Ex-guerrilheiro e dirigente histórico do PT retomou história da operação e refletiu sobre seu legado para a esquerda brasileira; veja vídeo na íntegra
O dirigente foi preso no dia 18 de abril de 1972, seis dias após a guerrilha ser localizada pela ditadura militar (1964-1985), quando a operação já estava refugiada na selva e ele havia sido encarregado de transmitir uma mensagem de seu destacamento, o B, a outro. Genoíno ficou preso por cinco anos, um em Brasília e os demais em São Paulo.
A guerrilha, por sua vez, resistiu por dois anos até ser praticamente exterminada: houve apenas um sobrevivente, o militante conhecido na época como Zézinho do Araguaia.
Relembrando o episódio, Genoíno ponderou sobre os aprendizados que carrega: “Uma coisa que aprendi foi que a revolução deve vir do povo organizado e mobilizado. Qualquer solução que não coloque o povo como principal, verá a vitória como algo muito difícil. Isso aprendi na guerrilha e no Parlamento. A ideia da vanguarda isolada não resolve, nem se acomodar na institucionalidade. A esquerda tem que descortinar um caminho de disputa de programa que acumule forças e envolva eleições e enfrentamento do sistema”.
Isso não significa, contudo, que a esquerda deva renunciar à violência, na opinião do ex-guerrilheiro, “não acredito em pacifismo”. Para ele, a violência é produto de um modelo de exploração e dominação, de modo que ele acredita na resistência às injustiças e no direito de autodefesa.
Aliás, esse é justamente o legado do Araguaia, para Genoino, “o heroísmo e a coragem de dizer ‘não’”.
“Quando existe terrorismo de Estado, a resistência é legítima. E a Guerrilha do Araguaia mostrou que é possível enfrentar os dominadores, que se humilhar equivale a morrer e que resistir, ainda que até a morte, é sinônimo de viver com dignidade. Acho que nesse sentido a esquerda não pode se diminuir diante desse legado, ser dona de sua história, fazer autocrítica, não ser um mero acessório”, destacou.
De José Genoíno a José Geraldo
Genoíno chegou em Araguaia dois anos antes do fatídico 12 de abril. Aproveitando a onda de imigração que ocorria para a região, no sul do Pará, já quase na fronteira com o Goiás e o Maranhão, por conta da expansão da fronteira agrícola, ele assumiu a identidade de José Geraldo, um lavrador.
Naquela época, o Partido Comunista do Brasil havia definido a estratégia de uma revolução nacional, que deveria ocorrer em duas vias: pela revolução democrática e pelo caminho da luta armada no campo. Esta última inspirada principalmente na Revolução Chinesa, segundo o dirigente. O Araguaia foi escolhido justamente por possibilitar, na visão do partido, o objetivo idealizado por Mao Tsé-Tung de realizar o cerco às cidades pelo campo, por ser, naquele momento, uma área estratégica sem controle estatal.
“Acho que a decisão da região foi acertada, embora alguns defendessem que a guerrilha se organizasse no Nordeste, porque era um local de difícil acesso, inóspito e que, ao mesmo tempo, oferecia muitos recursos naturais, principalmente para alimentação, o que facilitaria a sobrevivência dos guerrilheiros”, refletiu Genoíno.
Genoino foi preso no dia 18 de abril de 1972, seis dias após a guerrilha ser localizada pela ditadura militar
Ele contou que o Araguaia pretendia servir como uma primeira frente guerrilheira, que se combinaria com outros grupos populares sem capacidade de luta armada, mas com relevância política local.
A aproximação ocorreria pela defesa de pautas em comum, como a de regularização fundiária e posse da terra para trabalhadores. A partir daí, as iniciativas militares se desenvolveriam fora do sul do Pará.
“O Araguaia deveria ter sido uma zona de recuo. A ideia era atuar fora da região, organizando grupos guerrilheiros com flexibilidade para mobilizar o povo, fazer agitação e propaganda preservando o campo de ação e iniciativa da guerrilha para ter um crescimento paulatino”, explicou.
Enquanto a ação militar não começava, os guerrilheiros se preparavam. De acordo com o dirigente, o treinamento era contínuo e resultado da própria realidade da região, onde ocorriam disputas por terra e se estava em constante contato com a selva.
Já do ponto de vista do sustento, o Partido Comunista encorajava que os militantes se mantivessem com aquilo que se podia produzir na região, mas, à parte, mandava dinheiro para a compra de medicamentos e aquisição de armas, o que era fácil, já que “não havia controle estatal”.
“A ideia era que a guerrilha se iniciasse com armas precárias, como revólveres e espingardas, e depois se apropriasse das armas do inimigo, que era uma contradição. Para isso se viabilizar, a guerrilha teria de se expor. Mas mesmo com a precariedade das armas e as condições da região, havia boa preparação. A gente misturava treinamento político com militar por causa da região e havia uma relação social de solidariedade imensa”, reforçou.
Genoino lembrou das guerrilheiras mulheres, algumas solteiras, outras casadas, mas todas vistas como iguais, “porque na guerrilha há uma camaradagem profunda, sua vida depende da outra pessoa”.
Por conta do otimismo com o qual a operação era encarada, o ex-deputado reconheceu que o ataque em 12 de abril de 1972 os pegou de surpresa. Até então, a guerrilha não havia feito nenhuma operação militar propriamente dita e, quando o ataque ocorreu, viram seu objetivo de realizar a luta fora do sul do Pará se desmanchar, já que foram obrigados a recuar para a selva e garantir sua sobrevivência.
“A ideia não era ficar escondido, era fazer incursões, mas sempre que a gente fazia, via que a região estava controlada, o que não era o caso antes”, revelou. Segundo ele, antes os militares achavam que o PC apenas realizava trabalho político na região, o que inclusive contribuiu de início, quando foi preso, para que não fosse morto. “Só um mês depois do 12 de abril acharam a mochila de um companheiro com documentos comprovando que era realmente uma guerrilha, algo que eu não admitia”, ressaltou.
A partir daí, “a tática das Forças Armadas era de extermínio total dos guerrilheiros e violência extrema com a população”, sobretudo com quem ajudasse os militantes.
“Se criou um clima de terrorismo na região, com torturas que eram públicas, desaparecimento de pessoas e queima de corpos – mas nada disso era noticiado. A ideia era não revelar nada disso para preparar o terreno para o que viria depois: a eliminação da memória. Até hoje não sabemos onde estão os corpos dos guerrilheiros mortos”, lamentou.
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