domingo, 4 de agosto de 2024

Quando a imprensa deixa de fazer seu papel e contribui com a violência policial

 
Ponte Jornalismo | Editora Jessica Santos | Newsletter nº 295 - 03 de agosto de 2024

 

Imagem ilustrativa


A imprensa brasileira tem um histórico de não responsabilizar os governantes pela violência estatal cometida diuturnamente contra populações pobres e racializadas. É como se o chefe do Executivo de qualquer nível não fosse o chefe e sim, uma figura simbólica como o rei da Inglaterra. Na história do Brasil, a cobertura de massacres contra populações pobres é ignorada e diminuída pela imprensa. Nosso diretor de redação, Fausto Salvadori, lembrou que o massacre de Canudos não respingou no presidente da época, Prudente de Moraes, que nem é lembrado por esse episódio. Presidentes, governadores, prefeitos são pouco questionados pela imprensa por violências praticadas por seus agentes ficando patente que a desumanização dos corpos pobres e pretos deste país.

Na semana passada, a Operação Escudo, ação de vingança oficial da Polícia Militar do Estado de SP em comunidades da baixada santista, completou um ano e, até o presente momento, não se viu o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, o suposto “bolsonarista moderado”, responsabilizado uma ação que matou 28 pessoas. Não houve perguntas incômodas, se é que alguém o entrevistou sobre o assunto. A Globo News, por exemplo, entrevistou o governador na semana que a Escudo completou um ano e não foi questionado sobre o tema durante os xx minutos de entrevista.

E não é algo absurdo ou antiético de se fazer. Por exemplo, assisti a um vídeo nas redes sociais da jornalista afro-estadunidense, Rachel Scott, entrevistando o candidato à presidência do país, Donald Trump, durante o encontro da Associação Americana de Jornalistas Negros. Ela simplesmente lista uma série de declarações anteriores sobre líderes negros, seu apoio ao dia 6 de janeiro de 2021, manifestantes e contratações diversificadas. A resposta, claro, foi a la Trump: ele disse que ela foi “rude”, que a pergunta foi “horrível” e que foi o melhor presidente para a população negra. Mas ele respondeu.

Enquanto isso, o governador paulista fala: “Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”. E não houve quem perguntasse se ele não se sentia responsável por essas mortes como chefe do Executivo. Ou quando Guilherme Derrite disse não saber que eram 56 mortos na Operação Verão, algum repórter poderia ter perguntado se ele não acompanha o que acontece em sua pasta. E esses posicionamentos têm sido adotados nas ruas pelos PM, demonstrando a responsabilidade do chefe do Executivo. Conforme a Ponte apurou, ativistas de movimentos sociais em visita a uma comunidade, acompanharam o relato de um comerciante que, ao filmar uma abordagem violenta a um jovem, ouviu do policial: “Filma mesmo. Manda para a ONU e para Liga da Justiça”. Quando não questionado, a imprensa se torna partícipe da violência policial.

Certa vez, o repórter Geneton Moraes Neto expressou seu incômodo em como a imprensa era branda com figuras de autoridade durante uma entrevista a esta que vos escreve para o livro Mestres da Reportagem volume 1. Ele comparou a atuação dos jornalistas no Brasil com os americanos que, segundo ele, tendiam a fazer essas perguntas que podem constranger um político e até o presidente. “Eventualmente, pode parecer agressivo, mas é o papel da imprensa”.

Ao não fazer o seu trabalho, a imprensa está matando as vítimas mais uma vez ao não responsabilizar o chefe do Executivo estadual, como bem disse minha colega, Jennifer Mendonça, em uma reunião de pauta essa semana. A dimensão do que aconteceu foi diminuída como se os policiais tivessem feito por si só, como se não houvesse uma hierarquia que respondesse ao governador.

Em uma das reportagens que a Ponte publicou na última semana sobre o tema, trazemos um vídeo da ativista Andreia MF, líder do Movimento Mães do Cárcere. Nele, Andreia teve a coragem de questionar e cobrar Tarcísio. “Eu estava cansada de gritar nas ruas, eu queria que ele ouvisse uma mãe”.

Tanto o chefe do Executivo estadual quanto o responsável pela Segurança Pública do Estado referendaram pública e sistematicamente a violência durante tanto a Operação Escudo quanto a Operação Verão sem que fossem confrontados com suas próprias falas nas diversas entrevistas ao vivo que deram à imprensa hegemônica. Segundo fontes da Ponte, já se sabe que policiais têm usado os mesmos argumentos jocosos com a população, prova da validação que Tarcísio deu aos seus comandados. O que é segurança quando quem pratica violência é quem é pago para combatê-la? 

Quando a vida das pessoas é sangrada pelo Estado, os Executivos (Legislativos e Judiciários também) de todas as instâncias e de qualquer espectro político devem ser chamados a responsabilidade pela imprensa, sua participação nos malfeitos devem ser expostas, seus nomes devem constar nas manchetes, em entrevistas, essas lideranças devem ser questionadas. O jornalismo que não questiona e não responsabiliza quem fere a direito à vida não pode ser considerado jornalismo, pois fere o nosso próprio código de ética que está comprometido com os direitos humanos.

E nisso a Ponte é diferente. Quando um governante falta com a verdade, dizemos que ele mentiu. Quando há violência policial, chamamos o governo de plantão a responsabilidade, independente de suas cores políticas. Como o Fausto disse em um editorial de 2020: a Ponte não passa pano para ninguém. E termino este texto com um trecho do texto mencionado: “O que nos move é a luta pelos direitos humanos e não modulamos nossa cobertura de acordo com os partidos dos governantes que cometem as violações. Tratamos a todos como iguais, de um jeito que a Ponte sempre fez questão de fazer: nomeando os responsáveis pelos crimes”.





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