Newsletter semana da Ponte Jornalismo nº 301 - 14 de setembro de 2024
Geovanna posa em frente à portão da casa, onde foi atingida em 2021 | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo |
Como demonstramos semana passada com o especial que analisou as propostas dos candidatos a prefeitura de São Paulo, a segurança pública tem sido tema recorrente nesta eleição e o papel das GCMs(Guarda Civil Metropolitana) é central nesse debate. De olho em dividendos eleitorais, candidatos a prefeito querem as guardas mais armadas e exercendo função de polícia – pouco importa qual seja a definição constitucional da corporação e como ela deve atuar.
Esta semana, a Ponte publicou uma série de reportagens analisando o papel atual das GCMs e letalidade – problema sempre apontado nas Polícias Militares e que passa a ser também uma questão das guardas municipais. Quando a Constituição Federal de 1988 as instituiu a intenção era de que sua atuação nas cidades fosse destinada “à proteção de seus bens, serviços e instalações”.
Passados 36 anos da promulgação da Carta, vemos guardas cada vez mais parecidos com os PMs tanto em sua ostensividade quanto em sua estrutura de uniformes e veículos camuflados no “padrão Rota”, características que são vedadas pelo Estatuto Geral das Guardas Municipais.
Para ilustrar as consequências desse desvio de finalidade, a Ponte reencontrou Joab e Geovanna, pai e filha vítimas da ROMU, o grupamento “de elite” da GCM de Osasco, cuja truculência resultou na perda de um olho pela jovem e cicatrizes para o resto da vida nele – conforme nossa reportagem de 2021.
Perguntada sobre como foi revê-los, a repórter Jennifer Mendonça disse que ambos estavam retraídos quando ela e o fotojornalista Daniel Arroyo chegaram. “Foi difícil para eles rememorarem toda a situação”, conta. “Tem uma descrição que faço na matéria sobre Giovanna estar sentindo o incômodo da prótese que ela usa, que foi doada. É um globo que não encaixa tão direitinho porque a bala de borracha quebrou um ossinho perto do olho. Ela se sente melhor ao ser vista com a prótese quando está em público.”
A perda do olho afetou a autoestima de Giovanna. Antes de receber a prótese doada, a jovem passou quase um ano sem sair de casa. E, mesmo com ela, mantém os óculos escuros sempre à mão. Seu pai, que tem baixa visão em um dos olhos por causa da ação da GCM, está sem emprego. O único apoio da família é pensão vitalícia de um salário mínimo que Giovanna ganhou. Nada ainda de indenização, tratamento psicológico ou assistência social.
A realidade é que a militarização da GCM já aconteceu, mesmo sendo inconstitucional ao papel de zeladores do patrimônio público. E traz consigo o histórico belicoso de violência nas periferias das cidades que já conhecemos nas PMs. A reportagem conta que já existe uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) no Congresso para mudar o nome de guarda para polícia municipal.
Se a estrutura militar de nossas polícias não tem resolvido a segurança pública do Brasil, o que mais uma polícia nesses moldes fará, senão repetir a fórmula de altas taxas de letalidade entre pretos e pobres? Qualquer solução de segurança pública que não tenha como centralidade a eliminação das desigualdades sociais e do racismo está fadada ao fracasso, independentemente de ser implementada pelo governo federal, estadual ou municipal.
Mas parece que a solução mais fácil e eleitoreira, trazida nos planos de governos dos candidatos à prefeitura de São Paulo, segue o velho slogan de Paulo Maluf: é Rota, ROMU, Iope na rua e rastros de sangue de pobres no chão.
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