VER-O-FATO | PRedação | 04/11/2021
O governador Helder Barbalho decidiu bancar com o dinheiro público um trem da alegria de turistas – obviamente a ele subordinados e todos ocupantes de cargos no estado – para passar uma semana em Glasgow, na Escócia, onde pretende vender um Pará que só existe no universo paralelo em que ele vive.
Helder vai para lá com sua comitiva porque não poderia ficar longe dos holofotes. Chegará como um ilustre desconhecido, mas circulará por salões e corredores onde os poderosos do mundo reúnem-se em mais uma daquelas conferências sobre o clima nas quais proliferam discursos para salvar o mundo da hecatombe climática, mas que na prática nada de importante muda. Pelo contrário, as grandes potências continuam a fomentar todas as condições para a destruição do planeta.
Afinal, o que Helder vai fazer e dizer em Glasgow? Segundo release distribuído pela Agência Pará, subordinada à secretaria de comunicação do governo estadual, ele vai levar para a COP-26 várias “agendas voltadas para a economia verde”. Uma dessas agendas incluiria abstrações do tipo “visão estratégica de longo prazo” para tornar o Pará “carbono neutro” no setor de uso da terra e florestas.
Trocando em miúdos: Helder vai dizer que para cada 1 tonelada de gás carbônico emitida por meio do desmatamento, outra tonelada de gás carbônico será absorvida por meio da regeneração de florestas. Beleza, isso é o mínimo que se deseja para que a Amazônia, em franco processo de degradação ambiental e social, não seja mais impactada do que já é.
Para que isso funcione e saia do papel, abandonando o delírio ambiental politicamente correto, é preciso recursos, em euros, dólares, ou seja lá o que for em moeda forte. Sem tempo a perder, Helder irá atrás do dinheiro para seus projetos de longo prazo, embora as exigências da comunidade internacional sejam de ações de curto para médio prazos. Nada que impeça o governador de prometer uma rápida adaptação às emergências impostas pelos senhores do clima.
Por conta disso, o governador – assim prevê a agenda oficial – terá uma reunião com o diretor-geral da Tropical Forest Alliance (TFA), Justin Adams, entidade que é espécie de mecenas de projetos ambientais, além de outra reunião “sobre negócios sustentáveis” promovida pelo príncipe Charles, juntamente com potenciais parceiros dos estados amazônicos. Este evento propõe “conexões de impacto (“matchmaking”) entre governos amazônicos e investidores na área de clima e florestas”.
O mundo é uma aldeia global conectada e nela a realidade do que ocorre na Amazônia denuncia fatos que o governador do Pará não pode esconder, até porque será muito cobrado sobre o que ocorre na gestão dele quando a questão envolve o meio ambiente. Nesse aspecto, o atual governo tem muito mais que calar do que falar.
Líder em degradação ambiental
Quem mostra os fatos, nada abonadores do governo de Helder Barbalho, quando o assunto é preservação de nossas florestas, é o insuspeito Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), cujos números de setembro passado sobre desmatamento no estado dissolvem qualquer discurso para impressionar governantes europeus, chineses e americanos em Glasgow.
O resultado do levantamento feito pelo Imazon apontou que o Pará, infelizmente, é o que mais desmata na Amazônia, com 39% de destruição em toda a região. No total, em setembro, a Amazônia teve destruídos 1.224 quilômetros quadrados, com o estado governado por Helder sendo responsável por quase 40%, ou 474 quilómetros quadrados derrubados.
A área toda de floresta derrubada equivale ao tamanho da cidade do Rio de Janeiro. É o maior período de destruição de árvores em 10 anos. As imagens de satélites não mentem. O pior é que esse ranking ambiental negativo do Pará, liderando o desmatamento amazônico, segundo aponta o Imazon, já dura cinco meses consecutivos.
Há ainda outros números negativos da pesquisa do Imazon: “em relação às áreas protegidas, seis das 10 terras indígenas mais afetadas pelo desmatamento em setembro estão em solo paraense. Já na lista das 10 unidades de conservação mais atingidas, metade fica no Pará”.
O que Helder irá falar – ou tentar justificar -, em Glasgow? Está difícil, muito difícil. “Entre os municípios, os quatro paraenses que ficaram no ranking dos 10 que mais desmataram na Amazônia, Portel, Pacajá, São Félix do Xingu e Itaituba, concentraram 35% da destruição da floresta no estado”, destaca o pesquisador do Imazon, Antônio Fonseca.
A conclusão é de outra pesquisadora do Imazon, Larissa Amorim: “a intensificação do desmatamento na Amazônia Legal não favorece a imagem do Brasil na COP-26. É necessário que o país adote urgentemente medidas significativas para combater o desmatamento e, consequentemente, reduzir as emissões dos gases de efeito estufa”.
Larissa dá as dicas para as mudanças necessárias: “aumento da fiscalização nos locais mais afetados pelo desmatamento, o embargo de áreas destruídas ilegalmente e a punição dos responsáveis”. O governador do Pará fez muito pouco nesse quesito. Mas vai sacar do discurso falacioso em Glasgow alguns fatos que, ou não se sustentam, ou soam como meias-verdades.
Uma delas é de que nada pode fazer pelas áreas degradadas, queimadas e derrubadas, porque no Pará cerca de 70% do território pertencem ao governo federal. Em vista disso, Helder estaria engessado pelo famigerado decreto 1164, de 1971, editado pelo regime militar, que federalizou as terras da Amazônia. Esse decreto “declara Indispensáveis a segurança e ao desenvolvimento nacionais terras devolutas situadas na faixa de 100 quilômetros de largura em cada lado do eixo de rodovias na Amazônia Legal, e dá outras providências”.
Jader, o pai, nada fez
Ocorre que em 1987, durante visita a Belém e em cerimônia com muita pompa, discursos políticos inflamados e dança de carimbó, o então presidente da República, José Sarney, tendo ao lado o bom companheiro de MDB, o governador Jader Barbalho, assinou a revogação do decreto 1164, substituindo-o pelo decreto-lei 2.375. Vale a pena ler trecho desse decreto que anulou o anterior.
” Artigo 1º. Deixam de ser consideradas indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais as atuais terras públicas devolutas situadas nas faixas, de cem quilômetros de largura, em cada lado do eixo das rodovias, já construídas, em construção ou projetadas, a que se refere o Decreto-lei nº 1.164, de 1º de abril de 1971, observado o disposto neste artigo”, dizia o novo decreto editado por Sarney.
O artigo 4º do decreto afirmava: “efetivada a afetação de que trata o artigo anterior as terras públicas devolutas remanescentes nos Municípios de Humaitá (AM), São Gabriel da Cachoeira (AM), Caracaraí (RR), Porto Velho (RO), Ji-Paraná (RO), Vilhena (RO), Altamira (PA), Itaituba (PA), Marabá (PA) e Imperatriz (MA), não situadas na Faixa de Fronteira, descaracterizar-se-ão como indispensáveis à segurança nacional, incluindo-se entre os bens do Estado, ou Território, no qual se localizem.
Por fim, o artigo 5º arrematava da seguinte maneira: “a União transferirá, a título gratuito, ao respectivo Estado ou Território, terras públicas não devolutas que, nas faixas mencionadas no caput do artigo 1º, lhe pertençam, condicionada, a doação, a que seu beneficiário vincule o uso daquelas áreas aos objetivos do Estatuto da Terra e legislação conexa”.
Quer dizer, Sarney devolvia ao Pará as terras que o decreto 1164 havia tomado do estado. Choveram palmas e foguetório, abraços e cumprimentos entre Sarney e Jader. Os jornais da época, inclusive o da família Barbalho, deram manchetes efusivas.
É claro que o comício político no Centur, com a “devolução” das terras ao Pará, tinha um efeito simbólico. Para que na prática isso acontecesse, o estado teria de promover o ato administrativo de arrecadação dessas terras e incorporá-las ao patrimônio fundiário paraense. A missão seria da Procuradoria-Geral do Estado juntamente com o Instituto de Terras do Pará (Iterpa).
O que fez Jader à época? Para variar, nada. O pai de Helder não moveu uma palha nesse sentido. Jader teve uma segunda oportunidade, quando voltou a governar o estado, entre 1991 e 1994. Novamente, nada fez. Helder, para recuperar o tempo perdido, ainda pode fazer algo. Ao menos para dar pincelada nova ao surrado discurso de “desmatamento zero”.
De que jeito, se o Iterpa mal consegue promover regularização fundiária em áreas que sempre estiveram em suas mãos? Diante disso, resta ao governador e seus auxiliares torrar o dinheiro dos contribuintes com passagens, estadias e passeios turísticos pela bela Glasgow.
O povo paraense, muito rico, paga a farra.
Decreto do passeio a Glasgow:
https://ver-o-fato.com.br/para-lidera-devastacao-na-amazonia-mas-helder-leva-comitiva-em-passeio-na-escocia-voce-paga/
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