terça-feira, 25 de maio de 2021

Campanha “Amazoniza-te” realiza vigília em defesa da Amazônia

 



Com transmissão ao vivo nesta terça-feira (25), a Vigília Amazoniza-te celebra a Semana Laudato Si', em formato virtual, devido à pandemia de Covid-19.

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) , juntamente com as organizações que integram a Campanha Amazoniza-te, realizam na terça-feira, 25 de maio, uma vigília para celebrar a Semana Laudato Si' e realizar um ato de fé em defesa da Amazônia. A Vigília Amazoniza-te será celebrada online e transmitida pelo Facebook da Repam e da CPT a partir das 20h.

Com mensagem de fé e clamores pelo cuidado à casa comum, a “Vigília Amazoniza-te: acenda uma luz pela Amazônia” incentiva que féis rezem pela integridade da Amazônia e de seus povos e se oponham aos projetos que beneficiam o extrativismo e prejudicam a preservação do bioma.

Cantos, poesias e preces em defesa da Amazônia e seus povos e testemunho de lideranças integram o momento de introspecção e reflexão, que pretende trazer luz para as questões enfrentadas na região.

A ação também se une à Semana Laudato Si’, iniciativa que celebra a encíclica Laudato Si’, que completa seis anos nesta segunda-feira (24). O evento global, organizado pelo Vaticano, vai até o dia 25 de maio, e pretende refletir sobre Carta Encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco a respeito do cuidado da Casa Comum.

Maria Petronila Neto, animadora da campanha Amazoniza-te, destaca que a Laudato Si’ nos convida a ouvir o grito da terra e do grito dos pobres e que a realização da vigília é uma oportunidade de escutar as vozes dos povos amazônicos e chamar atenção para a destruição na Amazônia.

Campanha Amazoniza-te

Criada em 2020, a campanha “Amazoniza-te” nasceu do diálogo entre as organizações eclesiais e da necessidade de sensibilizar a opinião pública brasileira e internacional sobre o perigo ao qual está sendo exposta a vida na Amazônia. O desmonte dos órgãos públicos de proteção ambiental, o desrespeito contínuo da legislação, bem como ausência da participação da sociedade civil nos espaços de regulação e controle das políticas públicas também fomentaram a criação da campanha.

SERVIÇO

Vigília Amazoniza-te: acenda uma luz pela Amazônia

Data: 25/05/2021
Horário: 20h (horário de Brasília)
Local: Facebook da CPT Nacional e REPAM-Brasil
Contato: Ana Caroline Lira/Comunicação REPAM-Brasil: (61) 985955278 ou comunicacao@repam.org.br

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Como a PF chegou à “boiada” criminosa de Ricardo Salles

 Apreensão de madeira ilegal exportada do Pará aos EUA foi o estopim da operação que investiga o ministro do Meio Ambiente por contrabando. Ele teria usado Ibama para forjar documentos e favorecer tráfico internacional

CARTA PÚBLICA - É tempo de esperançar!

 

No marco dos quatro anos do Massacre de Pau D’Arco, dez anos do assassinato de Zé Claudio e Maria do Espírito Santo, vinte e cinco anos do massacre de Eldorado dos Carajás e quatro meses do assassinato de Fernando Araújo, sobrevivente do massacre de Pau D'Arco, organizações e movimentos sociais, entre elas a CPT do Pará e a Articulação das CPT’s da Amazônia, divulgam Carta Pública fazendo memória dos e das mártires da luta, e da resistência que permanece, mirando seus exemplos e rumo à vitória. "Compartilhamos a história desses martirizados para lembrar, para dizer que lutaram para resistir e por isso não fomos todos despojados; agora lutaremos não mais para resistir e sim para vencer. Venceremos todos e a totalidade da vitória se expressará pela forma como acolheremos todos ao derrubar essas cercas que muitos acreditavam intransponíveis. Não haverá fronteiras para a totalidade de nossa vitória e por não existir fronteiras não será necessário muros". O documento segue recebendo assinaturas, confira:

(na foto Fernando Araújo, assassinado há quatro meses)

É tempo de esperançar!

A morte colocou armadilhas em todos os caminhos

O terror se alastrou entre os humanos

Os humanos estavam morrendo antes do tempo

Os Ibejis, então, armaram um plano para deter Icu, a morte:

Um ibeji foi pela trilha da morte tocando seu pequeno tambor

A morte ficou maravilhada e pôs-se a dançar inebriadamente

Quando um Ibeji se cansava de tocar seu pequeno tambor, trocava de lugar com o irmão que estava escondido na mata

Icu, ainda que exausta, não conseguia parar de dançar

Implorava por descanso

Os Ibejis lhe propuseram um pacto

A música pararia mas ela teria que retirar todas as armadilhas do caminho

Icu não tinha escolha, rendeu-se

Os gêmeos Ibejis venceram Icu, a morte.

Conto Yorubá

Quatro anos do massacre de Pau D’Arco, dez anos do assassinato de Zé Claudio e Maria, vinte e cinco anos do massacre de Carajás, quatro meses do assassinato de Fernando. Essas poderiam ser apenas histórias de morte, mas são também – e principalmente – histórias de luta. Se há tristeza com a morte dos martirizados, há esperança e alegria com seus legados. O mito Yorubá dos Orixás Ibejis nos ensina que é com a alegria e temperança das crianças que devemos evitar as armadilhas da morte quando ainda não é nossa hora. Se a morte é inevitável, vence-a quem tem em vida a capacidade de agir.

A busca por justiça pelos massacres e assassinatos não é apenas pela memória dos que se foram, mas também pelas memórias que desejamos construir no futuro que virá. A violência física que marca esses eventos é sempre precedida de uma violenta desigualdade entre os homens. Não apenas uma violenta desigualdade material, mas uma violenta desigualdade de acesso à justiça, uma violenta desigualdade de acesso à educação, uma violenta desigualdade de acesso às riquezas naturais, uma violenta desigualdade de sonhar sempre uma nova história de vida.

As classes dirigentes - o latifúndio - de repente parece ter concluído que mais fácil do que combater essas desigualdades é construir cercas e desorientar as bases populares. Estas cercas estão tendo sucesso em tornar invisíveis os que estão fora deles. Estes invisíveis perambulam do outro lado desesperados e desorientados. E nós? Nós que nos organizamos do lado de cá do muro, nas escolas, universidades, igrejas e organizações de base? E nós? Nós tentamos a duras penas derrubar essas cercas que inviabilizam este mar de desesperados. 

Eclesiastes (3:1-2) nos ensina que para tudo há um tempo: Tudo tem seu tempo. Há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer; Tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou. E agora o tempo é de esperançar, de desmantelar fronteiras, não de derrubar – ainda – mas de transpor estas cercas. Mais do que nunca é o momento de estar ao lado dos miseráveis, dos excluídos, dos escravizados, dos explorados, dos famintos: dos invisíveis!

É deste lado que estamos e lutamos por justiça! Pelas vítimas de Eldorado dos Carajás, Pau D’arco, por Zé Claudio e Maria do Espírito Santo, por Fernando Araújo dos Santos. Por todos aqueles e aquelas que tombaram estando ao lado dos invisíveis, violentados, tornaram-se vítimas do próprio Estado e seu sistema desigual, excludente. Pelo direito à vida, pelo direito das famílias permanecerem na terra, sobrevivendo com o mínimo de dignidade produzindo seus alimentos e nos alimentando de fé e esperança.

Compartilhamos a história desses martirizados para lembrar, para dizer que lutaram para resistir e por isso não fomos todos despojados; agora lutaremos não mais para resistir e sim para vencer. Venceremos todos e a totalidade da vitória se expressará pela forma como acolheremos todos ao derrubar essas cercas que muitos acreditavam intransponíveis. Não haverá fronteiras para a totalidade de nossa vitória e por não existir fronteiras não será necessário muros. Não haverá o lado de fora porque tudo estará aberto e não haverá mais preocupação com “invasões” porque tudo estará ocupado.

Hoje, catástrofe após catástrofe, massacre após massacre, desastre após desastre, já não é possível deixar de reconhecer que a terra não aceita mais ser cativa, saqueada, usada, abusada e descartada. A ficção da propriedade privada não será capaz de assegurar o monopólio da terra arrasada pela exploração irracional do planeta. Prestem atenção: NADA SERÁ COMO ANTES! É chegado o tempo da morte retirar as armadilhas do caminho, NADA SERÁ COMO ANTES! 

 

Pau D’arco - Eldorado dos Carajás - Nova Ipixuna, 24 de maio de 2021.

Comissão Pastoral da Terra - Regional Pará

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH

Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB

Terra de Direitos - TDD

Justiça Global

Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares - RENAP

Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Estado do Pará - MMCC/PA

Rede de Comunicadores e Comunicadoras por Direitos Humanos no Pará

Comitê Dorothy Vive

FASE Programa Amazônia

Centro Alternativo de Cultura-CAC

Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil-FEAB

 Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH Brasil

Movimento Sem Terra - MST

Movimento Pela Soberania Popular na Mineração - MAM

Articulação das CPT’s da Amazônia

Rede um Grito pela Vida/Acre

Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial-Baixada Fluminense-RJ

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos - SMDH

Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino

ABGLT - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos

Rede solidária de proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos Esperança Garcia - PI

Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Associação  dos Trabalhadores e Trabalhadoras Nova Vitória

Ocupação Jane Julia, Pau D'arco

Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil

Província Frei Bartolomeu de Las Casas (Frades Dominicanos)

Brigadas Populares

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Negligência federal e facções criminosas estão por trás do ataque de garimpeiros na TI Yanomami








Garimpeiros em sete barcos com armas de diversos calibres atacaram uma aldeia dentro da Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, ontem em Roraima. Os indígenas revidaram com flechas e tiros de espingarda. Ainda não se sabe o número real de feridos e possíveis mortos.

Informações preliminares falavam em 5 feridos, sendo um indígena e quatro garimpeiros. Áudios que circularam em grupos de Whatsapp chegaram a mencionar 8 indígenas mortos, o que foi desmentido pelo líder Dário Yanomami.

Já o presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-Y), Junior Hekurari Yanomami, afirmou que três garimpeiros morreram e um indígena ficou ferido. Os corpos teriam sido levados pelos próprios garimpeiros para acampamentos na região.

Como os relatos e informações são desencontradas e a o caso está em apuração pelas autoridades competentes, como a Polícia Federal, muito ainda precisa ser esclarecido.

A certeza, porém, é que o histórico que levou a este novo ataque tem as digitais do governo federal.

“A invasão de garimpeiros está relacionada ao aumento no preço do ouro. Sempre foi assim. Nós estamos muito preocupados. Se o coronavírus entrar no nosso território, lideranças vão morrer. E o governo brasileiro não se responsabilizará”, foi o que me disse Dário Kopenawa Yanomami, da Hutukara, associação que representa os Yanomami e os Yek’wana, em abril de 2020, no início da pandemia.

Dário estimava em cerca de 25 mil garimpeiros ilegais dentro da TI Yanomami. O povo indígena sempre alertou as autoridades sobre os riscos que um número tão elevado de invasores e tudo que vem a reboque do garimpo podia significar.

Na época, Funai e Ibama afirmaram que as fiscalizações estavam mantidas e as barreiras sanitárias dariam conta da Covid. A PRF e o governo de Roraima não se manifestaram. Na prática, os indígenas sempre estiveram entregues a própria sorte e precisaram se organizar sozinhos para tentar conter as ameaças.

Dário chegou a se reunir com o vice-presidente Hamilton Mourão em julho de 2020 em Brasília. Mesmo minimizando o problema e o número de invasores, Mourão, que é presidente do Conselho da Amazônia e responsável pela Operação Verde Brasil, prometeu combater o garimpo ilegal e expulsar os garimpeiros da TI Yanomami. Dois indígenas haviam sido assassinados por garimpeiros na época.

Nada foi feito.

Em janeiro deste ano, mostrei aqui no Observatório que Hamilton Mourão é amigo de líderes históricos do garimpocomo José Altino Machado, e mantém reuniões frequentes com ele e outros lobistas dos garimpeiros.

José Altino Machado é fundador da União Nacional dos Garimpeiros, atua há décadas em Roraima e é apontado pela Funai justamente como um dos principais responsáveis pela invasão massiva de garimpeiros na TI Yanomami nos anos 80, que levou a um verdadeiro genocídio do povo indígena.

Em outubro de 2020, a Câmara de Boa Vista concedeu a Medalha de Honra ao Mérito Rio Branco e o título de Cidadão Boa-Vistense a José Altino Machado por “seu inestimável trabalho e contribuição em prol da população roraimense”.

O genocídio causado por garimpeiros nos anos 80 tem a participação direta de Romero Jucá, nomeado por Sarney presidente da Funai na época. Jucá, ex-senador, influente em todos os governos desde a redemocratização e que trabalha atualmente como lobista, é também o pai do principal projeto de lei que quer autorizar a exploração mineral em terras indígenas, o que deu origem ao PL 191/2020 de Bolsonaro.

O novo ataque de garimpeiros vem, portanto, não apenas diante de um histórico de massacre aos Yanomami, mas de uma nova onda de invasões que tem a conivência direta do governo federal, informado e alertado sobre a situação, incluindo episódios como o assassinato de indígenas.

Sucateados, paralisados, tomados por militares, com o orçamento reduzido ao mínimo e muitas vezes transformados em órgãos que atuam contra os indígenas e o meio ambiente, Funai e Ibama assistem a tudo.

Pelo menos 10 crianças Yanomami já morreram em decorrência da Covid e a contaminação – subnotificada – está espalhada pelo território. Os indígenas sofrem também com a malária e a desnutrição infantil crônica.






Garimpeiros seriam ligados ao PCC

Segundo apuração do site Amazônia Real, os garimpeiros que atacaram a comunidade de Palimiú ontem seriam membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa de São Paulo que domina o tráfico de drogas em Roraima e já está operando em garimpos ilegais de ouro dentro do território indígena.

Vídeos que circularam no Whatsapp e em redes sociais mostram o momento do ataque. A Amazônia Real compilou os vídeos junto com a reunião e as declarações feitas por Junior Hekurari, presidente do Condisi-Y. Assista:



Um relatório da visita do Condisi-Y foi enviado ao Ministério Público Federal (MPF), à Fundação Nacional do Índio (Funai) e Polícia Federal (PF). No documento, Hekurari pede uma ação por parte dos órgãos, após a situação entre indígenas e garimpeiros se agravar “diante da inércia da União, de seus órgãos e autarquias“.

Este conflito é o terceiro em 15 dias. Indígenas interceptaram uma carga de quase 1000 litros de combustível no fim de abril. Um quadriciclo usado pelos garimpeiros também foi apreendido.

“As lideranças estão indignadas com a continuidade da invasão garimpeira em suas terras e com a violência e ameaça praticada pelos invasores. Temendo que novas retaliações por parte dos garimpeiros resultem em mais conflitos violentos e mortes, os indígenas exigem uma resposta dos órgãos públicos para garantir a segurança das comunidades”, cita trecho de um ofício da Associação Hutukara de 30 abril.

A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas manifestou repúdio ao ataque e pediu apuração dos fatos.

A TI Yanomami é uma de sete terras indígenas à espera de um plano do governo para a retirada de invasoresinforma a Apib. O Supremo Tribunal Federal (STF) já deu prazo para que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal apresentem um plano de desintrusão, o que, segundo o ministro Luis Roberto Barroso, já foi apresentado. Completam a lista como terras Karipuna, Uru-EuWau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá.


Todas as fotos: Divulgação/Condisi-Y


Conheça, assine e acompanhe o canal do You Tube do Observatório, sempre com análises e material investigativo exclusivo sobre o setor mineral: https://www.youtube.com/c/observatoriodamineracao

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Rondônia promove “liberou-geral” na grilagem

 MEIO AMBIENTE

Por Fabio PontesPublicado em: 30/04/2021 às 18:31

(Foto Christian Braga/Greenpeace)



Projeto de lei de autoria do Executivo foi aprovado pelos parlamentares reduz uma reserva extrativista e um parque estadualNa foto acima. queimadas em agosto de 2020 na Resex Jaci-Paraná (Foto Christian Braga/Greenpeace)


Rio Branco (AC) – O governador Marcos Rocha (PSL) e os parlamentares de Rondônia decretaram um “liberou-geral” com a aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLC) 80/2020, de autoria do Executivo. Às vésperas da Cúpula de Líderes sobre o Clima (ocorrida no último dia 22), as autoridades rondonienses decidiram reduzir em 211 mil hectares os tamanhos do Parque Estadual de Guajará-Mirim e da Reserva Extrativista (Resex) Jacy-Paraná. A mensagem foi clara: estão autorizados a grilagem, a invasão e o desmatamento de terras protegidas.

“Na hora que ele [o governador] sancionar vão acabar de invadir o restante de floresta que tem nestas áreas”, alerta o primeiro-secretário da Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), João Bragança. “O desmatamento irá aumentar já a partir deste ano”, prevê Marcelo Ferronato, pesquisador da Ação Ecológica Guaporé (Ecoporé).

A Assembleia Legislativa é ligada, historicamente, ao setor ruralista de Rondônia, não por acaso o terceiro estado que mais desmatou na Amazônia Legal entre 1988 e 2020: 62,9 mil quilômetros quadrados. O PLC 80 foi aprovado de forma unânime por 17 deputados estaduais, incluindo um representante do Partido Verde, Luizinho Goebel. O parlamentar é líder do governo estadual.

Na mesma sessão que aprovou a desafetação [redução] da Resex Jacy-Paraná e do Parque de Guajará-Mirim, os deputados estaduais criaram seis novas áreas protegidas, cujos tamanhos não equivalem à perda das UCs reduzidas. Mas foi a contragosto, como admitiu o deputado Jean Oliveira (MDB) na noite do dia 20 de abril: “Nenhum deputado aqui é a favor da criação de unidade de conservação, mas infelizmente se faz necessária para compensar, para ter o equilíbrio”. Oliveira é vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa.

“Para mim é um recado para quem grila terra pública: pode grilar que a Assembleia Legislativa regulariza. A Assembleia Legislativa apoia, muito claramente, quem causa dano ambiental”, diz Ivaneide Bandeira indigenista e ambientalista, sócia-fundadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. Para Ivaneide, a tendência é de mais unidades de conservação estaduais desaparecerem e o desmatamento avançar com mais velocidade.

“Eles vão atualizar o plano de Zoneamento. E atualização significa acabar com unidade de conservação. Sempre foi assim. Essa é a terceira atualização”, antecipa Ivaneide. “Isso não é uma regularização fundiária, é uma regularização de invasão.”

No dia da aprovação do PLC 80, os deputados confirmaram que a próxima votação será a do Zoneamento Socioeconômico e Ecológico de Rondônia. O zoneamento é uma espécie de mapa que define o quê e quais atividades econômicas serão desenvolvidas no estado, de acordo com as características de cada região.

A grilagem histórica

Operação Verde Brasil de combate ao desmatamento em Rondônia, em 2019
(Foto: Cabo Estevam/CcomSex)


A tendência pelos próximos cinco anos é a de que as últimas áreas de floresta remanescentes nas duas UCs desapareçam devido às invasões causadas pela grilagem que será impulsionada com a aprovação do PLC 80/2020. Esta é a previsão do biólogo Marcelo Ferronato.

Pesquisador da Ecoporé, organização da sociedade civil criada no fim da década de 1980, Ferronato está pessimista depois da aprovação do PLC 80. “Por mais que [os deputados] neguem em seus discursos, o desmatamento irá aumentar consideravelmente na região já a partir desse ano. Pois entre a desafetação e a regularização fundiária, muito tempo se transcorrerá e haverá uma corrida para consolidar as ocupações.”

Primeiro-secretário da Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), João Bragança afirma que a desafetação das duas áreas, já bastante desmatadas por ações predatórias, poderá gerar um efeito dominó. “Eles estão abrindo precedente para desafetar outras unidades de conservação”, afirma.

Além dos riscos para a preservação da Floresta Amazônica, avalia Bragança, a redução das áreas protegidas representa ameaça à sobrevivência das famílias tradicionais. Em vez de terem segurança jurídica, extrativistas são ameaçados e expulsos pelos invasores. Muitas das vezes com o uso da força e ameaçados de morte, alerta o seringueiro.

“Essas exclusões vão acontecendo e abrindo caminho para os invasores. Quem protege as unidades de conservação? É a comunidade que ali reside. Se a comunidade é expulsa, a unidade fica exposta a invasões”, diz João Bragança.

O geógrafo e assessor técnico da OSR Joadir Luiz de Lima lembra que foram várias tentativas da entidade em retirar os invasores por meio de recursos judiciais, mas os sucessivos governos estaduais fizeram vista grossa. “Dois anos depois de ser criada, a reserva passou a sofrer com as invasões. Foi uma invasão lenta. E de lá pra cá só foi aumentando e o governo nunca tirou esses invasores”, diz.

A desfaçatez parlamentar


Assembleia de Rondônia aprova PL que altera limites de reserva extrativista (Foto: Diego Queiroz-ALE/RO)

O deputado estadual Jean Oliveira, que foi relator do PLC 80, é alvo de investigação da Polícia Federal, que apura organização criminosa que tentou se apropriar de terras públicas em outra unidade de conservação, o Parque Nacional de Pacaás Novos. No dia da votação do projeto, ele defendeu que remover os invasores de dentro das unidades de conservação não é a solução. “Retirar as pessoas lá de cima não vai resolver o problema ambiental. Uma área de pastagem jamais voltará a ser uma floresta”, justificou. “Se votarmos essa matéria hoje, o pouco de floresta que sobrou será mantida.”

Esse tipo de pensamento é quase que uma unanimidade entre os 24 deputados estaduais de Rondônia. Todos os discursos na noite daquele 20 de abril foram no sentido de apoiar a matéria e parabenizar o governador Marcos Rocha pela “coragem” por enviá-la à Casa.

Por conta da repercussão negativa da aprovação do PLC às vésperas da Cúpula do Clima, realizada dois dias depois, o governador bolsonarista pediu, em vão, para que o presidente da Assembleia, Alex Redano, retirasse-o da pauta de votações.

Ao negar o pedido, Redano ganhou aplausos de seus colegas e de possíveis moradores das duas UCs “beneficiados” pela aprovação da proposta. A claque estava presente na galeria do plenário. “Estamos resolvendo um problema de décadas e garantindo ao estado e ao setor produtivo uma nova oportunidade de fazer a coisa certa, obedecendo limites e respeitando o meio ambiente”, disse o presidente.

“Não estamos aqui permitindo que pessoas desmatem mais, nós estamos regularizando aquilo que já está desmatado”, declarou Cirone Deiró (Podemos).

Na análise de Joadir de Lima, da OSR, a criação das seis novas unidades não trará resultados concretos. “Essas novas unidades criadas já têm problema fundiário, tem morador dentro. Vão virar o mesmo problema da Jacy-Paraná. Tem reserva dessa criada com 150 hectares. É inviável criar uma UC desse tamanho. Não tem viabilidade ambiental”, explica. Pelos cálculos de Joadir, a área das novas unidades não ultrapassam os 100 mil hectares, enquanto a desafetação superou os 200 mil. 

A indústria da grilagem

Queimadas em agosto de 2020 na Resex Jacy-Paraná (Foto: Christian Braga/Greenpeace)



Usado com frequência pelos invasores de terras públicas, o argumento do “fato consumado” é reforçado pelos defensores de projetos de lei que “legitimam” a grilagem. “A indústria da grilagem usa o modelo do fato consumado do tipo, já está tudo desmatado e não tem como recuperar”, explica o ambientalista João Alberto Ribeiro.

O incentivo da ilegalidade tem sido patrocinado oficialmente. O próprio órgão responsável pela vigilância sanitária animal (Idaron) emite carteiras de vacinação e Guia de Transporte Animal (GTA) para o rebanho que ocupa áreas invadidas em UCs.

Até agora, Ribeiro diz não ter entendido por que o Parque Estadual de Guajará-Mirim também foi desafetado, já que não há registro de moradores no seu interior. Ao desproteger os 50 mil hectares incluídos no PLC 80, o governo “libera a porteira” para a entrada dos invasores. “O Guajará-Mirim sempre foi referência em termos de proteção. Milhões foram investidos com recursos do Arpa [Áreas Protegidas da Amazônia] para conter a grilagem.” 

Mas há uma outra explicação possível. De acordo com dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as duas unidades de conservação desafetadas são as campeãs no registro de fogo ao longo do ano passado em Rondônia.

A Resex Jacy-Paraná teve 895 focos de queimadas detectados em 2020, e o Parque de Guajará-Mirim com 133 focos. A capital Porto Velho e o município de Nova Mamoré – onde está a Resex – lideraram o ranking do fogo em Rondônia em 2020: 3.428 e 1.028, respectivamente. Entre os municípios amazônicos, Porto Velho ficou na terceira posição em registro de focos, atrás de São Félix do Xingu e Altamira, ambos no Pará.

O desmatamento contínuo


Queimadas em agosto de 2020 na Resex Jaci-Paraná (Foto Christian Braga/Greenpeace)



Quanto ao desmatamento, conforme dados do Prodes/Inpe, a Resex Jacy-Paraná também está na dianteira. Entre 2008 e 2020, a unidade teve desmatados 834,61 km2 de floresta. É a segunda área de proteção da Amazônia mais devastada no período, atrás apenas da Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, no Pará. Neste mesmo intervalo, o Parque de Guajará-Mirim perdeu 86,92 km2.

Os dados oficiais do Inpe apontam Rondônia como um dos que mais contribuem para a devastação do bioma Amazônia. O ano de 1995 foi o pior em níveis de desmatamento nas últimas três décadas: 4,7 mil km2. Foi exatamente a partir daí que o estado passou a intensificar a criação de UCs próprias como forma de garantia para firmar parcerias com instituições internacionais, como o Banco Mundial.

Resex Jacy-Paraná foi criada por meio do decreto 7.335, de 17 de janeiro de 1996 com o nome de Reserva Extrativista do Rio Jacy-Paraná. Era às margens do manancial onde vivia a maioria das famílias originárias de extrativistas, expulsas pelos invasores agora “legalizados” pela Assembleia Legislativa. Conforme o decreto de criação – assinado pelo então governador Valdir Raupp (MDB) -, sua área era de 205 mil hectares. Pelo texto original do PLC 80, passa a ter 45.184 hectares. 

Já o Parque Estadual de Guajará-Mirim surgiu a partir do Decreto 4.575, de 23 de março de 1990. Sua área original era de 258.813 hectares. Pelo projeto aprovado semana passada, passa a ter 207.148 hectares. As duas UCs estão na região Noroeste de Rondônia, abrangendo os territórios de Porto Velho, Nova Mamoré, Buritis e Guajará-Mirim. Junto de outras unidades federais e terras indígenas (Karipuna e Karitiana) deveriam formar um mosaico de áreas naturais protegidas – junto de unidades da Bolívia – para proteger a região da invasão de terras públicas.



Fabio Pontes

Fabio Pontes é jornalista acreano há mais de 10 anos produzindo reportagens que vão da questão ambiental-amazônica, indígena, humanitárias (imigração), mudanças climáticas (enchentes e secas severas) até a política regional. Entre os veículos para os quais já escreveu estão Folha de São Paulo, Valor Econômico, Veja e BBC Brasil. Atualmente escrevo com mais frequência para a Agência Amazônia Real e a revista piauí, além de manter o blog (fabiopontes.net).


https://amazoniareal.com.br/rondonia-promove-um-liberou-geral-na-grilagem/