segunda-feira, 11 de março de 2024

Cobertura jornalística durante o período de chuvas no Brasil

MATÉRIA INTERNACIONAL

por JULIANA AFONSO E LUCAS BOIS - Mar 3, 2024 em JORNALISMO BÁSICO


Foto da capa: Alexandre Brum/Ag. Enquadrar


Quando as nuvens começam a encobrir o céu, nosso primeiro impulso é reorganizar os compromissos do dia para estar em um lugar seguro na hora em que a chuva começar a cair. Essa é uma necessidade ainda maior durante o verão brasileiro, período do ano em que as chuvas são mais fortes e eventos como enchentes, deslizamentos e panes elétricas são mais comuns. A cobertura do período de chuvas é desafiadora. As imprevisibilidades são muitas e os profissionais de comunicação precisam estar preparados.

Persistência e cuidado

O fotógrafo Alexandre Brum já precisou passar a noite em cima de uma passarela nas imediações da Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro (RJ), para se proteger das chuvas. “Quando cheguei no local subi em uma passarela para fazer uma foto do alto. Quando eu desci eu não conseguia passar porque já estava cheio de água. Eu e mais 5 pessoas passamos a noite na passarela. Durante a madrugada as pessoas que estavam nos ônibus foram resgatadas pelos bombeiros com botes, cordas... fiz muitas imagens”, lembra.
 
A escolha de equipamentos adequados, sejam câmeras, celulares ou gravadores, irão garantir o sucesso da cobertura. Com 28 anos de experiência no fotojornalismo, Brum aposta em um número de equipamentos reduzido, a fim de diminuir o peso e facilitar sua movimentação, mas capazes de captar diferentes momentos e estágios de luz.

Até a roupa faz diferença

Roupas confortáveis, botas impermeáveis e algumas ferramentas também podem ajudar na segurança. O fotógrafo do jornal Estado de Minas (MG), Leandro Couri, utiliza roupas militares, como calças com proteção extra e cintos táticos. “A escolha da roupa é muito importante para você conseguir empunhar o seu equipamento. No momento de uma cobertura, você precisa se preocupar com a qualidade da imagem. Se você ficar preocupado em estar confortável você vai fazer o que der e não o extraordinário”, afirma.

Preparação psicológica

Com o crescente debate sobre saúde mental no ambiente de trabalho, existe uma conscientização maior sobre a importância do preparo psicológico dos jornalistas que se dedicam à cobertura de eventos como os climáticos, que podem envolver catástrofes. A exposição a situações de emergência e cenas de grande impacto podem gerar sentimentos de medo, ansiedade e até apatia, causando traumas duradouros.

Couri conta que, quando começou o trabalho com fotojornalismo, queria ver tudo o que pudesse. "Eu achava o maior barato estar no local, ver o que ninguém via e conseguir mostrar aquilo através do meu olhar", diz ele. "Mas ao longo dos anos você vai ficando cheio de cicatrizes. É impossível passar por uma situação dessas sem ser afetado emocionalmente.”

A experiência na área faz com que os jornalistas criem estratégias individuais e coletivas para lidar com acontecimentos marcantes. Brum afirma ter criado uma espécie de autodefesa: “se eu não souber lidar com isso eu não vou conseguir realizar o meu trabalho, e eu preciso realizar o meu trabalho porque ele também é importante, estou ali registrando um fato histórico”.

A cobertura de uma tragédia

Em 2011, chuvas fortes provocaram enchentes e deslizamentos na região serrana do estado do Rio de Janeiro. Com 918 mortos, 100 desaparecidos e grandes perdas materiais, o caso é considerado a maior catástrofe climática do Brasil. Brum foi um dos jornalistas que viu tudo de perto. “Foi uma tragédia, assim... inimaginável. Se eu não tivesse visto com os meus próprios olhos eu não acreditaria”, relembra.

Durante a cobertura, ele precisou ficar distante da família. “Não houve uma preparação por parte da empresa em relação a gente. Eu, a repórter e o motorista passamos a zelar um pelo outro. A gente percebia quando alguém precisava de um carinho, uma atenção maior, uma força. Essa união ajudou muito”, conta.
Foto: Alexandre Brum/Ag. Enquadrar

A falta de um acompanhamento psicológico nas agências e redações é um problema. E faz com que esse tipo de suporte fique à escolha dos jornalistas. Ou seja, é o próprio profissional que tem que se preocupar em buscar ajuda para cuidar da saúde mental.
 
Racismo ambiental

Diante de tragédias cada vez mais intensas, e da possibilidade de que elas ocorram com uma frequência cada vez maior, é fundamental que o jornalismo reflita sobre a sua responsabilidade ética. Uma delas é assegurar a precisão das informações divulgadas.

Para a jornalista e pesquisadora Mariana Belmont, a abordagem das mudanças climáticas ainda continua limitada à repercussão de um acontecimento factual, como enchentes, deslizamentos de terra, perdas materiais e mortes decorrentes. É necessário continuar contando o pós-desastre e trazer à tona a discussão do racismo ambiental.

Ela explica como evitar o racismo ambiental: “Quem são as pessoas mais atingidas em desastres por falta de políticas de prevenção? A crise climática é também humanitária e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e dos povos indígenas", diz Belmont. "A grande imprensa tem o potencial de alertar sobre a gravidade dos riscos climáticos, cobrar e denunciar a falta de planos de adaptação e mitigação”.

Dar voz às reais vítimas

Belmont realizou a cobertura dos deslizamentos que ocorreram no litoral norte do estado de São Paulo, em março de 2023. Naquela tragédia, 65 pessoas morreram e mais de 4 mil ficaram desabrigadas, além das perdas e danos materiais em muitas vilas e cidades ao longo da costa atlântica. Ela conta que o caso só ganhou alcance na mídia nacional porque muitas casas de veraneio pertenciam a pessoas de classe média alta. “Depois que a vida ‘voltou ao normal’ para os ricos, os pobres foram esquecidos e a violação de direitos seguem ocorrendo no território”, afirma.

Para Belmont, é preciso ampliar o espaço de cobertura sobre as mudanças climáticas. “O jornalismo de quebrada, de periferia, comunitário e popular faz com alta qualidade a cobertura. Eles estão perto das pessoas, fazem parte da comunidade. A grande imprensa precisa ouvir mais as pessoas, dar voz.”

Outra responsabilidade do jornalismo é levar essa informação ao público com sensibilidade para que a cobertura da tragédia não se torne uma exploração indevida das populações marginalizadas. Para isso, a pesquisadora sugere uma abordagem mais ampla que inclua um recorte de raça e território. “Entrevistem lideranças negras de organizações e movimentos que lutam pela vida e pelo debate socioambiental no Brasil. Entrevistem especialistas e técnicos negros, indígenas e quilombolas. Parem de repetir copia e cola de entrevista, saiam das redações”, adverte Belmont.







FREELANCERS IJNET
Juliana Afonso e Lucas Bois



 
 
 
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