VER-O-FATO | por Redação | 24/04/2022
O conflito, que
virou guerra entre a empresa de dendê Brasil Bio Fuels (BBF),
quilombolas e índios Tembés – na extensa região do vale do Acará -,
ganhou um ingrediente gravíssimo; repercutido não apenas em toda a
região conflagrada, mas na própria página do governador do estado,
Helder Barbalho, no twitter. Seria a utilização de policiais militares
de Abaetetuba a serviço da empresa. Pior ainda: supostamente para matar o
líder indígena Paretê Tembé.
Ou seja, o aparato estatal, pago pelo suor do contribuinte, posto à disposição de uma empresa privada acusada de crimes socioambientais e que estaria se valendo desse grotesco e intolerável apoio para se colocar acima de tudo e de todos.
Em tuitada na página de Helder, durante a noite de ontem, 23, o advogado Ismael Moraes, conhecido no país e no exterior por sua luta contra os grandes grupos multinacionais e oligopólios nacionais que estão ao mesmo tempo sugando as riquezas do estado do Pará e destruindo o meio ambiente e seu povo, cobra uma providência do chefe do executivo.
“Governador, reuni com o cacique Lúcio Tembé e alguns líderes de comunidades Tembé. relataram que policiais da PM de Abaetetuba estão em Tomé-Açu a “serviço miliciano” para executar a liderença Paretê Tembé”, escreveu Ismael Moraes, que é o defensor jurídico dos tembés.
O advogado completa em outra tuitada ao governador, dizendo que filho do cacique Lúcio, Parentê Tembé “personifica a principal resistência à ocupação de suas terras pela multinacional BBF”. Ismael Moraes completa a mensagem ao governador: ” Pode ser mais uma crônica de morte anunciada na ocupação forasteira da Amazônia”.
Moraes também pediu que Helder “determine providências urgentes da Segup para a garantia de vida a Paretê”.
Veja as tuitadas ao governador:
Maíra Tembé também denuncia
A índia Maíra Tembé, de 19 anos, da Aldeia Turé-Mariquita, gravou um vídeo, que circula pela rede social e por aplicativos de mensagens, denunciando que foi agredida por uma policial militar. No momento, ela estava indo acampar com outras pessoas da tribo, em uma estrada que leva à aldeia, localizada no município de Tomé-Açu, na Região do Rio Capim, nordeste paraense.
Maíra disse que sofreu a agressão quando os indígenas estavam trafegando em motos pela estrada e o grupo foi abordado por policiais militares do Grupo de Operações Táticas e por seguranças da empresa Brasil BioFuels (BBF). Uma policial militar seria a autora das agressões e os demais intimidaram, ameaçaram e constrangeram o grupo.
“Eles viram que nós estávamos em um pequeno grupo, decidiram parar nós, logo descendo com armas do carro, tiraram nossos arcos e flechas e jogaram pro mato e fizeram a gente fazer muita coisa lá, que não foi certo, nos não estávamos armados, nem nada”, diz a índia no vídeo enviado ao Ver-o-Fato.
Segundo ela, “eles foram muito agressivos e uma policial puxou o meu cabelo, bateu nas minhas costas, falou que ia me derrubar no chão, só não derrubou porque eu não resisti. Mas eles foram muito agressivos, com armas nas mãos, tiraram tudo o que a gente tinha nas mãos, fizeram a gente ficar com as mãos na cabeça, como se a gente tivesse feito algum crime”.
Relata no vídeo que “a gente estava em um grupo de seis pessoas. Falaram que iam tocar fogo, os seguranças da BBF, tinham duas mulheres lá… Iam tocar fogo na gente, nas nossas motos. Foi uma das piores coisas que já aconteceu, porque a polícia não devia fazer isso com indígenas, que estão defendendo o seu direito, estão resistindo na sua luta. A polícia não tem nada a ver”.
Por fim, Maíra Tembé, desabafou: “Um segurança da BBF falou para a polícia tocar fogo em nós, nas nossas motos, tocar fogo vivo, mesmo. Eu reconheço ele. Foi uma revolta grande. A partir daí, eles fizeram tanta coisa e nos liberaram, porque eles viram que a gente estava limpo. Mas foi tipo querendo humilhar, foi humilhação para nós e outros guerreiros que estavam junto”.
O conflito, a omissão do Iterpa e Incra
Esse foi mais um episódio do conflito entre os índios Tembé e policiais militares e seguranças da empresa BBF. Antes disso, depois de terem vários caminhões carregados de dendê apreendidos pela Polícia Militar, sob a acusação da BBF de terem furtado os caminhões e a carga, os índios incendiaram três ônibus e invadiram o polo comercial da empresa, destruindo equipamentos.
Para observadores do conflito, desde que comprou as terras da Bioplama, que nunca foram regularizadas e são reivindicadas pelos índios e pelas populações tradicionais da região que as herdaram, a BBF rompeu um acordo de compensação que havia sido firmado com os povos tradicionais e passou a criminalizar índios, ribeirinho e quilombolas.
A convivência pacífica que existia, mesmo com a disputa pelas terras correndo na Justiça Agrária – e que parece não ter fim – deu lugar ao conflito. A empresa contratou segurança armada para intimidar a população local e a reação foi imediata. Se a situação não for pacificada, ninguém sabe como isso vai acabar.
A demora do Instituo de Terras do Pará (Iterpa) e do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) em regularizar a situação fundiária na região, complica ainda mais a situação.
Conflito indígena é competência federal
Para juristas que acompanham o caso, o que causa estranheza nesse conflito envolvendo a Terra Indígena Tembé é a participação escandalosa da Polícia Militar e da segurança armada contratada pela empresa BBF para intimidar, ameaçar e agredir a população indígena, diante da omissão do Estado e da União.
A menos que já tenham mudado a Constituição, o que não é o caso, pelo que se sabe, conflito envolvendo indígenas é competência da Polícia Federal, não da Polícia Militar.
Também é muito estranho, segundo juristas ouvidos pelo Ver-o-Fato, o fato de um segurança da BBF ordenar aos policiais que tocassem fogo nos índios vivos e nas motos deles. Não existe mais hierarquia? Não existe mais comando? Por que um segurança estaria habilitado a dar ordens a policiais militares?
Veja o vídeo com Maíra Tembé:
Nenhum comentário:
Postar um comentário