REPORTAGEM
Rubens
Valente | Colunista do UOL | 07/11/2021 04h00
Um grupo de 17 dos principais delegados da Polícia Federal que exerceram papel de destaque na condução da Operação Lava Jato em Curitiba (PR) e Brasília vive hoje quase todo num limbo burocrático, sem exercer cargo na direção-geral da PF ou de superintendente nos Estados.
Jair Bolsonaro foi eleito presidente em 2018 na onda da Lava Jato e teve ajuda do então juiz federal do caso em Curitiba, Sérgio Moro. Na reta final das eleições, por exemplo, o então juiz decidiu divulgar uma delação considerada "fraca" do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci que atingia o PT, o principal adversário de Bolsonaro no pleito. Logo após ser empossado na Presidência, em janeiro de 2019, Bolsonaro nomeou Moro como seu primeiro ministro da Justiça e Segurança Pública.
Embora a PF se recuse a informar o local de lotação dos seus delegados, sob a alegação de que são "informações pessoais" - o que acarreta um sigilo de até 100 anos -, a coluna reconstituiu o local de trabalho dos delegados após conversar com oito policiais que falaram sob a condição de não ter seus nomes publicados.
"De fato o nome, a grife Lava Jato entrou num declínio. Ela se tornou uma grife, mas agora é uma grife feia, após os posicionamentos do STF e do mundo político [contra a Lava Jato]. Só que o que chama a atenção é que de repente a trilha das carreiras desses colegas passa a ter uma interrupção. Não fica muito claro o critério das entradas e saídas dos cargos", disse um delegado com mais de 25 anos de carreira.
O caso mais emblemático talvez seja o do ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo, que foi superintendente da PF no Paraná de 2017 a 2019, quando ocorreram diversas fases da Lava Jato, e diretor de Combate ao Crime Organizado em Brasília até 2017.
Ele foi nomeado diretor-geral por Moro em janeiro de 2019. Após deixar a direção-geral do órgão em abril de 2020 em meio às pressões do presidente Jair Bolsonaro, que exigira a troca do superintendente do Rio de Janeiro e reclamava do andamento de investigações, como o inquérito sobre a facada que sofreu em 2018 e um caso sobre fake news que envolvia bolsonaristas, Valeixo ficou aguardando uma nomeação como adido policial na Embaixada do Brasil em Portugal.
Na época a imprensa divulgou que o ato de nomeação na embaixada chegou a ser enviado ao Palácio do Planalto. A assinatura, contudo, jamais ocorreu e hoje Valeixo está lotado numa assessoria na Superintendência do Paraná.
Outro nome de relevo na Lava Jato, o delegado Igor Romário de Paula foi o diretor regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Superintendência no Paraná e, na prática, coordenou os trabalhos da Lava Jato no âmbito da PF paranaense, com mais de 50 fases da operação por cinco anos, desde o começo, em 2014, até 2019.
Também na gestão de Moro e Valeixo, Paula se tornou o poderoso diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado, em Brasília. Em fevereiro último, contudo, foi substituído. Na época também surgiu a informação de que ele seria nomeado adido no exterior. Porém, regressou à Superintendência do Paraná e sua nomeação até o momento não saiu.
Em Brasília, a partir de 2015 os inquéritos derivados da Lava Jato sobre autoridades com foro privilegiado no STF e no STJ tramitaram no Sinq, um setor vinculado à direção do órgão. Quatro delegados ali lotados tiveram maior destaque ao longo da Lava Jato. Hoje todos estão fora do Sinq e da direção-geral em Brasília: Josélio Azevedo de Souza (cedido ao Ministério da Justiça), Cleyber Lopes (hoje no interior de São Paulo), Thiago Machado Delabary (no Rio Grande do Sul) e Felipe Alcântara de Barros Leal (hoje na Paraíba).
Ocaso da Lava Jato
A Lava Jato começou a cair em desgraça pública em 2019. Primeiro, pela própria entrada de Moro no governo de Bolsonaro, o candidato beneficiado pelas revelações da Lava Jato no seu discurso anti-PT. O ex-juiz havia decretado a prisão do eventual concorrente de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que deixou exposto um conflito de interesses do ex-magistrado.
Na sequência, um hacker de Araraquara (SP), Walter Delgatti Neto, invadiu conversas por aplicativos em telefones celulares de membros da força-tarefa do MPF, copiou as mensagens e as repassou para o site jornalístico The Intercept Brasil, segundo as conclusões da Operação Spoofing, que apurou o vazamento. As mensagens deram origem a uma série de reportagens que ficou conhecida como "Vaza Jato", e que pode ser conferida aqui.
Simultaneamente, o procurador-geral da República Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro fora da lista tríplice organizada pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), esvaziou paulatinamente as forças-tarefas da Lava Jato em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, diversos políticos que foram alvo da Lava Jato e integram o Centrão no Congresso Nacional foram procurados por Bolsonaro para compor sua base política, a fim de livrá-lo de um processo de impeachment. O movimento adesista enfraqueceu ainda mais a Lava Jato.
O STF, que em 2018 havia apoiado a prisão ou negado a liberdade ao principal potencial concorrente de Bolsonaro nas eleições, Lula, e que por diversas vezes fez manifestações favoráveis ao prosseguimento da Lava Jato, mudou de posição e passou a declarar a parcialidade de Moro na condução dos processos abertos contra o petista e a anular processos.
De um modo geral o estrago e o impacto da "Vaza Jato" foram muito maiores nas hostes do MPF e na credibilidade do ex-juiz Moro do que nos quadros da PF. No entanto, a reação em cadeia também atinge a PF porque a Lava Jato - como ocorre em toda operação policial - era conduzida dentro do tripé PF, MPF e Justiça Federal.
A tendência perceptível hoje na PF é o distanciamento da Lava Jato. Conforme divulgado pela "Folha de S. Paulo" na semana passada, uma operação desencadeada em 21 de outubro era uma nova fase da Lava Jato, mas o nome do processo-mãe foi escondido e desapareceu da divulgação oficial feita pela PF e pelo MPF..
Outros delegados no limbo
Os policiais ouvidos pela coluna, entretanto, pontuam que o destino no mínimo fora do normal dos delegados da Lava Jato é apenas um exemplo. Limbo de delegados de outras grandes operações também ocorre sem maiores explicações, o que acentua um ambiente de desconfiança, desânimo e insegurança dentro da instituição.
A direção-geral é hoje ocupada pelo delegado Paulo Maiurino, que não é visto como experiente em atividades de operacionais e desde 2010 estava fora da PF. Nos últimos dez anos, Maiurino exerceu diferentes cargos administrativos nos governos do Distrito Federal, de São Paulo e do Rio, no Ministério da Justiça, como corregedor do Departamento Penitenciário, e até no STF (Supremo Tribunal Federal), onde foi secretário de segurança de 2019 a 2020. Ou seja, ficou muito distante do dia a dia das operações da PF.
Uma das medidas de Maiurino que mais repercutiu internamente foi a destituição, no início de outubro, do então superintendente da PF no Distrito Federal, o delegado Hugo de Barros Correia, que conduziu inquéritos da Operação Zelotes. Ele ficou no cargo por apenas cinco meses - um prazo considerado totalmente fora dos padrões da PF. Havia sido nomeado pelo próprio Maiurino, em maio. A decisão tomada pelo diretor-geral não foi acompanhada de um esclarecimento sobre os motivos da substituição, o que agravou o clima de desconforto.
"Normalmente não se explica a troca de um superintendente. Mas nesse caso, pelos aspectos políticos envolvidos, pelas pressões anteriores já conhecidas do atual governo, tinha que ter aparecido alguma explicação", disse outro delegado. "Não ficou bom não ter um esclarecimento. A dúvida se espalhou", concordou um agente.
Na Superintendência Regional do DF tramitam investigação sobre um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, Jair Renan, e os vários inquéritos abertos pelo STF sobre atos antidemocráticos, fake news, a participação de Bolsonaro numa live que colocou em dúvida a segurança das urnas eletrônicas, ou seja, todas investigações que atingem diretamente Bolsonaro e que afetam o bolsonarismo.
18.ago.2017 - Delegado Igor Romario de Paula, da PF, fala sobre 43ª e 44ª fases da Lava Jato Imagem: Geraldo Bubniak/Estadão Conteúdo. |
Membros da direção-geral têm negado extraoficialmente a interlocutores qualquer tipo de intervenção político-ideológica na condução das investigações e afirmam que a substituição no DF não teve relação com os inquéritos em andamento. Mas a explicação não convenceu muitos delegados, tanto que a ADPF (Associação dos Delegados da PF) foi a público manifestar sua preocupação com a falta de transparência.
Até porque outros casos recentes são lembrados a todo momento, como a saída até hoje mal explicada do superintendente do Rio em 2020, Ricardo Saadi. Ou como o delegado de Minas Gerais Rodrigo Morais foi parar "na geladeira", ou seja, não é nomeado para um cargo de destaque.
Morais é considerado pelos colegas um nome muito preparado na área de inteligência policial. Mas depois que foi destacado para a presidência do inquérito que investigou a facada contra o então candidato Bolsonaro, em 2018, os problemas do delegado começaram. Bolsonaro inúmeras vezes manifestou seu inconformismo com o resultado do inquérito de Morais, que concluiu que Adélio, portador de transtornos mentais, agiu sozinho e não a mando de nenhum grupo ou partido político da esquerda, contrariando a tese fantasiosa levantada pelo bolsonarismo.
Além das críticas públicas recorrentes de Bolsonaro sobre o inquérito, Morais foi alvo de uma série de fake news disseminadas por redes bolsonaristas na internet que falsamente tentaram ligá-lo ao PT. Ele moveu pelo menos 15 processos contra vários endereços na internet. Em 2021, Maiurino chegou a indicar Morais para um cargo na Diretoria de Inteligência e o ato de nomeação foi enviado à Casa Civil da Presidência, segundo a imprensa noticiou. A exemplo dos outros casos, contudo, o ato nunca foi assinado.
"A PF uma hora desagrada o grupo A, depois desagrada o grupo B. A investigação apura um fato, se vai atingir grupo A, B ou C, é consequência da investigação. Desagradar é normal. A turma que acaba se expondo mais, os colegas que historicamente acabaram tocando essas grandes investigações, sofrem as consequências naturais de um trabalho grande. Grandes bancas de advogados procuram desqualificar a investigação, procuram as falhas. Isso é o natural, a pressão sempre existe e é normal. Agora, o que se espera da administração é um apoio institucional. O colega ser indicado para uma chefia e aí - porque ele tocou uma investigação e desagradou - não pode ocupar chefia? Aí não tem lógica, o trabalho vira um castigo", disse um delegado.
Em abril passado, a PF encenou, em um vídeo de propaganda, a inauguração fake da nova sede da direção-geral no início da Asa Norte, em Brasília, um prédio alugado por R$ 17,3 milhões anuais. Porém, a mudança da antiga sede, o prédio conhecido como "Máscara Negra", na Asa Sul, ainda não havia ocorrido. O então diretor-geral, Rolando Souza, queria deixar o cargo com uma "grande realização" da sua gestão e "inaugurou" o prédio antes do previsto.
Passados seis meses, a sede da PF continua no mesmo antigo lugar na Asa Sul: imprevistos na infraestrutura do novo prédio ainda não permitiram a mudança para Asa Norte. O episódio, segundo policiais ouvidos pela coluna, ilustra o quadro atual na PF, uma instituição que pretende se preparar para o futuro, mas segue presa às contingências do presente, inclusive administrativas e ideológicas.
A direção-geral da PF foi procurada pela coluna, por meio da sua assessoria, há mais de uma semana com várias indagações sobre os tópicos aqui tratados, mas não houve resposta até o fechamento deste texto.
https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2021/11/07/policia-federal-governo-bolsonaro.htm?utm_source=chrome&utm_medium=webalert&utm_campaign=politica
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