Desde dezembro do ano passado, o impasse entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o aplicativo de mensagens Telegram tem sido alvo de atenção de jornalistas, políticos, juristas, pesquisadores e todas as pessoas interessadas na discussão sobre o combate à desinformação durante as eleições de 2022.
No dia 16 do último mês, o presidente do Tribunal, ministro Luís Roberto Barroso enviou um ofício ao diretor executivo do aplicativo, Pavel Durov, solicitando uma reunião para discutir formas de cooperação entre o órgão e a empresa no sentido de prevenir o impacto de problemas como a circulação de notícias falsas e campanhas difamatórias pelo aplicativo.
Como o Telegram não possui escritório no Brasil, Barroso sugeriu, inclusive, que o encontro ocorresse com algum representante da plataforma. Contudo, até hoje o ministro não teve resposta.
Segundo o presidente do TSE, o Telegram está presente em 53% de todos smartphones ativos no país e, por meio dele, muitas teorias da conspiração e informações falsas sobre o sistema eleitoral tem sido disseminadas sem qualquer controle.
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Diante da falta de retorno da empresa, na última semana Barroso informou que, na volta do recesso, em fevereiro, discutirá “internamente com os ministros as providências possíveis” em relação ao Telegram.
Em comunicado à imprensa, o ministro acrescentou que tanto ele como seus sucessores – os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Edison Fachin e Alexandre de Moraes – “estão empenhados em promover eleições livres, limpas e seguras”.
Ainda segundo o comunicado, para Barroso “nenhum ator relevante no processo eleitoral de 2022 pode operar no Brasil sem representação jurídica adequada, responsável pelo cumprimento da legislação nacional e das decisões judiciais”. O ministro destaca ainda que o TSE “já celebrou parcerias com quase todas as principais plataformas tecnológicas e não é desejável que haja exceções”.
Impasse
O TSE tem estudado possíveis ações alternativas caso o Telegram se recuse a cooperar com a Justiça Eleitoral brasileira. A mais cotada, até o momento, passa pela mobilização do Congresso Nacional para aperfeiçoar a legislação sobre o tema e até aprovar um projeto de lei que impeça a atuação de empresas que não tiverem representação no país. Contudo, a questão pode exigir soluções mais complexas.
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Para Christian Perrone, Head de Direito e Tecnologia e Govtech do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), o caso do Telegram apresenta particularidades que podem demandar esforços de articulação e elaboração de instrumentos jurídicos em âmbito internacional. Segundo ele, não há dúvidas de que uma empresa que oferta serviços dentro do Brasil deve cumprir com as normas brasileiras. A dificuldade, porém, está “na existência de instrumentos processuais para fazer cumprir tais normas”.
De acordo com Perrone, o caso do Telegram configura um “paradoxo jurídico” para o qual empresas e governos em todo o mundo tem buscado soluções.
“Por um lado, você tem uma rede mundial de dispositivos conectados – a internet –, você tem um ciberespaço que tende a ser global (o que a gente chama de “Data Sphere”), uma esfera de fluxos internacionais de dados; por outro lado, você tem uma regulação que, na maior parte dos casos, é meramente nacional. Ela tende a parar nas fronteiras do país, geograficamente falando”, explicou o jurista à Pulsar.
Perrone ainda destaca que, além da criação de leis e acordos de aplicação extraterritorial ou transnacional, é fundamental que os governos pensem na execução de tais normas, pois, segundo ele, situações como a do TSE em relação ao Telegram apresentam uma série de dificuldades que não são facilmente solucionadas de forma unilateral, isto é, do ponto de vista apenas do Brasil.
“Muitas vezes você realmente precisa de uma questão de relações internacionais. De acordos internacionais, acordos entre países, um sistema de governança internacional que pode facilitar esse processo”, pontua o pesquisador, que lembra que o Brasil aderiu recentemente – em dezembro de 2021 – à Convenção de Budapeste sobre o Crime Cibernético, celebrada na capital da Hungria ainda em 2001.
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Perrone comenta também que existe a possibilidade de países e empresas de redes sociais ou serviços de mensageria estabelecerem acordos formais. Segundo ele, na maioria dos casos, as empresas que possuem atividade no Brasil se mostram interessadas em realizar acordos e cumprir com as normas brasileiras.
No caso do TSE, por exemplo, desde agosto do ano passado o tribunal tem desenvolvido o Programa de Enfrentamento à Desinformação na Justiça Eleitoral. Além de instituições como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, participam do programa plataformas de mídias sociais e de serviço de mensagens como Google, Facebook, Instagram e WhatsApp, bem como agências de checagem de notícias, segmentos da imprensa, telecomunicações, tecnologia da informação, provedores de internet, e partidos políticos.
Edição: Jaqueline Deister
Repórter da Agência Pulsar Brasil.
https://agenciapulsarbrasil.org/impasse-entre-tse-e-telegram-reforca-necessidade-de-acordos-internacionais-para-combater-crimes-ciberneticos/
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