Ramos, sobre eventual tentativa de golpe de Bolsonaro: "Se tentar, vai fracassar. E os militares sabem disso. E sabem que se embarcarem numa tentativa fracassada, a pena para isso é clara: é cadeia. Foto" Tiago Rodrigues |
Atrás da mesa do primeiro vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), estão dois retratos em preto e branco. À esquerda, está o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela. Um homem de esquerda, que passou boa parte da sua vida preso na luta contra o racismo, mas que, depois que se tornou presidente, procurou se reconciliar mesmo com seus algozes na reconstrução de seu país. À direita, está o ex-primeiro-ministro da Grã-Bretanha Winston Churchill, um homem conservador, mas que, em uma defesa intransigente da democracia, foi um dos maiores responsáveis pelo processo que evitou que o mundo mergulhasse no autoritarismo representante pelo nazismo de Adolf Hitler.
Os exemplos representados pelos dois retratos norteiam o pensamento e as atitudes de Marcelo Ramos: para ele, o Brasil hoje precisa tanto do espírito conciliador de Mandela quanto da defesa intransigente da democracia de Churchill.
Veja trecho da entrevista com Marcelo Ramos:
É baseado nessa certeza que o primeiro vice-presidente da Câmara afirma, nesta entrevista ao Congresso em Foco, que está cada vez mais firme a sua convicção de que, de fato, o presidente Jair Bolsonaro comete crime de responsabilidade quando lança suspeitas sem comprovação contra o sistema de votação brasileiro e coloca sob ameaça a possibilidade de eleição e a posse do próximo presidente eleito caso não haja as mudanças no sistema que ele defende. Para quem joga fora das quatro linhas da Constituição, como declarou Bolsonaro, há um remédio constitucional previsto: o impeachment.
Marcelo Ramos disse que está se cercando de aconselhamento de juristas e políticos quanto à possibilidade de eventualmente vir a acolher um dos mais de cem processos que hoje dormem nas gavetas da Câmara caso venha a assumir a presidência em exercício em algum momento, se o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), viajar ao exterior ou assumir a Presidência da República numa ausência de Bolsonaro e de seu vice, Hamilton Mourão.
Isso não significa, porém, que Marcelo Ramos já formou convicção nesse sentido. Ele afirma que um processo de impeachment é a soma de questões jurídicas e políticas. Hoje, na sua avaliação, não haveria ainda o clima político para o processo. Mas a temperatura das ruas está esquentando. E ela em algum momento afeta a temperatura do Congresso. Segundo Ramos, a famosa frase do ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro quando recebeu o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor sempre estará valendo: “O que o povo quer, esta Casa acaba querendo”.
Leia o que pensa Marcelo Ramos sobre este e outros temas na entrevista abaixo:
Nas últimas semanas, verificou-se uma intensificação de uma
postura sua de maior oposição ao presidente Jair Bolsonaro. O que o
levou a intensificar essa posição?
Desde o início do exercício do meu mandato, eu sempre fui um
deputado de certa forma alinhado com as pautas econômicas do governo.
Fui o presidente da única reforma estruturante que este governo fez
desde o início. Fui importante na aprovação da PEC Emergencial. Mas
sempre demarquei campo no que diz respeito à defesa da democracia e das
instituições. O presidente jamais contará comigo quando tentar marchar
contra a democracia e contra as instituições. E se ele acirra essa
marcha, eu acirro a minha resistência. O outro motivo foi a deslealdade
cometida pelo presidente comigo, acompanhada de uma avalanche dessas
milícias digitais que ele controla no Brasil, por conta da votação do
fundo eleitoral. Que foi uma articulação da base do governo, orientada
em plenário pelo líder do governo no Congresso e que quando a pressão
pesou sobre o colo dele ele tentou terceirizar a responsabilidade por
aquilo para mim. Aquilo foi uma atitude de deslealdade absurda, e eu não
posso servir a um presidente que tem uma atitude naquele nível de
deslealdade comigo.
Esse é um ponto de não retorno?
Para mim, é um ponto de não retorno. Agora, eu não sou um
radical. Eu não sou um intransigente. Eu não vou colocar o meu incômodo
com a postura do presidente acima dos interesses do Brasil. Você nunca
vai me ver votar contra uma matéria pelo simples fato de ela ser uma
matéria do governo. Se eu achar que ela é importante para o país, se eu
achar que ela é coerente com as minhas convicções, terá o meu voto.
O senhor chegou a pedir na Presidência da Câmara os pedidos
de impeachment para analisar. Uma crítica que parte da oposição fez ao
presidente da Câmara, o atual e o Rodrigo Maia, é que eles deveriam
analisar, seja para rejeitar ou dar andamento. O senhor concorda? O
presidente da Câmara tem que dar uma decisão, seja a favor ou contra?
Eu acho que esse é um tema que nós deveríamos enfrentar do
ponto de vista legislativo. A Lei do Impeachment precisa ser atualizada.
Ela é uma lei da década de 1950. E uma dessas atualizações é
estabelecer um prazo para que o presidente da Câmara se manifeste sobre o
pedido de impeachment. Acatando ou negando. Se houver os indícios de
crime de responsabilidade, acata. Se não, arquiva. Isso é algo que temos
de resolver na legislação.
Mas, independentemente da legislação, seria assim que o presidente da Câmara deveria agir?
Eu sempre sou muito cauteloso no julgamento da conduta e das
decisões que devem ser tomadas pelo presidente da Casa porque ele tem um
nível de responsabilidade que eu não tenho. Eu não sou o presidente da
Casa. O nível de responsabilidade dele é maior do que o meu. Ele
representa os deputados de oposição, de situação, os deputados
bolsonaristas, representa todos. Tem um acúmulo de informações com
relação às tensões institucionais, entre poderes, com as Forças Armadas,
que eu não tenho. Então, não critico, porque entendo que o nível de
responsabilidade dele, o nível de prudência dele deve ser maior do que o
meu ou de um outro deputado que não exerce a Presidência.
Mas quando o senhor pediu para analisar esses processos,
surgiu um temor de que em uma eventual substituição que o senhor fizesse
do presidente da Câmara o senhor pudesse colocar algum desses processos
em andamento. Esse risco existe?
Acho que há duas situações diferentes. Uma coisa é quando eu
assumo a presidência da sessão. Eu nem cogito na assunção da presidência
da sessão pedir um processo de impeachment e ler. Isso não cabe para
quem senta provisoriamente na cadeira de presidente da Câmara. Se o
presidente Arthur Lira viajar para o exterior ou assumir a Presidência
da República, aí eu sou presidente da Câmara em exercício. E vou ser
provocado a me manifestar sobre esse tema. Então, eu pedi os processos
de impeachment para formar duas convicções. A primeira, a convicção do
deputado Marcelo Ramos que pode em algum momento ser forçado a votar
essa matéria. Existe crime de responsabilidade ou não existe? Eu vou
criando convicção de que as palavras do presidente ameaçando a não
realização de eleição e ameaçando não dar posse ao presidente eleito
configuram crime de responsabilidade na medida em que o tipo penal da
Lei do Impeachment é ameaçar a ordem democrática. A simples ameaça já é
crime de responsabilidade. E dizer que não vai ter eleição, ameaçar não
permitir a realização da eleição, significa ameaçar fechar o Congresso
Nacional no dia 31 de janeiro de 2023, quando acabam os nossos mandatos.
Porque se não tiver eleição, não tem o próximo Congresso Nacional. E,
segundo, dizer que não vai dar posse ao presidente da República eleito
se não for ele mesmo, é algo que contraria a ordem democrática na medida
em que confronto o desejo da maioria do povo brasileiro, que pode não
ser pela manutenção do mandato dele. A outra é: no exercício provisório
da presidência, cabe jurídica e politicamente a leitura de um
impeachment? Eu estou ouvindo juristas, ouvindo políticos, para tomar
uma decisão, se essa situação acontecer, de uma forma responsável para o
país. Eu posso ter dado uma guinada para uma atitude mais de confronto
com o governo, mas eu sou um deputado moderado, responsável com as
instituições, responsável com o país. A minha antipatia ou a minha
simpatia por esse ou aquele presidente não contamina a minha
responsabilidade com o nosso país.
Se fosse colocado em votação, como deputado o senhor votaria pelo impeachment do presidente Bolsonaro?
Eu estou formando convicção sobre isso. Eu acho que impeachment
tem natureza jurídica e política. Eu tive o azar de estar no magistério
da cadeira de Organização do Estado no período da votação do
impeachment da presidente Dilma. Como as pessoas me enxergam muito mais
como político do que como professor, eu dava aula e os alunos filmando
para depois usar: “É contra o impeachment, é a favor”. Mas eu sempre
disse o seguinte: impeachment é processo de natureza jurídica e
política. Tanto que é o único crime no nosso ordenamento legal que não é
julgado pelo Judiciário, mas pelo Legislativo. Se fosse só jurídico,
estava no Judiciário. Quando o constituinte originário deu competência
para o Legislativo julgar, ele deu um conteúdo político ao julgamento.
Portanto, ainda que eu vá formando a convicção – e eu estou formando
essa convicção – de que o presidente comete crime de responsabilidade ao
ameaçar a ordem democrática, existem componentes políticos. Nível de
mobilização da sociedade. Nível de apoio dentro da Casa. Nível de apoio
nos setores produtivos nacionais. Então, esse é um elemento que é
cultural. Eu diria que a água ainda não está fervendo. Mas a temperatura
está esquentando do lado de fora, nas ruas. E sempre há um delay da
temperatura da rua para a temperatura do Parlamento. Quando a rua está
morna, o Parlamento está frio. Quando a rua esquenta, o Parlamento fica
morno. Quando a rua ferve, o Parlamento esquenta e demora um tempo para
ferver também. Então, eu acho que é recente o movimento de insatisfação
nas ruas contra o presidente, mas ainda não há esse clima dentro da
Câmara dos Deputados.
Mas, em última instância, o senhor acha que aquela frase do
ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro quando recebeu o processo de
impeachment do ex-presidente Fernando Collor continua valendo: “O que o
povo quer esta Casa acaba querendo”?
Eu acho. E talvez até por isso você não tenha ainda a segurança
de um processo de impeachment. Porque você não pode ignorar a força de
um presidente que com 555 mil mortos na pandemia, parte dessas mortes
por conta do negacionismo dele, quase 15 milhões de desempregados, 19
milhões de brasileiras e brasileiros com fome, 800 mil empresas fechadas
por conta da pandemia, esse cara ainda tem 20% de bom e ótimo. Não dá
para ignorar isso. Não dá para ignorar essa parcela da sociedade. Eu
respeito a opinião até de quem pensa diferente de mim. E, por isso, eu
sou intransigente com a democracia. Com a democracia, nós temos tudo.
Sem a democracia, nós não temos nada. É a democracia que nos dá o
direito de disputar a opinião na economia, de disputar a opinião nos
costumes, na questão ambiental, etc. Sem a democracia, nós perdemos o
direito de disputar a opinião. Por isso, essa não é uma questão de
direita ou de esquerda. (Apontando para os quadros atrás dele de Nelson
Mandela e Winston Churchill) Aqui tem um conservador e um progressista.
Mas são dois homens que não negligenciaram com a democracia.
E eles seriam os ícones que o senhor segue?
Eles são minhas inspirações. Expressam muito do que eu penso.
Curchill foi um conservador. E no Brasil se criou uma confusão danada.
Se mistura conservador com autoritário. Liberal com preconceituoso. Uma
trapalhada ideológica que contamina a visão das pessoas. Churchill foi
um conservador que resistiu contra o nazismo e talvez seja o maior
responsável pela sobrevivência da democracia moderna. O Mandela foi um
progressista que ganhou a eleição e teve capacidade de se reconciliar
com seus maiores algozes, demonstrando que ódio não se combate com ódio.
Ódio se combate com reconciliação, e eu acho que o Brasil precisa muito
disso. O Brasil precisa de todos em defesa da democracia e contra o
autoritarismo como Churchill e o Brasil precisa mandar uma mensagem de
reconciliação após a próxima eleição, como Mandela. Quem quer que seja o
presidente terá como principal missão reconciliar o país para que
superemos esse período de pandemia, de tragédia humanitária, de famílias
enlutadas e retome um caminho de prosperidade. Eu acredito muito nisso.
Eu sou acima de tudo um otimista.
O presidente Bolsonaro esta semana deu posse ao senador Ciro
Nogueira na Casa Civil da Presidência. Tem um outro aliado importante
aqui que é o presidente da Câmara, Arthur Lira. Ambos principais
lideranças do Centrão. O senhor acha que o Centrão segura o presidente
Bolsonaro mesmo se houver esse apoio das ruas ao impeachment?
Esse segmento político estava no governo Dilma na véspera do
impeachment e no governo Temer um dia depois. Então, eles estarão com
Bolsonaro enquanto Bolsonaro for um instrumento de fortalecimento dos
seus interesses políticos. Sempre foi assim e vai continuar sendo assim.
Dá para dizer que não muda a relação do Congresso com o Executivo com a
presença de Ciro Nogueira na Casa Civil? Não dá. Ciro Nogueira é um
craque da política. Tem boa relação, transita bem tanto no Senado como
na Câmara. Agora, eu faço um paralelo com o futebol. Quando você coloca
um craque num time ruim com um técnico péssimo, geralmente ele estraga a
carreira e o técnico cai. Ou ele trabalha para derrubar o técnico. Como
fez o Temer naquela última tentativa da Dilma de colocá-lo na
articulação política. Então, vamos esperar um pouco para ver qual dessas
duas consequências terá essa nomeação.
O senhor está formando sua convicção sobre o impeachment.
Mas, independentemente dessa convicção, como o senhor avalia essa
escalada da tensão entre o presidente Bolsonaro e o Judiciário,
especialmente o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto
Barroso, com abertura de inquéritos, entre outras consequências? Isso
preocupa o senhor?
Isso preocupa a mim e acho que preocupa a todos. Não somente
pelos efeitos políticos, mas econômicos. É uma crise que gera uma
instabilidade danada para qualquer investidor, interno ou externo.
Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã no Brasil. E ninguém investe em
um país em que você não sabe o que vai acontecer amanhã. Agora, eu acho
que é importante separar as condutas. O presidente Bolsonaro age
completamente fora da institucionalidade da Constituição nos ataques faz
ao STF ou contra o Parlamento. E a reação do TSE ou do STF, a despeito
de dura, ela se dá nos estritos limites da institucionalidade. E isso é
muito significativo, porque os outros poderes não podem cair na cilada
de sair da institucionalidade para reagir às agressões fora dela. O STF
tem demarcado um campo importante em defesa da democracia e das
instituições. O presidente Rodrigo Pacheco fez uma fala ontem que
sinaliza uma saída da zona de conforto para reafirmar as suas
convicções. E eu acho que chegou a hora de o Parlamento brasileiro dizer
ao povo brasileiro o que eu disse ontem quando sentei na cadeira de
presidente: vai ter eleição e ela acontecerá pelas regras definidas por
este Parlamento, porque quem decide regra de eleição não é nem as Forças
Armadas nem o presidente da República. E quem quer que seja o
presidente eleito pela maioria da vontade do povo brasileiro vai ser
empossado. Nós temos que tranquilizar o povo brasileiro com relação a
isso. E onde eu andar, todos os passos que eu andar, eu vou deixar essa
mensagem. Eu acho que chegou a hora de união dos democratas, de
manifestações a favor da democracia. Eu tenho feito apelos nas minhas
entrevistas para que as pessoas vão às redes sociais, mandem mensagens
em seus grupos da família dizendo que sem democracia nós não temos nada,
porque sem ela nós perdemos o direito de disputar opinião no que nós
divergimos.
O presidente chegou a dizer em entrevista que pode jogar
fora das quatro linhas da Constituição. O senhor acredita que ele tem
apoio para isso nas Forças Armadas?
Se ele jogar fora das quatro linhas da Constituição, ele tem
que ser enquadrado nas quatro linhas da Constituição. E as quatro linhas
da Constituição enquadram um presidente que joga fora delas com o
impeachment. Eu acho que as Forças Armadas, a despeito de um ou outro
arroubo, têm maturidade institucional desde a Constituição de 1988 de
saber qual é o seu papel. Forças Armadas não juram obediência ao
presidente da República. Juram obediência à Constituição Federal. E a
Constituição Federal não dá margem para nenhuma saída fora da ordem
democrática. O Brasil não é Mianmar, em que meia dúzia de irresponsáveis
tomam o Palácio e dão golpe. O Brasil é um país estratégico no nosso
continente, é um país estratégico do ponto de vista geopolítico. E o
mundo de hoje não é o mundo de 1964. Em 1964, você tinha toda a imprensa
a favor do golpe. No primeiro momento, a Ordem dos Advogados do Brasil a
favor. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil a favor. Depois, com
a tortura, é que foram mudando. Milhões de pessoas mobilizadas na rua
com medo do comunismo. O mundo dividido na Guerra Fria e, portanto, os
Estados Unidos apoiando saídas golpistas com medo do comunismo, e o
Brasil do ponto de vista econômico não era um país tão dependente de
exportação de commodities como é hoje. O mundo de hoje não permite essa
aventura. O Brasil sofreria imediatamente bloqueios comerciais e
econômicos da União Europeia. O agronegócio iria reagir. Hoje, nós temos
uma carta que é muito simbólica. Nós não estamos falando de gente à
esquerda.
O senhor está mencionando o manifesto publicado na quinta-feira (5) por empresários, intelectuais e pessoas do setor financeiro?
Exatamente. É a grande economia do país dizendo: “Não, espera
aí”. Vamos estabelecer aqui um limite e esse limite é a democracia.
Então, isso seria uma aventura. Eu não tenho dúvida de que ele tem
vontade de tentar. Mas, se tentar, vai fracassar. E os militares sabem
disso. E sabem que se embarcarem numa tentativa fracassada, a pena para
isso é clara: é cadeia.
O senhor falou de regras eleitorais e políticas que precisam
ser mantidas. Independentemente de toda essa discussão acerca do voto
impresso, existe hoje um pacote de mudanças eleitorais e políticas que
está sendo discutido na Câmara cujo conteúdo é polêmico. Qual a sua
avaliação quanto às chances de aprovação?
Eu tenho muitas preocupações com reformas de conveniência. Com
reformas contaminadas pelos nossos desejos de renovarmos os nossos
mandatos. Isso costuma não acabar bem. Aqui, há uma mobilização muito
grande e uma força muito grande da maioria dos deputados em torno da
ideia do Distritão. Eu não vou entrar no mérito, porque a regra que
estabelecer eu vou entrar para jogar e o povo vai decidir se eu renovo o
meu mandato ou não. No entanto, é preciso registrar que, por exemplo,
aqui no Distrito Federal a soma dos oito deputados federais eleitos só
dá 28% dos eleitores. Nós teríamos uma grave sub-representação no
Parlamento. Setenta e dois por cento dos eleitores do Distrito Federal
não teriam representação no Parlamento. Você vai ter muito mais
brasileiros não representados que representados. Eu acho que nós temos
que refletir um pouco sobre isso. Claro que do ponto de vista da minha
reeleição, é muito mais fácil se for Distritão, mas eu acho que a gente
tem que levar em conta o ambiente em que vamos disputar eleição mas não
podemos perder a perspectiva de pensar no país, de pensar em médio e
longo prazos, de pensar no nosso sistema representativo.
Mas como o senhor avalia a chance de aprovação dessas medidas?
Eu acho que existem muitas contradições dentro da comissão
especial. Em especial do presidente da comissão com a relatora. O
presidente pensa uma coisa, a relatora pensa outra. Dentro dos próprios
partidos da base, há muita contradição. O PSD está muito convicto contra
essa ideia de Distritão. O PL liberou a bancada. Então, são muitas
contradições. E eu acho que diante de tantas contradições é difícil
aprovar uma matéria tão desestruturante.
E em relação à proposta formatada pela deputada Margareth Coelho, o que pode passar?
Eu não conheço todo o conteúdo da proposta da deputada
Margareth Coelho, até porque pelo que eu ouvi, é um projeto de 902
artigos. Então, é um projeto que muda significativamente o sistema
eleitoral. Então, eu não tenho convicção formada ainda.
Com relação à pauta econômica, o que o senhor vislumbra?
Eu acho que haverá um esforço grande em torno da privatização
dos Correios. E acho que haverá um esforço grande pela aprovação do que
se chama de reforma tributária, que tem que ter muita boa vontade para
chamar de reforma tributária. Chamar a Contribuição sobre Bens e
Serviços (CBS) e a mudança no Imposto de Renda de reforma tributária é
perder a noção de que o Brasil precisa de uma reestruturação de seu
sistema tributário com a lógica da simplificação, da diminuição
regressividade, da neutralidade e do equilíbrio setorial. Essas
propostas são a negação absoluta desses quatro princípios, que são o
nascedouro de uma ideia de reforma tributária. Só tem lógica a reforma
tributária se for para tornar o sistema menos complexo, menos
regressivo, manter a neutralidade e ter equilíbrio setorial. E tudo o
que há até aqui vai na contramão disso. Mas eu acho que haverá um
esforço, porque o governo já demonstrou nos últimos tempos que está
muito mais preocupado com a manchete que com o conteúdo. O governo quer
algo para chamar de reforma tributária. Mas não tenho dúvida que o maior
esforço do governo será para aprovar a PEC da pedalada, a PEC do
calote, que é a PEC dos precatórios.
Sobre a questão do Imposto de Renda, tem havido muitas
críticas à proposta. A Confederação Nacional da Indústria, por exemplo,
divulgou nota ontem contra a proposta. Qual a sua avaliação com relação a
ela?
Eu sou muito crítico, porque se afasta do que se pensava sobre
reforma tributária. O projeto do CBS é somente a unificação do
PIS/Cofins com majoração de alíquota. O impacto dele na simplificação do
sistema tributário é quase zero. Portanto, os reflexos na redução de
obrigações acessórias do contencioso é zero. Portanto, ele me parece
muito mais um esforço do governo de recompor a perda de receita
decorrente da decisão do Supremo que tirou o ICMS da base de cálculo do
Cofins do que mesmo querer chamar isso de reforma tributária. A proposta
do Imposto de Renda não é reforma tributária por um motivo simples: 85%
dos brasileiros adultos já não pagam Imposto de Renda, o que é um dado
alarmante porque significa que 85% dos brasileiros adultos tem renda
menor que R$ 1,9 mil. Como você chama de reforma tributária algo que
impacta 15% da população e deixa de fora 85%? Esses 85% da população não
são impactados pelo Imposto de Renda. Eles são impactados pelo ICMS no
arroz e no feijão. Pelo IPI na geladeira que ele compra. Pelo ISS na
conta de água ou na passagem de ônibus. O problema no Brasil está na
sobretributação sobre o consumo. E isso o governo não enfrenta. Eu sou
crítico ao caminho que o governo escolheu para chamar de reforma
tributária.
Voltando à questão da PEC dos precatórios, o senhor tem criticado muito. Hoje o clima é de aprovação?
Eu acho que o governo fará um esforço hercúleo para aprovar. E
eu farei todo o possível para sensibilizar os meus colegas que isso é um
equívoco. Por três aspectos. Primeiro: isso é uma pedalada fiscal.
Pedalada fiscal já gerou o impeachment de uma presidente. O que o
governo está propondo é constitucionalizar como legal algo que hoje é
crime de responsabilidade. E por que é pedalada fiscal? Porque o governo
está rolando dividas para outros governos para abrir espaço fiscal e
fazer outros gastos. Isso é quebrar o teto de gastos, e é pedalada
fiscal. Segundo, porque é calote. Nós estamos falando de processos que
se arrastam há dez, vinte anos, no Poder Judiciário. Em que o governo em
muitos desses temas sabe que vai perder ao final mas alonga o processo o
tempo inteiro, não utiliza os mecanismos de negociação que dão uma lei
de minha autoria aprovada no ano passado, a 1457, que autoriza desconto
de até 40% e parcelamento em até oito vezes mas desde que em acordo com o
credor. O governo não se vale disso durante o processo e depois, quando
já está em execução, com o precatório emitido, ele tenta um
parcelamento compulsório. E esse calote é preciso fazer um recorte.
Porque R$ 19 bilhões desses R$ 89 bilhões são precatórios do Fundo de
Desenvolvimento da Educação Fundamental (Fundef), que o governo
sabidamente pagou errado. E que agora está tendo que pagar a diferença.
Pela mesma Lei 1457, 60% desses precatórios têm que ser gastos pagando
abono para profissionais do magistério. Isso, só no meu estado do
Amazonas, significa um calote de R$ 134 milhões nos profissionais do
magistério, professores a professoras, que tinham direito a um abono que
daria por volta de R$ 5,2 mil para cada um. É um calote nos
professores, nos estados e municípios, em empresas e pessoas físicas que
litigaram por anos contra a União. E o terceiro aspecto, e talvez o
mais grave: quando o ministro Paulo Guedes, que até hoje não entendeu
que não é mais um operador da Bolsa de Valores, é o ministro da
Economia, e, portanto, deve responsabilidade com o que fala porque o que
fala mexe com a economia real e mexe com o mercado, diz: “Devo, não
nego, pago quando puder”, ele passa a pior mensagem para investidores
internos e externos. Porque ele passa a seguinte mensagem: se o governo é
capaz de unilateralmente aprovar uma PEC e dar calote em precatórios,
quem garante que amanhã ele não vai fazer a mesma coisa com títulos da
dívida pública? Então, é absolutamente temerária essa PEC, e eu espero
que o Parlamento brasileiro perceba isso e não embarque nessa aventura. E
há outro ponto interessante: o governo quer aprovar uma PEC, alterar a
Constituição e permitir o parcelamento de precatório para, através de
uma medida provisória, majorar o Bolsa Família. Você faz uma mudança de
natureza constitucional que vale para sempre para fazer algo sustentado
em uma medida provisória. Que pode, por exemplo, não ser votada. E
cumprir efeito somente no pedido de validade dela, como, por exemplo, as
medidas provisórias do auxílio emergencial. Alguém tem dúvida de que
vai ter emenda de R$ 600 e que isso vai gerar uma disputa danada aqui
dentro? Qual o tamanho do que vai sair daqui dentro? Ninguém sabe. Pode
sair a medida provisória, cumprir o objetivo eleitoral do presidente de
dar a ajuda durante o período da medida provisória e depois voltar para o
valor anterior, mas tendo o parcelamento do precatório definitivo na
Constituição. Isso está errado.
Têm ocorrido reclamações por parte da oposição sobre a forma
como vem sendo definida a pauta de votação nas sessões virtuais.
Reclama-se que a discussão não tem sido ampla, que não tem havido
transparência nessa definição, que não há muita transparência. O senhor
compartilha dessas reclamações?
A pauta é uma decisão do presidente, sempre precedida da
reunião do Colegiado de Líderes. Eu tenho ponderado, tanto com líderes
da base do governo como da oposição, que a modelagem dessas reuniões
está errada, porque está pouco política. Cada partido indica dois, três
projetos, e você faz uma votação entre os líderes. Aí, vira um negócio
de combinar antes: eu apoio o seu, você apoia o meu. E você não consegue
discutir um projeto mais estruturante para o país. Então, eu acho que o
problema não está no presidente. Eu acho que o problema está na
modelagem da reunião que define a pauta.
Como está a sua relação com o presidente Arthur Lira?
Boa. Eu brinco. Eu não posso reclamar do presidente, porque eu
fui para uma composição quando ele já era um deputado absolutamente
alinhado com o governo. E ele também não pode reclamar de mim, porque
quando eu fui para a aliança com ele eu já era um deputado independente
que já tinha manifestações duras contra todas as falas do presidente da
República fora da ordem democrática. Eu não posso reclamar dele e ele
não pode reclamar de mim porque nenhum dos dois mudou depois da eleição.
E eu repito: respeito muito o presidente Arthur Lira e considero muito
que o nível de responsabilidade e portanto o nível de prudência dele
necessariamente tem que ser maior do que o meu.
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