Há algumas décadas, uma
"pegadinha"de Orson Welles fazia a América tremer de medo
Orson Welles
O Halloween - a "Noite das Bruxas" - chegou um dia
antes, em 1938, e de forma inesperada para os americanos, acostumados às
inevitáveis brincadeiras do 31 de outubro. Na noite do dia 30, muitos dos seis
milhões de ouvintes da rede CBS e suas filiadas levaram a sério o que ouviam
pelas ondas do rádio: os marcianos estavam invadindo os Estados Unidos!
De acordo com os relatos da época, quem
estava na zona rural correu desesperadamente para a cidade, e cruzou com quem
estava na cidade e procurava refúgio no campo. Os telefones das delegacias de
polícia não paravam de tocar e os gritos de socorro ecoavam pelas ruas.
Foi o caso mais célebre de histeria
coletiva da História, segundo um estudo publicado pelo professor Hadley
Cantril, da Universidade de Princeton.
Os gritos, choros e preces desesperadas
deram lugar aos risos e, em boa parte dos casos, às imprecações, quando se soube
o que realmente estava acontecendo: tratava-se de uma adaptação radiofônica do
livro "A Guerra dos Mundos", de H. G. Wells, feita por Orson Welles
para o programa "Mercury Theatre On The Air", que havia estreado no
dia 11 de setembro do mesmo ano e ia ao ar das 20 às 21 horas. Em sua tese, o
professor Cantril atribuiu a reação popular a três causas: insegurança pessoal,
insegurança econômica e insegurança política.
Naqueles tempos, a voz de Hitler já
ecoava assustadoramente pela Europa e o rádio era o mais poderoso veículo de
comunicação. Roosevelt fazia previsões otimistas em seus discursos, garantindo
que o perigo da depressão econômica estava afastado. O ventríloquo Edgard
Bergen, pai da atriz Candice Bergen, fazia sucesso com as piadas contadas através
de seu boneco Charlie McCarthy e os ouvintes se deliciavam com os clássicos de
Toscanini e dançavam ao som de Benny Goodman. No Brasil, Dorival Caymmi lançava
seu sucesso "O Que é Que a Baiana Tem?" - que também invadiria os
Estados Unidos mais tarde, na voz da "alienígena" Carmem Miranda.
A "INVASÃO"
No começo da transmissão, Welles se apresentara como um certo
professor Pierson, "famoso astrônomo do Observatório de Princeton", e
declarara pelo rádio, na forma de entrevista, que estava ocorrendo uma série de
fenômenos na crosta do planeta Marte. Na verdade, a "entrevista" era
tirada do livro "A Guerra dos Mundos", escrito em 1898 por H. G.
Wells, mas o tom de seriedade fez com que muitos ouvintes achassem que tudo era
verdade.
Na seqüência da transmissão, a emissora informou que um disco
voador havia aterrissado numa pequena fazenda em Grovers Mill, Estado de Nova
Jersey - perto de Nova York. Logo depois, informava em tom sensacionalista que
outros discos teriam pousado em várias partes do país. A transmissão teve
direito até ao pronunciamento de um hipotético secretário do Interior,
"diretamente de Washington", admitindo a gravidade da situação e
pedindo calma aos moradores.
Especialistas no estudo do comportamento humano comentaram em
entrevistas aos jornais da época que "os ouvintes estão sempre prontos a
acreditar no que uma autoridade oficial diz" e, por isso mesmo, o pânico
foi generalizado. Para complicar ainda mais a situação, naquele momento os
americanos temiam uma "invasão" de alemães ou chineses.
Depois do episódio, Welles tornou-se uma celebridade mundial
e foi contratado por Hollywood para escrever, produzir, dirigir e atuar em
filmes nos estúdios da RKO. Os artistas que participaram da famosa adaptação
radiofônica foram chamados para integrar o elenco do antológico "Cidadão
Kane", considerado um dos mais importantes filmes de todos os tempos.
Entre as inúmeras histórias sobre o trauma causado pela
transmissão está a de vários cidadãos que tiveram de ser resgatados seis
semanas depois por voluntários da Cruz Vermelha nas montanhas de Dakota, pois
eles se recusavam a acreditar que tudo não passara de ficção. E uma ingênua operária
mandou a seguinte carta a Orson Welles:"Quando aquelas coisas aconteceram,
eu achei que a melhor coisa a fazer era dar no pé. Então, peguei os 3,25
dólares que havia economizado e comprei uma passagem. Após ter viajado 16 milhas , ouvi dizer que
era tudo uma peça. Agora estou sem o dinheiro e sem os sapatos que ia comprar
com ele. O senhor poderia, por favor, mandar alguém me entregar um par de
sapatos pretos, tamanho 9 B?"
SESSENTA MINUTOS DE MEDO
Eram oito horas da noite em Nova York quando o locutor anunciou,
naquele 30 de outubro de 1938:
"A Columbia Broadcasting System e as emissoras filiadas
apresentam Orson Welles e o Mercury Theatre On The Air, em A Guerra dos Mundos,
de H. G. Wells".
Ao fundo, o trecho de um concerto musical de Tchaikovsky.
Volta o locutor:
"Senhoras e senhores: o diretor do Mercury Theatre e o
astro deste programa, Orson Welles!"
Welles: "Sabemos que desde os primeiros anos do século
XX nosso mundo vem sendo observado meticulosamente por inteligências superiores
às do homem, mas tão mortais quanto as dele. Sabemos que, enquanto os seres
humanos ocupavam-se dos seus vários problemas, eram estudados tão minuciosamente
quanto um homem que, munido de um microscópio, observasse as criaturas
minúsculas que pululam e se multiplicam numa gota d'água. Com infinita
complacência, o povo andou de um lado para outro sobre a Terra, cuidando de
seus afazeres, sereno na segurança do domínio que exerce sobre esse pequeno
fragmento solar rodopiante que, por sorte ou desígnio, o homem herdou do negro
mistério do tempo e do espaço. Entretanto, através do imenso e etéreo abismo,
mentes que estão para as nossas, como estas estão para as dos animais
selvagens, intelectos vastos mas frios e sem compaixão, contemplavam esta Terra
com olhos cobiçosos, e fizeram seus planos contra nós".
O programa é interrompido por um locutor anunciando uma transmissão diretamente do Meridian Room do hotel Park Plaza, de Nova York, onde Ramon Raquello e sua orquestra tocavam "La Cumparsita". Minutos depois, outra interrupção, agora para a informação de que teriam ocorrido misteriosas explosões de gás incandescente no Planeta Marte. O "professor Pierson" começa, então, a dar sua "entrevista" sobre o estranho fenômeno até que o locutor faz novas interrupções para noticiar o aparecimento de discos voadores em diversas partes do país.
"Senhoras e senhores" - dizia o locutor, num dos
comunicados - "tenho uma grave declaração a fazer. Por incrível que
pareça, tanto as observações da ciência quanto a evidência diante de nossos
olhos levam-nos à indiscutível conclusão de que esses estranhos seres que
desceram esta noite sobre as fazendas de Nova Jersey são a vanguarda de um
exército de invasores vindos do planeta Marte. A batalha em Grovers Mill
resultou em uma das mais retumbantes derrotas sofridas por um exército nos
tempos modernos. Sete mil homens armados com rifles e metralhadoras enfrentaram
uma única máquina invasora de Marte. Apenas 120 sobreviveram. Os outros jazem
na área da batalha."
"NÃO DEVO OCULTAR A GRAVIDADE DA SITUAÇÃO..."
A descrição continua com detalhes assustadores e a situação
fica ainda mais tensa com o pronunciamento do "secretário do
Interior", diretamente de Washington":
"Cidadãos do meu país: não devo ocultar a gravidade da
situação que nosso país atravessa, nem a preocupação do seu governo em proteger
a vida e as propriedades do seu povo..."
Seguem-se relatos de novas batalhas, até o intervalo, quando
o locutor informa:
"Estão ouvindo uma apresentação da CBS do Mercury
Theatre de Orson Welles, numa dramatização de A Guerra dos Mundos, de H. G.
Wells. O programa continuará após um breve intervalo. Aqui fala a Columbia
Broadcasting System.."
A esta altura, porém, muitos ouvintes, já em pânico, nem
ouviram a informação. A notícia já estava se espalhando. Na segunda parte do
programa, o tal "professor Pierson" descreve o clima assustador.
"Alcancei a rua 14 e lá estava novamente o pó preto,
vários cadáveres e um cheiro diabólico, pavoroso, exalando dos gradis dos
porões de algumas das casas.."
A descrição continua até dar um salto de alguns anos mais tarde, agora com a vida de volta ao normal, as crianças brincando nas ruas, o povo tranqüilo. E Welles termina o programa:
A descrição continua até dar um salto de alguns anos mais tarde, agora com a vida de volta ao normal, as crianças brincando nas ruas, o povo tranqüilo. E Welles termina o programa:
"Aqui fala Orson Welles desligado do seu personagem para
assegurar-lhes que 'A Guerra dos Mundos' não teve outro objetivo além de
oferecer-lhes um bom divertimento para o domingo. Sua versão radiofônica vestiu
um lençol branco e saiu de trás de uma moita fazendo um 'buuuu'. Aniquilamos o
mundo diante de seus ouvidos e destruímos completamente a CBS. Espero que estejam
aliviados por saberem que não tencionávamos isso e que ambas as instituições
estão funcionando normalmente. De modo que, adeus a todos e lembrem-se, por
favor, pelo dia de amanhã e pelo seguinte, da terrível lição que receberam esta
noite. Este sorridente e globular invasor da sua sala de estar é um habitante
do país das abóboras. Se baterem à sua porta e não houver ninguém lá, não é
nenhum marciano... É Halloween!"
Por Ademir Fernandes, da Agência Estado
A Guerra
dos Mundos de Orson Welles
O dia em
que os americanos deixaram de acreditar na rádio
Sobre o preto e branco de um
antigo clássico do cinema, um jornalista de rádio pergunta e o seu interlocutor
responde:
- "Não creia em tudo o que
diz a rádio".
A cena pertence ao filme
"Citizen Kane", de Orson Welles e é, por certo, uma terrível ironia
pronunciada por quem, três anos antes, havia utilizado magistralmente o rádio
para criar o episódio mais impressionante da história da rádio, episódio esse
que gerou a maior e mais rápida resposta de quem o ouvia. E isto porque os
ouvintes acreditavam na rádio! O período que vai desde 1934 a 1941 é conhecido
nos Estados Unidos como a época dourada da rádio.
Durante essa época os americanos
sintonizavam a rádio, inicialmente como entretenimento e forma de conhecer as
condições e acontecimentos de outros Estados e do mundo. Paulatinamente e sem
se darem conta, foram ficando cada vez mais dependentes da rádio. Durante esse
tempo surgiram mais de 200 emissoras, entre as quais grandes cadeias, como a NBC
ou a CBS. A programação era variada, música, política, notícias, concertos,
comédia, drama, etc.
Centremo-nos neste último
género: as produções dramáticas, ou rádioteatros tal como os conhecemos hoje em
dia, que eram, sem dúvida, os programas mais importantes da rádio difusão nos
Estados Unidos. Falaremos em particular de uma delas que mudaria para sempre a
história da rádio. Entretanto os rádioteatros constituiam a maior oferta das
principais rádios dos Estados Unidos ocupando mais de 70 horas semanais das
quatro cadeias nacionais. A maior parte da programação era dedicada às
mulheres, já que, naquele tempo, eram as que mais tempo estavam em casa fazendo
as suas tarefas domésticas e tendo a rádio por companhia. Esses programas eram
patrocinados por empresas de alimentos e fabricantes de sabão, fato que não
acontecia por acaso dado o público ouvinte a que se destinavam. Eram os
fabricantes de sabões os grandes promotores dos rádioteatros, daí o facto de
ficarem conhecidos como "soap operas", nome que logo foi adaptado à
televisão e que denominava as intermináveis séries melodramáticas.
Foram sucesso nesse tempo
radioteatros como "Backstage Wife", "The Gui ding
Light", "Lorenzo Jones", "Lux Radio Theatre",
"Road of Life", todos eles contendo relatos da vida doméstica dos
americanos. À noite, quando a família podia desfrutar da magia da rádio,
existiam os chamados dramas de prestígio especialmente baseados em relatos
antológicos. Entre as companhias rádioteatrais, a de maior prestígio era a
"Mercury", o "Mercury Theater on the Air" que contava com
importantes figuras como Joseph Cotten, Agnes Moorheard, Ray Collins e Everett
Sloane, que foram famosos durante décadas. Mas entre eles o que mais se
destacava era Orson Welles já com uma extensa carreira e uma interpretação
memorável de "The Shadow". Mas a caracterização mais importante
estava para vir!
Na noite de 30 de outubro de
1938, domingo, a rádio fez a maior demonstração de força da sua então jovem
existência. Foi responsável pela façanha um também jovem e até então quase
desconhecido profissional: Orson Welles, que tinha 23 anos de idade. Com seu
talento, que, pouco depois, iria reafirmar-se com a realização do clássico
"Cidadão Kane", ele transmitiu como se tudo fosse realidade o livro
"A Guerra dos Mundos" de H.G. Wells.
Usando o microfone da rede de
Rádio CBS, na programação do Mercury Theater, para o programa do tradicional
Dia das Bruxas nos EUA, começou a transmitir um jantar-dançante, o qual, a
partir de determinado momento, passou a ser interrompido por sucessivos
boletins, cada vez mais dramáticos, descrevendo o desembarque de naves
marcianas nos Estados Unidos.
Por uma série de fatores, a
transmissão teve uma audiência maior do que a normal. A qualidade da
interpretação e um contexto histórico carregado de tensões, levaram a um
resultado explosivo: um em cada cinco ouvintes não notou que se tratava de uma
obra de ficção e parte considerável do público acreditou que a Terra estava
realmente sendo invadida por marcianos. O Jornal Correio do Povo, de Porto
Alegre-RS, publicou em 31 de outubro de 1938: "Apesar do speaker ter
advertido por quatro vezes durante o programa que se tratava apenas de uma
ficção, houve pânico nos Estados Unidos". Milhares deixaram as suas casas,
tentando fugir das cidades. O pânico provocou acidentes em série, prejuizos
incalculáveis e até suicídios. Nunca mais a sociedade norte-americana olharia a
rádio da mesma maneira.
"Guerra falsa na rádio espalha terror pelos Estados Unidos". Manchete do jornal Daily News de 01.11.38. "... Fizemos o que deveria ser feito.Aniquilamos o mundo diante dos seus ouvidos e destruímos a CBS. Mas vocês ficarão aliviados ao saber que tudo não passou de um entretenimento de fim-de-semana. Tanto o mundo como a CBS continuam a funcionar bem. Adeus e lembrem-se, pelo menos até amanhã, da terrível lição que aprenderam hoje à noite: aquele ser inquieto, sorridente e luminoso que invadiu a sua sala de estar, é um representante do mundo das abóboras e, se a campainha de sua porta tocar e ninguém estiver lá, não era um marciano... é Halloween!"
O programa de Orson Welles
continua a ser considerado um dos momentos mais fascinantes da história da
comunicação de massa.
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