Boa Vista (RR), 13-02-2023, Grupo de cerca de 20 yanomami vive às margens da BR-174. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Devastação, violência, fome, doenças e morte de milhares de indígenas
yanomami em sua terra, em Roraima. Esse foi o retrato do Brasil no
período da ditadura militar. Além da tortura, censura e assassinato de
milhares nas cidades e no campo, a ditadura causou um genocídio entre os
povos indígenas brasileiros.
O relatório da Comissão Nacional da Verdade, finalizado em 2014,
indica que, apenas na investigação de dez povos, foram estimadas mais de
8 mil mortes decorrentes do governo militar. No caso do povo yanomami,
segundo a comissão, não há um número oficial de mortos, mas se estima
que chegue aos milhares.
Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, Davi Kopenawa, líder
yanomami, relembrou o descaso do governo durante a realização de grandes
obras. Segundo a liderança, as estradas abriram caminho para os
invasores garimpeiros e fazendeiros.
“Eu não sabia que o governo vinha deixar estrada na terra yanomami.
[A autoridade] não avisou antes de destruir o nosso meio ambiente, antes
de matar o nosso povo yanomami. A estrada é o caminho de invasores
garimpeiros, fazendeiros, pescadores e caçadores”.
A tomada das terras indígenas para ampliação da fronteira agrícola e
para exploração mineral e de energia foi um dos eixos do Plano de
Integração Nacional dos militares. No caso dos yanomami, a destruição
veio primeiro com a construção da rodovia Perimetral, a BR-210, que liga
os estados do Amapá, Amazonas, Pará e de Roraima.
Já na década de 1980, a situação se agravou com a invasão de cerca de
40 mil garimpeiros na região. Uma campanha internacional exigiu que a
ditadura fosse responsabilizada pelo genocídio yanomami. O Brasil foi
denunciado em várias esferas internacionais, como a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. A Terra Indígena Yanomami só foi
demarcada após muita pressão, em 1992.
Marcelo Zelic, membro da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e
colaborador da Comissão da Verdade, afirma que estratégias da ditadura
militar e do governo Jair Bolsonaro, também com forte presença de
representantes das Forças Armadas, foram similares: expulsão dos
territórios e falta de assistência de saúde, que levaram à dizimação do
povo indígena.
“A saúde indígena foi utilizada como uma arma, uma estratégia de
ocupação territorial pelo enfraquecimento da saúde das comunidades. Isso
é um crime bárbaro, contra a humanidade. É o uso da saúde como essa
ferramenta. Isso é parte da cartilha que aparece quando você olha os
documentos do passado”.
Zelic ainda acrescenta que nos dois momentos políticos a falta do
Estado nos territórios contribuiu para o aumento da violência contra os
povos originários. “Quando você tem então um governo que estimula o
garimpo, que enfraquece a presença do Estado nos territórios, que cria
portarias que desestruturam o direito indígena, facilitando a penetração
e invasão dos territórios, você tem essa repetição de uma fama
acintosa. E uma repetição que promoveu o volume de violência muito
grande no Brasil contra os povos indígenas desde 2019 [até] 2022”.
Em janeiro deste ano, o governo decretou emergência federal na Terra
Indígena Yanomami. A medida resultou na expulsão de milhares de
garimpeiros invasores, além de atendimento médico e ações contra a fome
que afligia a população. Só em 2023, 53 mortes foram registradas entre
os yanomami.
A Comissão Nacional da Verdade, em seu relatório final, apresentou 13
recomendações relacionadas aos povos indígenas. Entre elas, um pedido
público de desculpas do Estado brasileiro aos indígenas pela tomada de
suas terras e demais violações de direitos humanos, além da instalação
de uma Comissão Indígena da Verdade.
Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, a pasta ainda está sendo estruturada para retomada das discussões sobre essa Comissão.
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