O rumoroso processo que envolve o ex-deputado estadual paraense Luiz
Sefer, condenado a 21 anos de prisão por estupro de uma menina de 9
anos que à época trabalhava na casa dele – hoje, ela já é
adulta e está fora do estado, protegida pelo Programa de Proteção
a Testemunhas e Vítimas de Abuso – teve mais um desfecho
desfavorável ao réu.
Em decisão do último dia 27 de
outubro, obtida com exclusividade pelo Ver-o-Fato, a Terceira Seção
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por ampla maioria e com
apenas um voto vencido, os ministros julgaram procedente a Reclamação
do Ministério Público do Pará em recurso assinado pela procuradora
de Justiça, Ubiragilda Pimentel. Essa reclamação contestava
decisão do TJ do Pará, que em abril de 2019, num julgamento
bizarro, anulou todo o processo contra Sefer.
Em resumo:
com a nova decisão do STJ, o processo já retornou a Belém para que
o Tribunal de Justiça julgue a dosimetria da pena contra o
ex-deputado, ou seja, se mantém, aumenta ou diminui a condenação
dele a 21 anos de prisão. O caso já transitou em julgado e não
cabe mais qualquer outro recurso que modifique ou anule a sentença
condenatória, mantida em 2018 pelo próprio STJ..
Decisão
polêmica em 2019
No dia 25 de abril de 2019, num
julgamento inusitado e para lá de polêmico, a Terceira Turma de
Direito Penal do TJ do Pará, por 2 votos a 1 decidiu reinventar a
roda jurídica, tornando nulo todo o processo contra Sefer. A
tese do advogado Roberto Lauria foi aceita pelos desembargadores
Mairton Carneiro, relator, e Maria Edwiges Lobato. O desembargador
Leonam Cruz votou contra o recurso da defesa.
A revisão
da pena de 21 anos e a multa de R$ 120 mil, que estavam na pauta,
sequer foram julgadas. No começo daquela sessão, o desembargador
Mairton Carneiro informou que havia um “incidente processual”, no
caso um agravo regimental transformado em agravo interno, provocado
pelo advogado Roberto Lauria, defensor de Sefer. O agravo tinha
preferência sobre os outros dois temas, porque determinaria o rumo
do caso. E que agravo era esse?
Segundo recurso de
Lauria, todo o inquérito policial instaurado para apurar o caso de
estupro contra a menina seria nulo, porque a autorização para a
abertura de tal inquérito teria de ser dada pelo Tribunal de Justiça
do Estado em razão de Sefer ostentar na ocasião o foro privilegiado
por sua condição de deputado estadual. Acontece que Sefer, à
época, já havia renunciado ao mandato para não ser cassado.
Portanto, não tinha mais o amparo do foro privilegiado.
A
promotora do MP usou da palavra e repeliu a tese da defesa, lembrando
que já havia se passado oito ano da condenação e só agora o
advogado de Sefer estava atravessando uma petição querendo tornar
nulo o inquérito policial. Ela lembrou que “acertadamente” o
desembargador Raimundo Holanda havia indeferido a pretensão do
advogado, considerando “extemporânea e incabível” a autorização
do Tribunal de Justiça para a lavratura do inquérito policial
contra Sefer. “Foro privilegiado é para julgamento e não para a
fase de investigação”, afirmou a promotora.
Roberto
Lauria, ao defender sua tese, que ele chamou de “inédita”,
inicialmente reconheceu que oito anos atrás ainda não atuava na
causa do ex-deputado. Portanto, não poderia tê-la arguido, o que
fazia na ocasião por entender que o recurso era “matéria de ordem
pública”. Disse ainda que não estava preocupado se sua petição
seria ou não desentranhada dos autos.
“O pedido guarda
harmonia com a decisão do STJ”, argumentou o advogado,
acrescentando que a petição poderia ” ser julgada até de
ofício”. E mais: sua tese, repetiu, por ser “inédita”, não
de mérito, mas de ordem pública, obrigava o Tribunal a lhe dar uma
resposta. No final de sua oratória, Lauria ressaltou que o próprio
desembargador Mairton Carneiro já havia “detectado uma prescrição
nos autos”, acolhendo a tese de nulidade do inquérito policial por
não ter autorização do TJ.
Não deu outra. Mairton
Carneiro começou sua explanação indo direto no assunto, ou seja,
derrubando o inquérito policial. Disse que defendia a nulidade
absoluta do processo. Num longo voto, dando razão ao advogado do
ex-deputado, o desembargador, sempre seguindo o entendimento de que o
processo não tinha qualquer validade e que tudo deveria “voltar ao
juiz natural”, no caso à juíza Graça Alfaia, que havia condenado
Sefer. Disse que a falta de autorização do TJ “contaminou todo o
inquérito”.
Quer dizer, a denúncia do
Ministério Público também de nada valia. Houve “usurpação de
competência” do TJ, que segundo o desembargador deveria ter
autorizado o inquérito. Em vista disso, todas as provas contra Sefer
seriam nulas. “O presente recurso de agravo regimental, em sede de
agravo interno, merece ser acolhido”, resumiu Carneiro. Votou para
que o processo volte ao juízo de origem para que tudo comece do
zero.
O revisor do caso, Leonam da Cruz Junior, discordou
de Carneiro, afirmando não ter visto no recurso qualquer prejuízo à
defesa de Sefer na coleta de provas. Lembrou, a respeito disso, voto
da ministra do STF, Carmem Lúcia. “Vejo o pedido de nulidade como
natimorto”, disse Leonam. Segundo ele, discordando de Carneiro, o
Código Penal, que é de 1941, não mudou até hoje, quando fala
sobre a instauração do inquérito policial.
Para
Leonam, não se pode acatar a nulidade de toda a investigação,
porque não há como sustentar argumentação nesse sentido. “Não
pelo decurso do tempo, porque não encontro respaldo legal. Conheço
do agravo interno em que foi transformado o agravo regimental, , mas
não lhe dou provimento”. Por fim, disse que não é necessário a
autorização do tribunal para colher depoimentos.
Sem
justificar ou apresentar qualquer argumentação em seu voto , a
desembargadora Maria Edwiges Lobato concordou integralmente com
as argumentações do relator, Mairton Carneiro, que já havia
incorporado a tese apresentada pelo advogado Roberto Lauria, votando
pela nulidade absoluta de todas as provas colhidas no inquérito
policial e, por conseguinte, do processo que redundou na condenação
a 21 anos de prisão em regime fechado de Luiz Sefer.
STJ
acolhe reclamação e suspende efeitos
Inconformada com a
nulidade de todo o processo, a procuradora Ubiragilda Pimentel
recorreu ao STJ em junho de 2019 e aquela corte de justiça acatou o
recurso do Ministério Público, determinando a suspensão dos
efeitos do acórdão proferido pelo TJ do Pará, que havia
reconhecido a nulidade do processo.
Ubiragilga afirmou, no
fundamento da Reclamação, que o tribunal paraense havia “afrontado
a soberania de decisão do STJ, na medida em que recebeu o aditamento
às razões de apelação anteriormente apresentadas, e reconheceu
nulidade do processo, por incompetência, determinando a remessa dos
autos ao juízo de primeiro grau para nova instrução”.
O
relator do caso em Brasília, ministro Joel Ilan Paciornik, foi
taxativo: “vislumbra-se a ocorrência de possível desrespeito à
autoridade de decisão dessa Corte, considerando-se que a
determinação foi de retorno aos autos para julgamento dos demais
pedidos constantes das razões de apelação já
apresentadas”.
Agora, após a Reclamação julgada pela
Terceira Seção do STJ, o processo volta ao Pará para que o TJ
faça, enfim, o que não fez: julgar a dosimetria da pena – se
mantém 21 anos de condenação, mais ou menos, e se aplica multa de
R$ 120 mil.
É uma novela que, ao que tudo indica, desta
vez não terá capítulo extra no TJ paraense.
A íntegra
da decisão do última dia 27 de outubro é a seguinte:
“Certifico
que a egrégia Terceira Seção, ao apreciar o processo em epígrafe
na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: ”
retomado o julgamento, após o voto-vista antecipado do sr. Ministro
Ribeiro Dantas, julgando procedente a reclamação, acompanhando o
voto do Sr ministro relator, os votos dos senhores ministros:
Olindo
Menezes – desembargador convocado do TRF 1a Região – Jesuíno
Rossato – desembargador convocado do TJDFT -, Laurita Vaz – com
recomendação de que o julgamento da apelação seja retomado com
brevidade – Sebastião Reis Júnior, Rogério Schiett Cruz e
Antônio Saldanha Palheiro no mesmo sentido, e o voto do Sr ministro
João Otávio de Noronha, não conhecendo da reclamação, a Terceira
Seção, por maioria, julgou procedente a reclamação, com
recomendação de celeridade na conclusão do julgamento da
apelação, nos termos do voto do Sr ministro relator.
Vencido
o Sr ministro, João Otávio de Noronha, que não conhecia da
reclamação. Os senhores ministros Olindo Menezes, Jesuíno Rissato,
Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior, Rogério Schiett Cruz, Ribeiro
Dantas e Antônio Saldanha Palheiro votaram com o ministro relator,
Ilan Paciornik. O julgamento foi presidido pelo ministro ReiYnaldo
Soares
https://ver-o-fato.com.br/exclusivo-condenado-por-estupro-de-menor-sefer-perde-outra-no-stj-caso-volta-ao-tj-do-para/
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