O Plenário do Supremo Tribunal Federal derrubou, por unanimidade, uma
série de decretos e leis do Pará que concediam pensões especiais e
vitalícias a familiares de ex-prefeitos, ex-deputados (federais e
estaduais), ex-vereadores e ex-sindicalistas. Os ministros acompanharam o
voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, que viu ‘tratamento
privilegiado’ e apontou violação aos princípios da isonomia, da
razoabilidade, da moralidade e da impessoalidade.
A decisão confirmou medida cautelar proferida por Alexandre de Moraes
em novembro de 2021 – despacho que suspendeu a eficácia dos
dispositivos questionados – e acolheu um pedido do governo do Estado,
com pareceres favoráveis da Advocacia-Geral da União e da
Procuradoria-Geral da União. A Assembleia Legislativa do Estado defendeu
a manutenção das 14 normas impugnadas pelo Supremo, alegando ‘direito
adquirido dos beneficiários’.
O caso foi analisado no Plenário virtual da corte, ferramenta que
permite que os magistrados depositem seus votos à distância, fora dos
holofotes da TV Justiça. O julgamento teve início no dia 18 e foi
encerrado na sexta-feira, 25. O resultado foi proclamado nesta
segunda-feira, 28.
Apesar de derrubar as pensões especiais, os ministros do STF optaram
por modular os efeitos da decisão e assim os ex-beneficiários não terão
de devolver os valores já pagos até a data do término do julgamento.
A ação analisada pelo colegiado foi ajuizada pelo governo Helder
Barbalho em setembro de 2021, questionando cinco normas editadas antes
da Constituição Federal, entre 1972 e 1987, e nove leis estaduais
promulgadas entre 1988 e 2010. No caso das primeiras, o Supremo declarou
a ‘não recepção’ pela Carta Magna, enquanto os dispositivos editados
após a lei maior foram declarados inconstitucionais.
No pedido ao STF, o Estado do Pará argumentou que não havia ‘qualquer
fundamento’ para a instituição de pensão especial em de dependentes de
ex- agentes políticos. Nessa linha, o governo estadual evocou uma série
de decisões sobre o mesmo tema entre elas a que, em 2018, declarou a
inconstitucionalidade de normas que previam a concessão de subsídio
mensal vitalício para ex-governador do Maranhão.
Em seu voto, Alexandre de Moraes ressaltou que o Supremo, em diversas
oportunidades, repudiou a previsão de pensionamento vitalício para
ex-agentes políticos, bem como para seus familiares.
Segundo o ministro, as normas questionadas pelo governo estadual
“termina por materializar tratamento privilegiado, em plena dissonância
com os vetores axiológicos que conformam o modelo constitucional
político-previdenciário, vulnerando efetivamente os princípios
republicano, da isonomia, da razoabilidade, da moralidade e da
impessoalidade”.
“Com apoio nessas razões, e em consonância à ampla jurisprudência já
consolidada na matéria, reputo as normas ora impugnadas incompatíveis
com a Constituição de 1988”, registrou. (AE)
Relação dos beneficiados que agora perderam o direito de continuar recebendo os proventos do Estado do Pará:
1- Denise de Holanda Baker – Lei Estadual 5387, de 08/09/1987 (funcionário 179809/1-SEAD)
2- Laíse Sousa de Oliveira e Edgar Sousa de Oliveira – Lei 5.575, de 06/12/1989 (funcionários 5950275/1-SEAD e 5950273/1-SEAD)
3- Ivanilda de Fátima Gonçalves Souza – Lei 6.649, de 17/05/2004 (funcionário 54188265/1-SEAD)
4- Joaquina Simões Martins e Silva – Lei 5.613, de 20/11/1990 (funcionária 5206715/1-SEAD)
5- Maria da Silva Souza, Walcirlei Rufino de Souza e José Rufino de Souza Filho – Lei 6.369, de 10/07/2001 (apenas este ultimo está no demonstrativo de cálculo de folha da SEAD – funcionário 5923675/1-SEAD)
6- Julia Constantina Pampolha de Santa Brígida – Decreto de 31.05.1972 (funcionário 160938/1-SEAD)
7- Kátia Damasceno Seabra – Lei 5.577, de 06/12/1989 (funcionário 727660/3-SEAD)
8- Lucileia da Costa Freitas – Lei 5.081, de 09/06/1983 (funcionário 163546/1-SEAD)
9- Iracy Fayad Silva e Maria Celina Fayad Silva – Lei 6.045, de 16.04.1997(apenas a ultima está no demonstrativo da SEAD – funcionário 5916603/1-SEAD)
10- Maria da Penha Feu Federicci, Kleber Fidel Federicci, Miriam Aparecid Federicci, Kátia Letícia Federicci e Wagner Rodrigo Federicci – Lei 6.436, de 09/01/2002 (apenas a primeira está no demonstrativo de cálculo de folha da SEAD– funcionário 5853800/1-SEAD)
11- Maria Neves Albuquerque – Lei 4.939, de 24/11/1980 (funcionário 162736/1-SEAD)
12- Raimunda Raquel Miranda Fonteles de Lima – Lei 7.495, de 29/12/2010 (funcionário 179760/1-SEAD
13- Raimunda Terezinha de Kós Miranda – Lei 4.972, de 07/07/1981 (funcionário 163120/1-SEAD)
14- Rita Teodora Ferreira Chagas – Lei 5.508, de 28/12/1988 (funcionário 220493/1-SEAD)
15- Walcirlei Rufino de Souza, Maria da Silva Souza e José Rufino de Souza Filho- Lei 6.369, de 10/07/2001 (apenas o primeiro está no demonstrativo de cálculo de folha da SEAD – funcionário 5923673/1-SEAD
Titulares de 10 pastas estão de saída por causa das eleições; cerimônia no Palácio do Planalto oficializará trocas
Murilo Fagundes e Emilly Behnke 30.mar.2022 (quarta-feira) - 20h13
Os ministros Tarcisio de Freitas (Infraestrutura), Flávia Arruda
(Secretaria de Governo) e João Roma (Cidadania) deixarão as pastas para
disputar as eleições
O presidente Jair Bolsonaro (PL) assinará nesta 5ª feira (31.mar.2022) a troca de 10 ministros que devem ser candidatos nas eleições deste ano. As mudanças na equipe ministerial serão oficializadas em cerimônia no Palácio do Planalto às 10h. O evento marcará a despedida simbólica dos ministros e a chegada dos novos comandantes para o “ministério tampão”. Além da cerimônia, cada órgão organiza outras cerimônias reduzidas e individuais para a passagem de comando.
A saída dos ministros é determinada pela legislação eleitoral que obriga a descompatibilização do cargo 6 meses antes do pleito. As candidaturas dos ministros funcionam na prática como palanque de Bolsonaro nos Estados.
Como o Poder360 mostrou, as filiações de integrantes do alto escalão também foram usadas como estratégia para assegurar apoio nas eleições para firmar aliança com PP, PL e Republicanos.
Para o Legislativo, 5 ministros buscam uma vaga no Senado e 1 tentará uma cadeira de deputado federal. Outros 3 disputam governos estaduais.
O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, sairá do cargo para ser o vice-presidente na chapa pela reeleição de Bolsonaro. Em seu lugar, assumirá o ministério o atual comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. A passagem de comando deve ser oficializada na 6ª feira, às 17h. O novo comandante será o general Marco Antônio Freire Gomes.
De acordo com o governo, a estratégia para escolher os nomes para substituir cada ministro seguiu critérios técnicos e considerou integrantes que já atuavam em cada órgão.
Eis um breve perfil dos novos ministros, segundo as páginas oficias do governo:
Agricultura, Pecuária e Abastecimento: Marcos Montes...
Eis um breve perfil dos novos ministros, segundo as páginas oficias do governo:
Agricultura, Pecuária e Abastecimento: Marcos Montes
Atual secretário-executivo do MAPA, tem graduação em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), pós-graduação em Medicina do Trabalho pela Universidade de Campinas e especialização em Anestesiologia também pela Unicamp. Já foi deputado federal, prefeito e secretário municipal de Turismo e Esportes de Uberaba (MG), além de secretário de Estado de Desenvolvimento Social e Esportes de Minas Gerais.
Cidadania: Ronaldo Vieira Bento
Atual chefe de Assuntos Estratégicos do Ministério da Cidadania, é mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, com especialização em Estudo de Política, e em Estratégia pela Universidade do Estado da Bahia, além de Direito Público, pela Estácio de Sá, e Ouvidoria Pública, pela OEI-CGU;
Bento é graduado em Direito pela Universidade Tiradentes e em Administração pela Universidade Católica do Salvador. Desde 2005 é servidor público de carreira do Executivo Federal.
Ciência, Tecnologia e Inovações: Paulo Alvim
Atual secretário Nacional de Empreendedorismo e Inovação do ministério, é engenheiro Civil, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e mestre em Ciência da Informação, formado pela Universidade de Brasília. Nos anos 1990, foi secretário geral adjunto do Ministério da Educação, secretário adjunto de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Governo do Distrito Federal
Defesa: General Paulo Sérgio Nogueira
Atual comandante do Exército, o general incorporou às fileiras da Força em 4 de março de 1974, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, onde concluiu o curso em 1976. Foi chefe do Departamento-Geral de Pessoal do Exército desde 2018 e assumiu o posto de comandante como o 5º mais antigo da lista de possíveis indicados. Nasceu em 28 de agosto de 1958, em Iguatu (CE).
Desenvolvimento Regional: Daniel de Oliveira
Atual secretário-executivo do ministério, é especialista em gestão e orçamento público. É graduado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Em abril de 2020, foi nomeado secretário-adjunto da Secretaria Executiva do Ministério do Desenvolvimento Regional. Anteriormente, ocupou o cargo de diretor do Departamento de Produção Habitacional da Secretaria Nacional de Habitação do mesmo ministério. É servidor do cargo de Analista de Infraestrutura do Ministério da Economia.
Infraestrutura: Marcelo Sampaio
Atual secretário-executivo do Ministério da Infraestrutura, coordena ações voltadas à governança, integridade, estratégia, organização e sistemas de gestão e de tecnologia da informação. Foi subchefe adjunto de Gestão Pública da Subchefia de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência. Atuou por mais de 3 anos como diretor de informações e gestão estratégica de Transporte na Secretaria de Política Nacional de Transportes do Ministério dos Transportes. Tem mestrado em Planejamento de Transporte especificamente na Avaliação de Vulnerabilidade de Infraestrutura de Transporte, pela Universidade de Brasília (UNB). É licenciado em Engenharia Civil.
Mulher, Família e Direitos Humanos: Cristiane Britto
Atual secretária nacional de Políticas para Mulheres, é bacharel em direito e pós-graduada em direito eleitoral. Filiada ao Republicanos, é advogada eleitoralista, com atuação principal no ramo do Direito Partidário. Especialista em Marketing Político, é membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político por 16 anos.
Secretaria de Governo: Célio Faria Júnior
Atual chefe do gabinete pessoal do presidente Jair Bolsonaro, é servidor público federal, economista, especialista em Planejamento, Orçamento e Gestão Pública. Foi da assessoria de Relações Institucionais da Marinha do Brasil e encarregado da Divisão do Fundo Naval na Comissão Naval Brasileira em Washington (EUA). Participou da equipe de transição do governo Bolsonaro e foi nomeado assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República antes de chefiar o gabinete pessoal.
Turismo: Carlos Brito
Atual diretor-presidente da Embratur, é formado em Administração de Empresas e em Administração com ênfase em Marketing, além de MBA em Marketing e Publicidade. Atuou como diretor-executivo na iniciativa privada. Ingressou no Embratur em junho de 2019, para exercer a função de diretor de gestão interna. Com a transformação da Embratur em Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, passou a exercer o cargo de diretor de Gestão Corporativa, período em que coordenou a reorganização administrativa da entidade.
Trabalho e Previdência: José Carlos Oliveira
Atual presidente do INSS, ocupou o cargo de diretor de Benefícios do instituto. É servidor concursado e ingressou em julho de 1985 no INSS. Atuou como gerente executivo em Santo Amaro (atual GEX São Paulo-Sul) e como superintendente estadual do INSS em São Paulo. É formado em Administração de Empresas pela Fundação Armando Álvares Penteado.
A intenção do governo de legalizar a atuação de garimpeiros em
terras indígenas, com a aprovação de Projetos de Lei, além de ser uma
afronta à Constituição, “gerará muitos conflitos sociais, além de
degradação ambiental irreversível”, afirma a ex-presidente do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama
Por: Patricia Fachin | Fonte: IHU On-Line | 29 de março de 2022
O Projeto de Lei (PL nº 191/2020) em tramitação na Câmara dos Deputados,
que propõe o estabelecimento de condições para a realização de pesquisa
e lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento
de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras
indígenas, visa, em outras palavras, “legalizar a atuação de garimpeiros
nessas áreas”, adverte Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ela diz que o governo do presidente Bolsonaro “assume uma narrativa distorcida” em relação à mineração, “como se os empreendimentos minerários só tivessem viabilidade nas terras indígenas, o que é um absurdo”. Segundo ela, os possíveis efeitos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia no país também são usados como argumento para viabilizar o avanço da mineração.
“Estão tentando claramente impor argumentos falsos na discussão sobre a
mineração de potássio e outras substâncias usadas na fabricação de
fertilizantes, fazendo referência à suposta falta desses produtos em
razão da guerra da Rússia e Ucrânia. Tudo isso faz parte de uma estratégia maior de implosão dos direitos socioambientais assegurados pela Constituição de 1988“.
Segundo ela, o avanço do garimpo ilegal, especialmente de ouro, em territórios indígenas como os dos Munduruku, no Pará, e dos Ianomâmis, nos estados do Amazonas e Roraima, tem como “causa mais relevante” “a ausência do Estado”. “A Amazônia está
completamente largada pelo governo federal e os governos estaduais
também não atuam com a força necessária contra atividades ilegais”,
informa.
Suely Araújo é urbanista e advogada, mestre e
doutora em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UnB. Foi
consultora Legislativa da Câmara dos Deputados por 29 anos, nas áreas de
meio ambiente e urbanismo. É professora voluntária e pesquisadora
colaboradora plena no Instituto de Ciência Política da UnB e também
leciona no mestrado em Administração Pública do Instituto Brasiliense de
Direito Público. Presidiu o Ibama de 2016 a 2018. No Observatório do Clima, é especialista sênior em políticas públicas desde março de 2020.
Confira a entrevista.
IHU – A que atribui a insistência do governo federal em propor a liberação de mineração em terras indígenas?
Suely Araújo – O presidente Bolsonaro sempre defendeu a expansão de grandes empreendimentos nas terras indígenas.
Sua visão de mundo afasta a defesa desses territórios como fatores
importantes para a manutenção dos direitos e da cultura dos povos indígenas e para a proteção do meio ambiente. Mais do que isso, a intenção do governo é legalizar a atuação de garimpeiros nessas áreas, o que afronta a Constituição Federal e gerará muitos conflitos sociais, além de degradação ambiental irreversível. As cicatrizes do garimpo são eternas.
As cicatrizes do garimpo são eternas – Suely Araújo
IHU – Por que há um aumento recente do interesse pela mineração nessas terras também por parte das empresas?
Suely Araújo – As empresas mineradoras ficam testando até onde podem ir. Cabe à sociedade colocar os freios. Em relação ao projeto de lei em pauta na Câmara dos Deputados (PL nº 191/2020), as empresas de maior porte estão voltando atrás. O Instituto Brasileiro de Mineração – IBRAMlançou nota recente se
posicionando contra o projeto de lei. Afirmaram que a lei sobre o tema
deve ser amplamente debatida pela sociedade brasileira, especialmente
pelos próprios povos indígenas, respeitando seus direitos
constitucionais. Vamos ver se mantém esse posicionamento nos próximos
meses.
Pedidos de mineração atingem 197 terras indígenas na Amazônia – Suely Araújo
IHU – Quais são as estimativas sobre jazidas minerais em terras indígenas e sua viabilidade econômica?
Suely Araújo – Não sou especialista em mineração, minha área é legislação e política ambiental. Há terras indígenas espalhadas pelo país, o que dificulta estimativas tão gerais. Uma matéria recente do Poder 360 afirma que pedidos de mineração atingem 197 terras indígenas na Amazônia.
O governo assume uma narrativa distorcida, como se os empreendimentos
minerários só tivessem viabilidade nas terras indígenas, o que é um
absurdo. Estão tentando claramente impor argumentos falsos na discussão
sobre a mineração de potássio e outras substâncias usadas na fabricação
de fertilizantes, fazendo referência à suposta falta desses produtos em
razão da guerra da Rússia e Ucrânia. Tudo isso faz parte de uma estratégia maior, na minha opinião, de implosão dos direitos socioambientais assegurados pela Constituição de 1988.
O PL 191/20 foi redigido para viabilizar a atuação dos garimpeiros nesses territórios [indígenas] – Suely Araújo
IHU – Quais são suas principais críticas ao PL 191/20,
que propõe a regulamentação da mineração, a geração de energia elétrica
e a exploração e produção de petróleo, gás natural e outros
hidrocarbonetos em terras indígenas?
Suely Araújo – Em primeiro lugar, a proposta não foi
debatida com os representantes dos povos indígenas. Além disso, o texto
é extremamente frágil, não assegura os cuidados necessários nem com as
comunidades, nem com o meio ambiente. Foi redigido para viabilizar a atuação dos garimpeiros nesses territórios, o que colide com o art. 231, § 7º, da Constituição.
A proposta do governo está muito longe de ter o conteúdo adequado para
disciplinar a mineração em terras indígenas e não foi concebida por meio
do necessário processo participativo.
#PL191Não! Projeto quer abrir as terras indígenas à mineração:
IHU – Quais são os principais riscos envolvidos na mineração em terras indígenas?
Suely Araújo – Danos ambientais irreversíveis e aumento dos conflitos sociais. O governo, além da legalização dos garimpos em terras indígenas, quer implodir com as regras que disciplinam o licenciamento ambiental no país. Já aprovaram texto na Câmara dos Deputados nesse
sentido, que se encontra sob análise do Senado Federal. Uma lei
disciplinando a mineração em terras indígenas, que observe todos os
cuidados técnicos necessários e seja amplamente debatida com os
indígenas e a sociedade como um todo, deve ser elaborada em outro
governo, que não se paute pela destruição dos direitos socioambientais.
O governo, além da legalização dos
garimpos em terras indígenas, quer implodir com as regras que
disciplinam o licenciamento ambiental no país – Suely Araújo
IHU – Pode nos dar um panorama sobre o garimpo ilegal em
terras indígenas no país? Em que regiões esses garimpos predominam e
quais são seus efeitos nas comunidades?
Suely Araújo – Os alertas de garimpos ilegais em territórios indígenas cresceram 125% no governo Bolsonaro, segundo dados divulgados recentemente.
Eles sempre existiram, mas estão explodindo em quantidade e gravidade
da degradação, impulsionados pelo discurso do próprio presidente da
República.
Os alertas de garimpos ilegais em territórios indígenas cresceram 125% no governo Bolsonaro – Suely Araújo
IHU – Por que e em quais Terras Indígenas a mineração é mais visada?
Suely Araújo – A maior parte da mineração nessas áreas, sempre ilegal, é voltada para garimpo do ouro. Há muita pressão no território Munduruku, no Pará, por exemplo. Na terra dos Ianomâmis, nos estados do Amazonas e Roraima, também. Mas o garimpo está avançando sobre várias terras indígenas e sobre Unidades de Conservação. A causa mais relevante talvez seja a ausência do Estado. A Amazônia está
completamente largada pelo governo federal e os governos estaduais
também não atuam com a força necessária contra atividades ilegais.
A maior parte da mineração nessas áreas, sempre ilegal, é voltada para garimpo do ouro – Suely Araújo
IHU – Por quais razões a mineração em terra indígena não deve ser permitida?
Suely Araújo – A mineração com
regras, cuidados ambientais e com a devida oitiva das comunidades
indígenas pode vir a ocorrer no futuro, quando o país debater com a
devida responsabilidade as regras sobre esse tema. Realmente, não acho
que seja a destinação ideal para terras indígenas, mas não há como
proibir tudo, até mesmo porque há previsão na Constituição de lei sobre o
tema. Garimpeiros destruindo o meio ambiente e impulsionando conflitos
não devem ser aceitos; a Constituição inclui restrições nesse sentido. O país deveria se preocupar em enfrentar as invasões das terras indígenas,
em retomar as políticas de proteção dessas comunidades, no lugar de
discutir como usar essas terras para mineração, hidrelétricas e outros
empreendimentos degradadores.
IHU – Quais são as consequências da extração mineral em terras indígenas onde esse processo já está acontecendo?
Suely Araújo –Degradação ambiental e social,
conflitos entre os próprios indígenas, contaminação dos recursos
hídricos, problemas de saúde pública. É um quadro muito triste de
devastação. Quem vai responder por esses problemas? Quem vai reparar os
danos, que sequer podem ser mensurados por serem intensos e difusos?
Quanto custa a reparação de uma bacia hidrográfica contaminada por
mercúrio? Quem ganha com isso? Os indígenas, os ribeirinhos e a população da Amazônia, vista de forma ampla, tenho certeza de que só perdem.
Quanto custa a reparação de uma bacia hidrográfica contaminada por mercúrio? Quem ganha com isso? – Suely Araújo
IHU – Como os próprios indígenas se posicionam acerca da
possiblidade de extração mineral em suas terras? Todos são unanimemente
contra a atividade?
Suely Araújo – Há conflitos internos entre eles em alguns locais.
IHU – Que tipo de política pública é urgente para as comunidades indígenas que vivem no Brasil hoje?
Suely Araújo –Política indigenista,
política de saúde, política educacional com respeito às tradições
dessas comunidades, demarcação de todas as áreas com pendências nesse
sentido – uma política do respeito em síntese. Isso está longe de
acontecer no governo Bolsonaro.
IHU – Deseja acrescentar algo?
Suely Araújo – Não acredito em qualquer melhoria no
quadro no governo atual. Cabe aos brasileiros transformar essa
realidade; temos poder para isso.
O Brasil registrou pelo menos 230 ataques — entre verbais e físicos —
contra profissionais da imprensa e veículos de comunicação no decorrer
de 2021. O número, que representa crescimento de 21,69% desse tipo de
violência no comparativo com o ano anterior, consta na mais nova edição
do relatório “Violações à Liberdade de Expressão”. Organizado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), o material foi divulgado na última semana.
No relatório, a Abert aponta que, apesar da quantidade de jornalistas
e empresas de mídia que foram alvo de ataques, ocorreram 145 casos de
violência não letal no Brasil ao longo do ano passado. Casos letais?
Nenhum, mas por enquanto. Tal estatística pode, no entanto, sofrer
alteração. Isso porque a entidade segue monitorando o desfecho das
investigações do assassinato de radialista Weverton Rabelo Fróes.
Em abril de 2021, Toninho Locutor, como o profissional era conhecido,
foi assassinado em frente à casa onde morava, em Planaltino (BA). Caso o
crime seja definido pelas autoridades responsáveis como relacionado ao
trabalho dele na comunicação, o relatório passará a contar —
infelizmente — com uma morte.
Com o caso de Toninho Locutor em aberto, por ora, 2021 se junta a 2019 como os dois únicos anos em que a Abert não identificou nenhum assassinato motivado diretamente por trabalhos realizados na imprensa do país. O relatório da associação tem sido realizado, anualmente, desde 2012.
Presidente da Abert, Flávio Lara Resende afirmou, ao apresentar o
material para a imprensa, que, apesar do crescimento de casos, ataques
contra profissionais e empresas do meio não têm sido exitosos em termos
institucionais. De acordo com ele, mesmo sendo alvo constante, o
jornalismo segue sendo farol de credibilidade, com direito a atuar com
protagonismo no combate às fake news.
A liberdade de imprensa não aceita retrocessos — Flávio Lara Resende, presidente da Abert
“A violência sistemática contra o jornalismo crítico e independente tenta minar, sem sucesso, a credibilidade da imprensa profissional,
barreira eficiente contra a propagação de notícias falsas e parte
fundamental para as democracias”, declarou Flávio Lara Resende. “A Abert
lembra que a liberdade de imprensa não aceita retrocessos”,
posicionou-se o presidente da entidade.
Papo Abert - Lançamento Virtual do Relatório Violações à Liberdade de Expressão 2021
Violência por tipo
A Abert organizou a atual edição do relatório “Violações à Liberdade
de Expressão” em nove tipo de casos: ofensas, agressões, intimidações,
ameaças, atentados, injúrias, ataques/vandalismo, censura e
roubos/furtos. Os responsáveis pelo material observam, no entanto, que
decisões judiciais contra jornalistas e veículos não entraram na lista —
sendo que foram registrados 29 pareceres nesse sentido.
Ofensas
A parte classificada como ofensas liderou. Foram registrados 53
casos, com um total de 89 comunicadores e veículos como alvos. No volume
de vítimas, o número de 2021 representou aumento de 30,88%. Detalhe:
92% desse tipo de violência foram praticados por políticos ou demais
ocupantes de cargos públicos.
Agressões
Em 2021, as agressões físicas formaram o segundo tipo de violência
mais comum no Brasil contra representantes da imprensa. Segundo a Abert,
34 situações desse tipo foram registradas, com 61 jornalistas agredidos
(crescimento de 3,39% em relação a 2020). Chutes, pontapés, socos e
tapas entram na contabilização feita pela entidade.
Intimidações
O volume de intimidações também cresceu — 4% — no comparativo com a
edição anterior do relatório. Dessa forma, esse tipo de violência teve
26 casos registrados no país ao longo do ano passado. Quando considerado
o número de vítimas, os números são ainda maiores (e impactantes): 43
profissionais tiveram o trabalho interrompido, foram recebidos aos
gritos ou mesmo impedidos de continuar cumprindo o dever de informar. E
isso representa aumento de 43,33%.
Atentados
Em questões percentuais, a quantidade de atentados contra
comunicadores dobrou. Ou seja: cresceu 100% de um ano para o outro. De
quatro atentados identificados pela Abert em 2020, o número saltou para
oito em 2021. “Chamam a atenção não apenas pelo aumento significativo no
número de casos, que dobrou em relação ao ano anterior, mas pela
maneira como foram executados, muitas vezes, com o uso de armas de
fogo”, observou a entidade em seu site oficial.
Violência virtual contra jornalistas
Nenhum dos nove tópicos computados diretamente pela Abert levam em
considerações violência cometida exclusivamente nos ambientes digitais.
Nesse sentido, a entidade encomendou um estudo específico à Bites,
empresa de análise de dados. E os números foram alarmantes (ainda mais
quando considerados que representaram queda de 54% no comparativo com
2020). Palavras de baixo calão, expressões depreciativas e pejorativas
dirigidas à imprensa e aos jornalistas estiveram presentes em 1,46
milhão de postagens divulgadas em redes sociais. Na média, seriam cerca de 4 mil ataques virtuais por dia, ou quase três agressões por minuto.
Esse quadro não deve se repetir em 2022 com a eleição
presidencial e a polarização que irá tomar conta do universo digital —
Manoel Fernandes, presidente da Bites
Presidente da Bites, Manoel Fernandes não demonstra confiança com a
possibilidade de queda nos registros de ataques virtuais contra
comunicadores e empresas de mídia do país. “Esse quadro não deve se
repetir em 2022 com a eleição presidencial e a polarização que irá tomar
conta do universo digital, incluindo tentativas de desconstruir as
narrativas da mídia profissional”, pontua o executivo.
Brasil na “zona vermelha” da liberdade de imprensa
Em meio à divulgação da edição 2022 do relatório “Violações à
Liberdade de Expressão”, a equipe da Abert destacou, ainda, que pela
primeira vez em duas décadas o Brasil entrou para a chamada “zona vermelha” do Ranking Mundial da Liberdade da Imprensa,
da organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras (ONG RSF).
Da 107ª posição, o país foi para 111ª — numa lista com 180 países e,
assim, passou a figurar no mesmo bloco de nações como Bolívia,
Filipinas, Índia, Nicarágua, Rússia e Turquia.
Disponível gratuitamente, a íntegra do relatório da Abert pode ser conferida diretamente no site da entidade (basta clicar aqui).
Anderson Scardoelli
Jornalista, 32 anos. Natural de São Caetano
do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital
paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho
(Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM.
Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos,
período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de
2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após
dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que
ocupa atualmente.
O agrônomo Magnum Taveira Belizário, aliado político do senador
Zequinha Marinho (PL)- pré-candidato ao governo do Pará -, foi executado
a tiros por um pistoleiro durante a noite de ontem, em Marabá. Ele
estava em um restaurante da rua Sol Poente, no bairro Cidade Nova,
quando um homem armado dele se aproximou.
Segundo testemunhas, o pistoleiro chegou bem próximo de Magnum e não
deu a ele nenhuma chance de defesa, desferindo vários tiros contra a
vítima. Era por volta de 20 horas e Magnum nem teve tempo de ser
atendido por equipe médica, morrendo no local, enquanto o matador fugia.
Magnum Taveira, que foi candidato a vereador por Marabá em 2012, não
conseguindo se eleger, era formado em agroecologia e trabalhava com
organização de projetos e captação de recursos junto ao governo federal.
Amigo do senador paraense, ele era pré-candidato a deputado federal.
A polícia investiga a motivação e autoria do crime. Após a fuga do
assassino, a Polícia Militar foi acionada para preservar o local do
delito. A vítima era bastante conhecida em Marabá. A morte dele
rapidamente seespalhou pela cidade e redes sociais.
Uma equipe do Instituto Médico Legal (IML) removeu o corpo para
realização de perícia cadavérica e liberação à família para o velório.
Em recente postagem na Internet, Magnum aparece ao lado do senador, a
quem tratava por “meu amigo e padrinho”. (Do Ver-o-Fato, com informações
do portal Debate Carajás)
Cerca de 2.260 famílias, muitas delas indígenas, foram
desalojadas em março de 2020 quando as autoridades desmantelaram o
assentamento informal Monte Horebe, na periferia de Manaus, retirando
todos os moradores do local.
Dois anos depois, muitos
seguem em moradias precárias em meio à pobreza e à atual crise da
covid-19, segundo lideranças indígenas.
Os indígenas
atualmente lutam para recuperar Monte Horebe, reivindicando compensações
aos moradores expulsos e permissão para retornar à área.
Assentamentos
informais acabam sendo o último recurso de sobrevivência dos povos
indígenas mais vulneráveis, muitas vezes forçados a migrarem às cidades
em busca de emprego, educação e assistência médica. Para líderes
comunitários, a repressão das autoridades sobre as ocupações ameaça seu
direito à moradia.
Enquanto caminha pelos escombros, Yawaratsuni Kokama pisa sobre
tijolos soltos e pilhas de azulejos quebrados, com os olhos marejados.
De vez em quando, ela para para colher uma manga madura de uma árvore ou
arrancar uma mandioca do chão.
“Este é o lugar onde nossa horta comunitária ficava. Ali era a
escola”, diz a cacique Yawaratsuni enquanto aponta para um terreno
próximo sendo engolido pela Floresta Amazônica ao seu redor. “Agora só
resta o mato.”
Até recentemente, essa vasta extensão de terra era Monte Horebe, um
assentamento informal na periferia de Manaus. De acordo com dados do
governo do estado do Amazonas, a comunidade já foi o lar de 2.260
famílias, incluindo centenas de indígenas de mais de 30 etnias diferentes.
Monte Horebe surgiu em 2015, quando posseiros limparam e ocuparam um
pedaço de floresta tropical a cerca de 20 km do centro de Manaus, de
acordo com as lideranças indígenas. Como outros assentamentos informais
espalhados às margens da cidade, Monte Horebe oferecia as tão
necessárias – ainda que precárias – moradias para famílias de baixa
renda, incluindo centenas de refugiados do Haiti e da Venezuela.
As lideranças comunitárias relatam que tudo isso mudou quando as autoridades estaduais se articularam para acabar com o assentamento em março de 2020,
despejando os moradores e derrubando suas casas. Embora títulos de
propriedade tenham sido previamente prometidos aos moradores, as
autoridades alegaram que a remoção do assentamento era necessária por
ter se tornado um ponto de tráfico de drogas.
“Disseram que estava cheio de bandidos”, disse Yawaratsuni, conhecida
como Bia. “Só que não estava. Tinha seus problemas como qualquer lugar,
mas havia pais, mães e famílias vivendo aqui, realizando seus sonhos.”
No lugar de Monte Horebe, as autoridades estaduais planejaram
construir uma escola e uma delegacia, embora esses planos tenham sido
deixados em segundo plano durante a pandemia. Quase dois anos depois, a
área onde um dia a comunidade se encontrava permanece vazia. Restam
apenas os escombros das casas demolidas.
Em fevereiro de 2021, um grupo de moradores tentou reocupar Monte Horebe, mas foi detido pelas autoridades,
de acordo com o Governo do Estado do Amazonas. Os indígenas que ali
viviam dizem que ainda estão lutando para voltar ao assentamento. A
comunidade está agora pedindo a um tribunal indenização aos moradores
por parte das autoridades e que lhes permita retornar à área
formalmente, de acordo com documentos aos quais a Mongabay teve acesso.
“Com um pouco de compensação, seríamos capazes de reconstruir [as
moradias] novamente”, disse Bia à Mongabay. “As pessoas só querem um
pedaço de terra para chamar de seu, para replantar o que tinham antes”.
As autoridades do Amazonas não responderam aos pedidos de comentários da Mongabay.
Habitações precárias
Antes de ser demolido, Monte Horebe era como dezenas de outros
assentamentos informais espalhados por Manaus: sem água potável e ruas
pavimentadas, mas com duas escolas e um posto de saúde. Todas as
quartas-feiras, a enfermeira indígena Vanda Ortega realizava um
atendimento básico aos moradores.
“Era uma comunidade, onde as pessoas voltavam à sua cultura e modo de
vida”, disse Ortega, membra do grupo indígena Witoto. “Havia pessoas
que investiam o pouco que tinham naquela casinha, naquela barraquinha. E
de um momento para o outro, esses lares foram destruídos”, lamenta.
Monte Horebe estava entre os maiores assentamentos informais de
Manaus, nascido da necessidade de moradias populares após outro
assentamento ilegal, a Cidade das Luzes, ter sido desocupado pelas
autoridades em 2015. Diante do aumento da desigualdade e da pobreza, as
famílias de baixa renda muitas vezes dependem desses assentamentos para
sobreviver e lidar com os custos crescentes da vida urbana.
Segundo a enfermeira, os povos indígenas são moradores frequentes de
tais comunidades informais, geralmente chegando à cidade depois de serem
forçados a sair de seus territórios por falta de assistência médica,
oportunidades de emprego e educação. Atualmente, Vanda Ortega vive no
Parque das Tribos, outro assentamento informal ocupado por povos
indígenas.
“Nossos ancestrais já habitavam esta terra e foram expulsos”, disse
ela à Mongabay em uma entrevista no Centro de Associação Comunitária
Indígena Monte Horebe. “Hoje, em muitos de nossos territórios, as
condições de vida são extremamente difíceis, o que obriga nosso povo a
deixar suas comunidades e ir para a cidade”.
Porém, as autoridades continuam a reprimir os assentamentos
informais, argumentando que sua localização às margens da cidade os
tornam locais perfeitos para o crime organizado. Para Ortega, isso cria
uma profunda incerteza para indígenas que vivem nessas comunidades.
“Sem documento ou garantia dos direitos de terra, eles são forçados a
viver com esse medo de não poderem ficar”, disse ela. “É muito, muito
doloroso”.
Como os territórios indígenas são atacados em
outras partes do Brasil, esses despejos urbanos são mais um assalto ao
direito dos indígenas à moradia e ao território, disse Josué Kokama, um
cacique que vive no Cemitério dos Índios, outro assentamento nos
arredores de Manaus.
“Hoje, eles estão tirando os direitos que nos são dados pela
Constituição”, disse Josué à Mongabay. “Porque eles pensam que os
indígenas só têm que ficar na floresta, em suas aldeias. Mas no meio da
floresta, não há universidade. Você acha que lá os índios terão uma boa
educação?”, questiona.
A comunidade Cemitério dos Índios, lar de mais de 2 mil famílias de
várias etnias indígenas, também está na mira das autoridades. Em 2020,
um juiz federal decidiu que o local deveria ser desocupado,
baseado em relatórios locais que dizem que o assentamento fica no topo
de um sítio arqueológico que estaria sendo danificado pela ocupação. Os
membros da comunidade dizem que têm direito à terra de seus antepassados
e argumentam que estão preservando o antigo local de sepultamento.
Esses despejos, além de não resolverem a falta de moradia para os
indígenas que vivem nos centros urbanos do Brasil, só fazem com que o
expulsos de uma comunidade acabam em outro assentamento ilegal em outra
parte de Manaus, segundo Josué.
“A situação do meu povo hoje é uma situação profundamente precária”,
disse ele. “As pessoas estão lutando e não têm um teto sobre suas
cabeças. Portanto, continuamos ocupando e lutando por nossos direitos
básicos”.
Forçados a sair
Muitos dos despejados do Monte Horebe foram obrigados a se mudar para
outros assentamentos informais ou para apartamentos alugados
superlotados. Sem terra para cultivar alimentos, alguns acabaram
passando fome e caíram na pobreza extrema.
O despejo causou estragos na vida de Neila Santos dos Santos. Com a
demolição do Monte Horebe, ela perdeu a casa que dividia com seus três
filhos pequenos e foi obrigada a se mudar para o apartamento apertado de
sua mãe em um bairro próximo, na periferia de Manaus.
“Fui forçada a sair de minha casa. Eles levaram tudo o que tínhamos
trabalhado tanto para construir”, disse Neila, que é da etnia Kokama, em
uma entrevista em Monte Horebe, a poucos metros de onde sua casa um dia
se encontrava. “Meu filho cresceu lá, e ele ainda me pergunta: ‘O que
aconteceu com minha casa, o que aconteceu com minha terra? Onde está
minha rua?’ Mas tudo se foi”, lamenta.
Antes do despejo, sua família sobrevivia com a renda que ela tinha
como costureira e alimentos que eles podiam cultivar na horta
comunitária. Aos moradores despejados, foi prometida uma ajuda de 600
reais por mês, mas Neila diz que ela e muitos outros nunca receberam
nenhuma ajuda.
“Em Monte Horebe, não tínhamos eletricidade, não tínhamos a
infraestrutura do Estado”, disse ela. “Mas nós tínhamos uma casa,
tínhamos nossa horta. Não estávamos necessitados da mesma forma que
estamos agora. Até hoje, não recebi nenhum auxílio do governo”.
Com sua comunidade fragmentada e a ligação com a terra cortada, o
próprio modo de vida dos moradores indígenas ficou ameaçado. Além do
mais, com a pandemia fora de controle, o despejo os deixou ainda mais
vulneráveis ao coronavírus, dizem os líderes comunitários.
A população indígena do Brasil, que em sua grande parte vive em áreas remotas ou com pouco acesso à saúde, tem sido particularmente atingida pela pandemia,
segundo o Instituto Socioambiental (ISA). Ainda de acordo com a
entidade, no modelo de vida comunitária é quase impossível isolar os
membros da família infectados pelo vírus, o que dificulta a contenção de
sua propagação.
Um estudo do ano passado mostrou
que a covid-19 estava matando os povos indígenas no Amazonas em taxas
mais altas comparadas à população geral. A propagação da variante
Ômicron no país atingiu cerca de 300 mil infecções por dia no início de
fevereiro, quebrando recordes anteriores, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Sob essa nova onda, o deslocamento contínuo dos residentes de Monte Horebe os coloca numa condição ainda mais vulnerável.
“Hoje, quase dois anos depois, vemos a comunidade Monte Horebe
abandonada”, disse a cacique Bia. “E estamos pedindo ajuda. Eles tiraram
essa terra de pessoas que não tinham para onde ir.”