quarta-feira, 8 de março de 2023

Sob a luz do esquecimento: por que sabemos tão pouco sobre mulheres na história do Pará?

 Gênero e História no Pará

Roma news | Por Tereza Coelho | | 08 de mar de 2023, 05:00

Tânia Rêgo/Agência Brasil

A história das mulheres em 407 anos de existência do Estado do Pará e 523 anos de Brasil está sendo revista. O resgate feito gradativamente por cientistas de todo o Brasil põe luz e visibilidade em uma versatilidade já vista, lembrada e celebrada no cotidiano, mas esquecida pela história.

Além de gerar, criar e amparar, as mulheres também foram presença fundamental durante a revolução urbana e rural em solo paraense. Em entrevista ao Portal Roma News, as pesquisadoras Carla Joelma Lopes e Eliana Ramos Ferreira compartilharam um pouco do levantamento feito sobre as mulheres de destaque na história do Pará, e que provavelmente você nunca ouviu falar. As pesquisadoras também apontam o que é preciso fazer para que essa dificuldade não exista no futuro, para que as mulheres que fazem história hoje tenham seu lugar garantido e preservado na história que está sendo escrita.

Ordem no quilombo

Carla Joelma, especialista e doutoranda em História Agrária da Amazônia pela Universidade Federal do Pará, destaca a figura de Felipa Maria Aranha, líder do histórico Quilombo do Mola, nas margens do igarapé Itapocu, no município de Cametá, como uma das precursoras de destaque do movimento dos quilombos.

A pesquisadora cita que a maioria do que já foi possível descobrir sobre o quilombo se deve a memória oral dos moradores junto a registros históricos. Juntas, as duas formas de documentação revelam a presença e a liderança de Felipa, que chefiou a comunidade, que chegou a contar com 300 pessoas e cresceu a ponto de dar origem a outros quilombos em Cametá, Mocajuba e Baião.

Carla, que também é professora de história, geografia e estudos amazônicos em escolas da rede pública, apresenta aos estudantes o contraste entre os registros históricos e a realidade atual na região. Historicamente, Felipa é descrita como

“Grande mãe, sábia e líder, que além de ditar as regras administrativas do quilombo, também dominava os segredos das matas, rios e igarapés, com os quais compunha suas rezas, evocava os espíritos e produzia as beberagens de folhas, raízes, cascas, seivas, banhas ou parte de animais para utilizá-las por ocasião das ‘benzeções’, curas e partos”

Carla Joelma sobre Felipa Maria Aranha, líder quilombola paraense


A descrição com destaque na rotina e nas habilidades de Felipa revela que ela gerenciava o quilombo de forma semelhante a uma gestão familiar, ocupando posições de ação e planejamento, seja em momentos de urgência ou antecedência.

Após a morte de Felipa, Maria Luiza Piriá, atuou como sucessora da mãe nas posições de poder e gestão dos quilombos locais, assim como também deixou outra marca na história local: ser a criadora da dança do Bambaê do Rosário, expressão cultural que homenageia Nossa Senhora do Rosário, que acontece na Vila de Juaba, também em Cametá.

Os moradores remanescentes citam que o quilombo do Mola sobreviveu por mais de 300 anos sem ameaças legais efetivas, embora houvesse tentativas de silenciamento enfrentadas por mãe e filha.

União, estratégia e privilégios na Cabanagem

Quando falamos na Cabanagem, as primeiras lembranças clássicas são sobre os irmãos Antônio Vinagre, Francisco Vinagre e também de Félix Malcher. Porém, no feito histórico que envolveu diversas camadas da sociedade, o destaque feminino da articulação do movimento ficou resumido aos registros policiais. Mesmo assim, o olhar minucioso em dados da época revela um esquema estratégico onde escravas, trabalhadoras e donas de casa atuavam juntas usando o melhor que tinham a sua disposição como arma: suas influências e privilégios. Quem traz a luz para o esquema sofisticado é Eliana Ramos Ferreira, doutora em história pela Universidade Federal do Pará.

A pesquisadora cita que, em registros de setembro de 1839, o comandante militar de Monte Alegre, no Baixo Amazonas, menciona a prisão de Maria Lira Mulata, líder de um grupo de mulheres que percorriam as matas e rios. Eliana cita que se acredita que o grupo de mulheres era independente e atuava sem lideranças masculinas.

Em outro registro, são citadas Margarida de Jesus e Bárbara Prestes, viúva do 1º tenente da Armada, Alexandre Riyde. Bárbara é citada como viúva de um militar legalista “que subornou um guarda para facilitar a fuga de Francisco Vinagre”. Já Margarida é descrita como parte de uma família de cabanos. Nos registros policiais da época é mencionado que ela foi presa por “ser mais ferina que o marido e o filho”.

Articuladora do Araguaia

Carioca de nascimento, Elza Monnerat, figura marcante da Guerrilha do Araguaia, teve papel fundamental no Pará ao atuar como articuladora estratégica entre o sul do Pará e São Paulo. Historiadores citam que militantes tocavam suas roças e pequenos comércios enquanto faziam treinamentos militares de sobrevivência na floresta graças a Elza, única mulher dentre os seis militantes da “primeira geração” do PCdoB.

Deslocada para a região da guerrilha, ela voltava do sul do Pará quando soube do cerco militar. Além de ser uma das únicas sobreviventes da guerrilha, Elza, que foi presa em 1976 e libertada três anos depois, também organizou e liderou a busca pelos corpos dos seus companheiros após conseguir anistia.

Atualmente, é possível saber mais sobre a história de Elza, que faleceu em 2004, aos 90 anos, no livro Coração Vermelho: a vida de Elza Monnerat.

Como preservar a história das mulheres de hoje?

Joelma e Eliana citam que, embora o processo de dar notoriedade a uma pessoa nos dias atuais seja considerado relativamente mais simples – por conta da existência de diversas redes sociais e diversas formas de autopublicação – o papel histórico dos pesquisadores e dos professores para consolidar e revisitar os personagens das histórias documentadas é fundamental e constante.

A dupla cita que além da cautela com notícias falsas que podem ganhar fama e repercussão repentina, é necessário ter cuidado redobrado para não repetir os mesmos erros do passado e não “apagar da história” personagens presentes na luz da ação e revolução cotidianas.

https://romanews.com.br/170289/sob-a-luz-do-esquecimento-por-que-sabemos-tao-pouco-sobre-mulheres-na-historia-do-para/

 

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