer no dia 25 de agosto. Mais uma vez, os povos indígenas vão se reunir na capital federal para lutar contra o marco temporal.

Mobilização em Brasília contesta o Marco Temporal e alerta para pautas como a  
mineração em terras indígenas (Foto: Andressa Zumpano) 

 

Elvis Marques é jornalista

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