domingo, 25 de agosto de 2024

Rios voadores exportam fumaça para sul do país

MEIO AMBIENTE

Queimadas na Amazônia e no Pantanal têm alta antes do pico da estação seca; especialistas vêem tendência de agravamento

Matéria do newsletter Observatório do Clima | 24 de ago. de 2024, 09:0

 

“A fumaça está pegando carona nos rios voadores”, sintetizou o meteorologista Marcelo Seluchi, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Na última semana, a dispersão da fumaça proveniente de incêndios na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal se intensificou e atingiu pelo menos dez estados, no Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país.

Porto Velho registrou a pior qualidade do ar entre todas as grandes cidades brasileiras na última terça-feira (20), segundo dados do IQAir. Nos estados do Amazonas, Roraima e Pará, a fumaça já persiste por semanas sem trégua. Na semana passada, um epidemiologista da Fiocruz Amazônia já havia orientado a população no entorno de Manaus a utilizar máscaras para se proteger da fumaça tóxica.

Em São Paulo, moradores também reclamaram do impacto da poluição e da fumaça intensa. Na tarde de ontem, sexta-feira (23), quando a fumaça oriunda das queimadas ao norte se concentrava principalmente sobre o estado, incêndios na região de Ribeirão Preto chegaram a provocar o bloqueio de estradas no interior. A fuligem se espalhou inclusive na capital, repetindo o cenário visto no início da semana em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.

“Estava tudo laranja e pesado”

Kamila Craveira, analista de pesquisa do Greenpeace Brasil, passou recentemente 14 dias percorrendo parte da Amazônia e do Pantanal por terra e ar e contou o que (não) viu: “Em todo o percurso não se via a cor azul do céu. Estava tudo laranja e pesado. As máscaras protetoras e balaclavas apenas amenizavam a sensação de horror da fumaça tóxica tocando a pele e invadindo os pulmões”, disse.

Apesar de o sistema de monitoramento Servir, da Nasa indicar a predominância de fogo de pastagens, de desmatamento e de roçado na Amazônia, com menor incidência de incêndios florestais, a equipe encontrou focos na floresta em Rondônia. “As chamas se espalhavam depressa e a única certeza ali é que esta não seria a última vez, já que a vegetação apresentava traços de fogo reincidente”, contou Craveira.

Mas foi no Pantanal do Mato Grosso do Sul que a equipe do Greenpeace encontrou as cenas mais chocantes. As áreas devastadas pelo fogo se estendiam por quilômetros. Das estradas percorridas pelo grupo na visita por terra, muitas vezes não se via o final das áreas queimadas. “Numa delas, encontramos animais de diferentes portes carbonizados pelo fogo: cobras, jacarés, javaporcos, todos próximos à estrada, indicando que tentaram correr e se salvar”, relatou a pesquisadora que ao final da expedição, retornou para Manaus, onde mora. Encontrou a cidade “em meio ao caos”, sob fumaça e calor extremo.

Redução de chuvas e secas mais longas

O corredor de fumaça é um resultado direto da grande quantidade de queimadas. No Pantanal, os focos de calor bateram recorde em junho, arrefeceram por alguns dias em julho e depois voltaram a se intensificar. É possível que a área queimada no bioma neste ano supere o recorde, registrado em 2020. Na Amazônia, as regiões sul do Pará, do Amazonas e parte do Tocantins registram alta do fogo, apesar da queda recorde do desmatamento no bioma.

Como explica Marcelo Seluchi, do Cemaden, a alta de focos de incêndio na Amazônia, somada às altas temperaturas, à baixa umidade e aos ventos intensos, têm ajudado a propagar o fogo pelo bioma. “Quando esses incêndios se formam, a fumaça segue o corredor dos ventos. No verão, esse corredor leva a umidade da Amazônia até as regiões Sul e Sudeste do Brasil. Na época seca, leva calor e fumaça”, diz. “No norte do Brasil, os ventos são quase sempre [vindos] de leste levando essa fumaça para oeste. Ela segue contornando os Andes em direção ao sul, e nesses últimos dias se dirigiu à região Sul do Brasil. Tem um contorno muito claro nas imagens de satélite”, descreve.

O especialista acende o alerta para o cenário que se desenha para os próximos anos, com a tendência de períodos de seca cada vez mais longos. Para além da variabilidade anual do clima, a série histórica dos últimos 60 anos mostra uma queda persistente nos acumulados de chuva na Amazônia e em toda a região central do Brasil, com períodos de seca que começam mais cedo e se prolongam mais.

“Isso se expressou também neste ano. Primeiro, tivemos uma estação chuvosa muito deficiente no ano passado e no início deste ano (o que foi agravado pelo El Niño, que provavelmente contribuiu para que chovesse menos no Norte). A estação seca começou antecipadamente – abril, que costuma ser um mês de transição, já foi um mês de estação seca, e isso está acontecendo com certa frequência – e, agora, temos uma previsão de atraso no início da próxima estação chuvosa”, diz.


Imagem: CPTEC/Inpe



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