A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto
Por Lúcio Flávio Pinto
Publicado em: 29/03/2021 às 16:58
Moradores da cidade, ao circularem, na semana passada, pelo túnel que dá passagem pelo interior da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, a quarta maior do mundo, distante 16 quilômetros da sede municipal, observaram a existência de infiltrações na parede lateral da barragem de concreto.
Assustados, fizeram circular pelas redes sociais um vídeo que gravaram da água percorrendo toda extensão da parede, do teto ao chão, interessados em saber se havia alguma ameaça à estrutura.
A barragem foi inaugurada em 1984. Tem altura de 72 metros, quase do tamanho de um prédio de 30 andares. Retém 50 bilhões de metros cúbicos (ou 50 trilhões de litros) de água no seu reservatório, de 3 mil quilômetros quadrados (ou 300 mil hectares), formado sobre o leito do rio Tocantins, 300 quilômetros em linha reta ao sul de Belém.
Suas 23 turbinas podem gerar 8,4 mil megawatts, mais de 10% da energia oriunda de hidrelétricas no Brasil. Era a maior obra pública da história da Amazônia. Foi superada mais recentemente pela hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, também no Pará.
A Eletronorte, administradora da usina, distribuiu nota para tranquilizar os moradores de Tucuruí, de 115 mil habitantes, que sofre inundações periódicas pelas maiores cheias do Tocantins. A Eletronorte informou que as infiltrações em grandes estruturas hidráulicas em concreto, “apesar de indesejáveis, são comuns e na maioria dos casos são provenientes de processos físicos e químicos dos materiais”.
A empresa garantiu não ter identificado qualquer problema na segurança estrutural do barramento da hidrelétrica e que as infiltrações “têm caráter sazonal, em função da época de chuvas, e estão ligadas ao nível do reservatório e enchimento de uma das duas eclusas, que permitem a transposição da barragem. A concessionária federal, que é subsidiária da Eletrobrás, comunicou que mantém contato com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) “para análise detalhada pelas equipes técnicas”.
Como a Eletronorte não é um primor de transparência, espera-se por uma próxima comunicação para reforçar a condição de previsibilidade das infiltrações, consideradas sazonais pela empresa. No subconsciente de moradores da região e de muitos outros observadores, fica sempre uma preocupação com o que poderia acontecer num hipotético rompimento da barragem.
Permanentemente são registrados abalos sísmicos na área da inundação, que se estende por 200 quilômetros rio acima, todas de baixa intensidade. São acomodações geológicas à intervenção humana na massa líquida do rio. Não causam danos.
Marlon Braga dos Santos, aluno do programa de pós-graduação em engenharia de barragem e gestão ambiental do Núcleo de Desenvolvimento Amazônico da Universidade Federal, fez, em 2017, Análise computacional do rompimento hipotético da barragem de Tucuruí-PA com o auxílio do software Mike FloodTtucuruí. Com essa dissertação obteve o grau de mestre em Engenharia de Barragem e Gestão Ambiental.
Na sua análise, ele considerou o cenário de transbordamento de água sobre a crista da estrutura e a ruptura total da barragem. No resumo, informa que os resultados apontaram áreas de inundação de até 84,71 km² para os primeiros 110 minutos após o término da formação da brecha de ruptura, com um tempo de resposta de aproximadamente oito minutos para a população residente na área urbana de Tucuruí, indicando alto potencial de perda de vidas humanas.
Destaca que a mancha de inundação hipotética abrange zonas residenciais e o centro comercial da cidade, assim como diversos equipamentos urbanos e órgãos públicos e uma das mais importantes vias de acesso à cidade, a BR 422, o que restringe a definição de rotas de fuga para evacuação da população afetada.
Marlon diz que a hidrelétrica de Tucuruí deveria, obrigatoriamente, elaborar seu Plano de Ação de Emergência até dezembro de 2017, o ano em que realizou a pesquisa. Apesar da obrigatoriedade e do porte da obra, a usina de Tucuruí ainda não possuía “pesquisas orientadas para a análise do seu rompimento hipotético, com avaliação das áreas atingidas e danos ocasionados por tal evento, o que prejudica a sua gestão de segurança e a articulação de medidas para a elaboração do PAE”.
A existência de área urbana a 16 quilômetros a jusante do barramento, segundo o pesquisador, agrava os danos econômicos, sociais e ambientais que ocorrerão na área alagada e em suas adjacências. “Nesse sentido, a definição das áreas que serão inundadas se torna relevante para articular medidas que irão mitigar os impactos ocasionados pela ruptura da barragem, dando suporte às ações dos órgãos públicos de Defesa Civil em situação de emergência em conjunto com a população possivelmente atingida”.
A imagem que abre este artigo mostra a barragem da usina hidrelétrica de Tucuruí no rio Tocantins, Pará (Foto: Eneida Castro/International Rivers)
Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.
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