terça-feira, 10 de setembro de 2024

Pastores contrariam lei eleitoral e fazem pregação política pelo país e cultos com apoio a Nunes em SP

 

A um mês do pleito, igrejas evangélicas estão em clima eleitoral com pedidos de voto

Matéria Agenda do Poder | Escrito por Gustavo KayeEleições, Política 10 de setembro de 2024 – 05:24

Informações de reportagem de O Globo

“Podemos contar com a sua oração para termos uma representante na Câmara Municipal?”, perguntou o pastor Vanderlei Duarte, da Igreja Internacional da Graça de Deus, em culto em 25 de agosto, em Aracaju.

Frases como esta se repetem em templos espalhados por todo país. A um mês do pleito, igrejas evangélicas estão em clima eleitoral, com pastores mobilizados para eleger representantes alinhados a valores e interesses religiosos, apesar de a lei eleitoral proibir campanha em templos. Muitas dessas pregações políticas se multiplicam e ganham maior alcance na internet em transmissões ao vivo ou em publicações nas redes sociais.

O GLOBO localizou vídeos e áudios de casos desse tipo que ocorreram nas últimas semanas. Há exemplos em que o pedido de voto é feito expressamente e, outros, em que os líderes religiosos mesclam o nome dos políticos que querem beneficiar com pedidos de oração para eles, geralmente apresentados como relevantes para a comunidade.

No culto transmitido pela internet de Aracaju, antes de apresentar outra pastora da igreja, Luciana Ribeiro, candidata do PL a vereadora, Duarte indica saber dos limites da legislação eleitoral.

— A igreja não pede voto, pede oração — diz o líder depois de chamar Luciana à frente e antes de iniciar uma oração em que cita promessas da candidata. — Pessoal, agora é reta final, não é hora de escorregar. É hora de ir. Vamos ter uma representante da igreja na Câmara de Vereadores. Posso contar com vocês?Com a multiplicação? Contamos com a oração e a multiplicação.

Apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro — que contou com muitos líderes evangélicos nas duas últimas eleições presidenciais —, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) é um dos defendidos nas igrejas em São Paulo, onde busca a reeleição. No dia 11 de agosto, em culto na Igreja Mundial do Poder de Deus, o bispo Amaury de Farias exaltou a gestão de Nunes:

— As ruas estão tranquilas, tarifa zero em São Paulo, que benção. Parabéns à prefeitura. Governador Tarcísio de Freitas, aproveita o exemplo do prefeito Ricardo Nunes.

No mesmo culto, o fundador da denominação, Valdemiro Santiago, pediu a “conservação” do prefeito que, segundo o líder, “aprecia a obra de Deus”. Sem citar nominalmente Guilherme Boulos (PSOL), adversário de Nunes, o líder fez um discurso exaltado sobre um candidato que estaria defendendo a legalização da maconha. As declarações se concentravam em como as eleições remontam a uma espécie de guerra espiritual, onde é preciso preservar valores cristãos.

Menções veladas

O mesmo tipo de campanha velada se repete em outras igrejas, sem reação dos fiéis. Uma exceção ocorreu na Assembleia de Deus, Ministério do Belém, no início do mês. Na ocasião, José Wellington Bezerra, pastor da igreja localizada no Belenzinho, na área central da capital, pediu votos ao candidato do PT à prefeitura de São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana de São Paulo, Luiz Fernando Teixeira. O líder explicou que seu apoio se dava pela trajetória do petista enquanto aliado da igreja. O candidato é próximo à filha o pastor, a deputada estadual Marta Costa (PSD). Apesar das justificativas, os presentes logo reagiram com gritos de “PT não!”.

Numa unidade da mesma denominação em Cascavel, no interior do Paraná, o pastor Clemerson da Silva chegou a usar um tom de ameaça ao pedir voto em seu candidato a vereador, Misael Junior (PP):

— Se não votar em Misael para vereador em Cascavel, a fatura vai chegar. Nós já temos um irmão que nos representa atualmente como vereador no nosso município de Cascavel — afirmou, em áudio que foi inicialmente divulgado pelo portal “O Fuxico Gospel”, voltado para evangélicos.

Há líderes religiosos mais discretos, que apenas citam sutilmente candidatos no púlpito. É o caso do pastor André Câmara que, em um culto da Assembleia de Deus em São José dos Campos, no Vale do Paraíba paulista, mencionou o também pastor Edilvado Santos, candidato a vereador na cidade pelo PRD. O religioso fez uma analogia entre um transplante renal feito pelo postulante no passado e a tarefa que receberá de “filtrar o mal” como vereador.

Em uma igreja da Assembleia de Deus em Joinville (SC), o pastor Sergio Melfior citou ao menos quatro candidatos da igreja no culto do dia 19 de agosto. Todos foram apresentados aos fiéis no meio de uma oração.

Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, o veto da lei eleitoral a esse tipo de prática não tem impedido o uso de altares para campanha.

Coordenador-geral adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Bruno Andrade afirma que a mera citação de nomes dentro da igreja já pode ser considerada um pedido de voto expresso, o que é vedado pela legislação eleitoral.

— Citar um candidato pode ser considerado pedido de voto. Na igreja ou em qualquer local religioso não pode ser feita nenhuma manifestação eleitoral. O líder pode se manifestar politicamente enquanto cidadão, mas não pode fazê-lo dentro dos templos.
Ilegal, mas compensa

Mesmo quando gravados nessa conduta ilegal, os pastores raramente são punidos. A lei eleitoral considera igrejas, templos, sinagogas, terreiros e demais espaços religiosos como “bens de uso comum”, assim como estádios ou supermercados, por exemplo. Nestes lugares, é proibido fazer campanha eleitoral a favor e nem acusações contra candidatos. Os estabelecimentos podem ser condenados a pagar uma multa, o que raramente acontece.

Em contrapartida, a prática traz benefícios eleitorais evidentes, o que explica o interesse dos candidatos de todos os matizes ideológicos em se aproximar de líderes religiosos e o crescimento das bancadas evangélicas no Legislativo. Em 2022, o número de parlamentares eleitos que se apresentam como protestantes bateu recorde: 132 deputados federais e 14 senadores.

— É benéfico para as lideranças porque as igrejas são espaços de convivência e confiança, de laços comunitários, um espaço eficaz para se pedir votos. Quando você já tem uma comunidade orgânica, acaba sendo um espaço seguro e que acaba convertendo votos — avalia o cientista político Vinicius do Valle, pesquisador do Observatório dos Evangélicos.

O GLOBO procurou todos os citados, mas eles não responderam os contatos.

 

Origem da Matéria: Pastores contrariam lei eleitoral e fazem pregação política pelo país e cultos com apoio a Nunes em SP 

 

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