Comandante da Polícia Militar Ambiental de Porto Velho havia
atribuído a integrantes da LCP responsabilidade por ataque, um dia
antes, a fiscais e policiais militares . A Imagem acima mostra o casal assassinado (Foto: reprodução do Facebook).
Porto Velho (RO) – A liderança da Liga dos
Camponeses Pobres (LCP) Ilma Rodrigues dos Santos, 45 anos, e seu marido
Edson Lima Rodrigues, 43, foram assassinados com tiros na cabeça na
quinta-feira (17). Os corpos do casal estavam ao lado da camionete deles
que foi incendiada.O crime aconteceu na localidade conhecida como 8°
Linha do Ribeirão, no Distrito de Abunã, a 200 quilômetros de Porto
Velho (RO). Ilma, tesoureira da LCP, e Edson viviam no acampamento
Thiago dos Santos, na região da fazenda Nova Brasil. Esse local é
cercado de muita tensão e conflitos, inclusive com policiais, desde
2018.
O duplo homicídio, que está sendo apurado pela Polícia Civil, pode
ter sido um ato de revanche contra a LCP. Os assassinatos ocorreram um dia depois de fiscais e policiais militares terem sido alvos de disparos dentro do Parque Ambiental Estadual Guajará-Mirim.
Na própria quinta-feira (17), a reportagem da Amazônia Real
ouviu o comandante da Polícia Militar Ambiental de Porto Velho, major
Adenilson Silva Chagas. Ele afirmou que os suspeitos do ataque na
véspera seriam integrantes da LCP. “Estamos nos preparando para lidar
com esse novo perfil de invasor naquela região. Os ataques aos fiscais e
à Polícia Ambiental foram provocados pela Liga, que tem estratégias de
se posicionar em meio à vegetação, escondidos, para surpreender as
equipes em deslocamento. Uma tática já utilizada por esses grupos. A
gente vem fazendo um levantamento para identificar essas pessoas”, disse
o major, que assumiu o cargo há duas semanas.
O comandante do Batalhão Ambiental atribuiu aos integrantes da LCP a
invasão de terras públicas. “A gente percebeu uma mudança no perfil dos
invasores. A característica dos invasores é de uma família em busca de
uma terra para fazer o cultivo para subsistência. Mas, recentemente, a
gente nota invasores ligados à Liga dos Camponeses Pobres, pessoas que
já têm um perfil mais combatido, que buscam o enfrentamento”, afirmou o
major Chagas.
A Assessoria de Imprensa do comando da Polícia Militar (PM) adiantou à
reportagem que não pode afirmar que exista uma relação entre o atentado
aos fiscais ambientais, na quarta-feira (16), e a morte do casal de
camponeses, um dia depois. Segundo a PM, a Polícia Civil é quem está à
frente da apuração dos dois episódios: “Só o trabalho de investigação é
que vai determinar o que aconteceu, não é a Polícia Militar, porque não
somos responsáveis pela elucidação do caso”.
O carro incendiado onde estava o casal (Imagem frame de vídeo das redes sociais)
Para Maria Petronila, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra
(CPT) em Rondônia, as forças de segurança do Estado querem
responsabilizar os movimentos rurais. “Não tenho nem dúvida de que é uma
tentativa de criminalização. Atribuir que um ataque à Polícia Ambiental
é uma ação da LCP, eu duvido muito. Eu acho que é mais algo de crime
voltado para essa questão do roubo da madeira e também das invasões
nessas áreas de reservas. É mais uma tentativa de criminalização do
movimento (rural) no estado de Rondônia”, afirmou a coordenadora que
atua com os movimentos populares há mais de 20 anos.
O roubo de madeira, segundo Petronila, está nas mãos do crime
organizado, que incentiva a invasão de terras públicas. “Tudo que vem
acontecendo agora já vem ocorrendo há muito tempo e as autoridades foram
fazendo ‘vista grossa’”, disse a coordenadora da CPT, uma organização
não-governamental ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB).
Petronila afirmou que no ano passado houve várias “execuções” em
acampamentos da LCP e alertou para a impunidade na região. “Os casos de
assassinatos de lideranças não têm uma investigação policial séria, não
há um julgamento ou uma sentença. No ano passado, foram 13 assassinatos e
7 foram de ação direta, execução e massacres da polícia.”
A coordenadora da CPT chamou a atenção tanto para a escalada da
violência como para a omissão dos governos. “Desde 2019 já vem
aumentando, em todos os sentidos, não só o assassinato de lideranças,
criminalização, prisão. Como também o desmatamento e as queimadas. A
gente atribui a falta de compromisso muitas vezes dos órgãos de proteção
e fiscalização ambiental como também essa política de incentivo do
governo federal e estadual, que têm uma visão negacionista do meio
ambiente”, afirmou.
A Liga dos Camponeses Pobres foi
fundada em 1999, em Rondônia, após o Massacre de Corumbiara, quando dez
pessoas morreram e outras sete ficaram desaparecidas no conflito, em
agosto de 1995. O movimento defende a reforma agrária – ou “revolução
agrária”, como costuma divulgar. Os trabalhadores rurais pregam a “morte
do latifúndio”. Hoje são aproximadamente 30 acampamentos mantidos pela
LCP em Rondônia, que recebem a denominação de “áreas revolucionárias”.
Dados publicados nesta segunda-feira (21), pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública mostram que a região Norte é uma das mais violentas do
País, a única que teve um crescimento (10%) de mortes em toda a
Amazônia Legal no ano passado. “Ao contrário do resto do estados, onde
essa curva de homicídios vem diminuindo, mostrando uma maior
estabilidade nessas cenas criminais, no Norte, os estados da Amazônia
Legal vivem um desequilíbrio em decorrência da fragilização das
instituições de fiscalização e de polícia para controlar os
comportamentos criminosos na invasão de terra indígena, de grilagem, de
madeira e mesmo da droga”, diz Bruno Paes Manso do Núcleo de Estudos da
Violência da Universidade de São Paulo (USP).
Clima tenso desde 2020
Integrantes da Liga Camponesa dos Pobres durante ocupação em Rondônia (Foto: reprodução redes sociais)
Relatório da CPT revela que os conflitos no campo aumentaram na
última década. Em 2020, foram contabilizados 20 assassinatos. Em 2021, o
crescimento foi de 30% no número de assassinatos relacionados a
conflitos em zonas rurais. Todos os crimes aconteceram na Amazônia
Legal. Cinco dessas mortes eram de integrantes da LCP.
No último ano, Rondônia teve o segundo maior aumento no número de
conflitos por terra na região Norte, com 133 ocorrências – 62% a mais do
que em 2019, segundo dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino
(Cedoc), mantido pela CPT.
Em maio, durante inauguração de uma ponte que liga Rondônia ao Acre, o presidente Jair Bolsonaro (PL)
fez ameaças para a Liga. “LCP, se prepare! Não vai ficar de graça o que
vocês estão fazendo. Não tem espaço aqui para grupo terrorista. Nós
temos meios de fazê-los entrar no eixo e respeitar a lei”, disse.
A busca policial aos integrantes da LCP é resultado da aliança entre
ruralistas e forças de segurança pública. Em outubro de 2020, dois PMs
foram mortos, em uma área próxima ao acampamento Tiago dos Santos, no
distrito rural de Nova Mutum Paraná, a 150 quilômetros da área urbana de
Porto Velho.
Tiago Campin dos Santos, o agricultor que dá nome ao acampamento,
integrou a LCP e morreu em julho de 2018, aos 23 anos, durante uma ação
policial no município rondoniense de Nova Mamoré.
A morte dos dois PMs chamou atenção da família Bolsonaro. O senador
Flávio Bolsonaro visitou em agosto, fazendeiros que estão nessa área de
disputa de terra.
Dias depois da visita do primogênito da família Bolsonaro, a Justiça
concedeu a reintegração de posse, executada por centenas de policiais,
que expulsaram os camponeses sob bombas de efeito moral. Os camponeses,
contudo, voltaram a viver na área poucos dias depois. O acampamento faz
parte do território de uma fazenda que fornece gado para um frigorífico
da JBS em Porto Velho.
Em agosto de 2021, Amarildo Aparecido Rodrigues, Amaral José Stoco
Rodrigues e Kevin Fernando Holanda de Souza, lavradores da LCP, estavam
no mesmo acampamento, quando foram mortos por policiais do Batalhão de
Choque e do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Na época, o
Ministério da Justiça negou envolvimento do Bope, que estava no
acampamento.
O procurador da República Raphael Bevilaqua, do Ministério Público
Federal (MPF) em Rondônia, foi contra o uso de tropas federais. “A Força
Nacional de Segurança Pública (FNSP) foi criada para ser acionada em
situações específicas e de maneira pontual, não é o caso do que está
acontecendo aqui”, afirmou, conforme reportagem publicada pelo site De Olho nos Ruralistas .
Desmatamento em alta
Área desmatada e queimada já recebe gado em Porto Velho, Rondônia(Foto: Christian Braga/Greenpeace)
A violência no campo aumentou depois que deputados de Rondônia e o
governador Marcos Rocha (PSL), que fazem parte do bloco político de
apoio ao presidente Bolsonaro, criaram e aprovaram decretos de lei para
reduzir o tamanho das Unidades de Conservação para entregar essas terras
aos grileiros. De lá para cá, o desmatamento cresceu.
A área de floresta desmatada em Rondônia bateu recordes negativos em
2021 e se tornou a maior dos últimos 10 anos. No acumulado de janeiro a
dezembro, o Estado detectou 1.290 quilômetros quadrados de área desmatada .
Os dados foram divulgados em janeiro de 2022, pelo Sistema de Alerta de
Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon).
Desde o ano passado, Rondônia se tornou o terceiro maior produtor de
soja do País e detém o segundo maior rebanho de bovinos da região Norte.
O Estado se destaca por sua agropecuária. Mais de 60% do território é
composto por terras da União.
Professor e pesquisador da Universidade Federal de Rondônia (Unir),
Afonso Chagas analisa que os ataques aos fiscais e policiais ambientais
foram motivados pelos invasores do Parque Ambiental de Guajará-Mirim e
em razão da omissão das instituições públicas.
O último deles, às 8 horas da quarta-feira (16), envolveu um grupo de
dez pessoas entre fiscais e policiais ambientais. Eles foram alvejados e
três tiros atingiram carros da PM, durante tentativa de fiscalizar o
Parque de Guajará-Mirim, distante 568 quilômetros da capital Porto
Velho. Foi o terceiro ataque em cerca de três meses. Em maio de 2021, os
fiscais faziam trabalho de monitoramento de rotina no parque, quando
foram alvo de uma emboscada por cerca de 50 homens armados e
encapuzados. Em dezembro, um motorista da Sedam foi baleado durante
confronto que durou cerca de 15 minutos com os posseiros.
“Essas terras, áreas de preservação ambiental e reservas
extrativistas estão sendo invadidas desde o final do século passado. O
ataque aos policiais e fiscais ambientais foi organizado por aquelas
pessoas que invadiram o parque”, explicou o especialista em direito
agrário.
De acordo com o pesquisador, desde 2016, Rondônia é o Estado mais
violento em conflitos agrários. Segundo ele, milícias rurais podem ter
disparado tiros contra os militares para responsabilizar o movimento de
trabalhadores rurais. “Atualmente a repressão aos movimentos sociais é
feita de maneira privada. Temos indícios muito claros, trazidos pela
polícia, de que nós temos atuação de milícias no campo que fazem
patrulha rural de defesa de propriedades de grandes terras griladas e a
repressão estatal”, afirmou.
Afonso alerta para o aparelhamento de instituições públicas que
facilitam a grilagem de terras. Ele critica o uso da Força Nacional de
Segurança Pública para reprimir lideranças do campo. “A Força Nacional é
justamente para pacificar, criar uma harmonia nacional. Mas a presença
dessas tropas em associação com as polícias do Estado somente serviu e
trabalhou para perseguir e criminalizar lideranças dos movimentos
sociais. Faltou respeito às leis, respeito ao contraditório. Cansamos de
denunciar muitos casos de grilagem, presença de milícias, assassinato
de trabalhadores. Mas a Força Nacional não fez efetivamente nenhum tipo
de ação para apurar essas questões”, atestou.
Para o pesquisador, os governos federal e estadual e os deputados
incentivam a violência rural. “Rondônia foi uma espécie de laboratório
de perseguição, criminalização e eliminação (de trabalhadores rurais).
Aqui (os governos) se sentiram muito autorizados, permitidos em fazer
todo tipo de desmandos tanto agrário, fundiário e ambiental. É a
impressão que a gente tem”, declarou.
A advogada Lenir Correia Coelho faz defesa jurídica da LCP em
diversos tribunais. É também dirigente da Associação Brasileira de
Advogados do Povo (Abrapo). A advogada sofreu ameaças e teve sua casa revistada por policiais . No ano passado, ela defendeu na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, a dissertação “Entre idas e vindas, reviravoltas e cinzas: Acampamento Paulo Freire 4 ”, na qual explica porque o trabalho envolve mais do que ficar “debaixo da lona preta”.
“Envolve estabelecimentos de normas para a convivência, da imposição
de limites e mais ainda de aplicação de sanções para garantir que todos
estejam concentrados no mesmo objetivo: acessar a terra”, escreveu. “A
LCP, quanto movimento social de luta pela terra, em Rondônia tem feito
abertamente a defesa de tomada de terras de todos os latifúndios,
dirigindo ou apoiando acampamentos dispostos a seguir os passos da
revolução agrária.”
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