sábado, 24 de agosto de 2024

Idealizador da Lei da Ficha Limpa prepara ação no STF contra PEC da Anistia

DEMOCRACIA

Matéria Congresso em Foco | Lucas Neiva | 23.08.2024 17:23 0 | Notícia Em Justiça

Imagem ilustrativa

O Congresso Nacional promulgou nessa quinta-feira (22) a PEC 9/2023, conhecida como PEC da Anistia Partidária, transformando-a oficialmente em emenda constitucional. Aprovada diante de constante protesto de organizações da sociedade civil, a nova lei caminha para uma nova etapa de sua discussão: o advogado e ex-juiz Márlon Reis, idealizador e articulador da Lei da Ficha Limpa, prepara uma ação para ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) para declarar a inconstitucionalidade do perdão às multas dos partidos.

A PEC da Anistia foi fruto de um acordo entre todos os grandes partidos com assentos no Parlamento, desde o PT, sigla do governo, ao PL, de oposição, para perdoar as multas impostas pela Justiça Eleitoral aos partidos que descumpriram as cotas orçamentárias de gênero e raça no pleito de 2022.

A emenda também abre a possibilidade de abatimento de multas com o Fundo Eleitoral, e estabelece o piso de 30% de uso dos recursos de campanha eleitoral para candidaturas negras e indígenas: medida da qual diversos especialistas temem se consolidar na forma de um teto, ao não estabelecer parâmetros de estímulo a aplicações superiores a este valor diante de uma população 56,1% negra, conforme o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ao longo de toda a sua tramitação, apenas as bancadas da federação Psol-Rede e do Novo se opuseram à proposta, mas fora do Legislativo houve um amplo repúdio de organizações da sociedade civil: incluindo tanto movimentos de proteção aos direitos das mulheres, negros e indígenas, quanto entidades de defesa da transparência pública e da lisura do processo eleitoral.

Uma dessas organizações é a Educafro, que tem Márlon Reis como coordenador jurídico. “A PEC da Anistia é um atraso completo, e haverá o questionamento de todos os pontos da emenda no STF”, antecipou.

O jurista explica que a nova emenda contraria os acordos internacionais assinados pelo Brasil, cujos termos foram incorporados à Constituição. “O Brasil é signatário da Convenção Interamericana Contra o Racismo. Ela impede que haja a redução de políticas afirmativas até que o problema [do racismo] seja resolvido, e foi adotada como uma norma de natureza constitucional no país”.

Ao anistiar as multas de descumprimento de uma ação afirmativa, Márlon Reis ressalta que o Congresso não está violando apenas seus compromissos externos. “Estão violando a Constituição, porque essas normas se tornaram internas. São pouquíssimos os instrumentos de proteção aos direitos humanos que foram incorporados dessa forma, e esse foi um deles. O Brasil não está acostumado a debater os efeitos dessa internalização constitucional de convenções internacionais”.

Em sua ação, o advogado também pretende apontar para a incompatibilidade entre a natureza da emenda e a da anistia enquanto estatuto. “A anistia deve ser um instrumento de defesa de direitos, reparar danos injustos provocados por poderosos contra pessoas vulneráveis. Esse é o espírito da anistia. Essa matéria, pelo contrário, visa agregar mais poder aos mais poderosos. Isso não existe na nossa Constituição”.

Mais do que definir se o conceito de anistia é ou não aplicável à situação, Reis espera que o julgamento possibilite a apresentação de uma definição final para o termo. “Esse é o grande espírito desta petição inicial: queremos que o Supremo finalmente diga o que é e o que não é anistia dentro da leitura constitucional, o que é um novo desafio”.

O último julgamento no STF a abordar diretamente a conceituação da anistia foi em maio de 2023, quando a Corte formou maioria pela anulação do indulto presidencial ao ex-deputado Daniel Silveira, do PTB (atual PRD), após este ter sido condenado por diversos crimes contra o Estado de Direito. A posição preponderante foi de que instrumentos como indulto, anistia e graça devem atender parâmetros de interesse público com base em demandas humanitárias, e não em interesses políticos pessoais ou eleitorais partidários.



Lucas Neiva Repórter.

Jornalista formado pelo UniCeub, foi repórter da edição impressa do Jornal de Brasília, onde atuou na editoria de Cidades.

lucasneiva@congressoemfoco.com.br

 

 

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