OPINIÃO
Reprodução/Youtube
Ao longo do ano passado, a programação da TV Brasil foi interrompida 209 vezes para a transmissão, ao vivo, de atos com a participação de Bolsonaro ou do interesse dele, como os eventos militares, que foram 35. O levantamento é da Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, com base nas playlists “Agenda do Presidente”, disponíveis no canal TV Brasil/Gov, no Youtube.
Este é um crime de Bolsonaro para o qual a mídia corporativa, com raras exceções, faz vista grossa e passa pano. É crime porque a TV Brasil, que já foi uma emissora pública, à luz da lei 11.652/2008 preserva essa natureza, mas na prática virou palanque eletrônico de Bolsonaro.
Este é um crime de Bolsonaro para o qual a mídia corporativa, com raras exceções, faz vista grossa e passa pano. É crime porque a TV Brasil, que já foi uma emissora pública, à luz da lei 11.652/2008 preserva essa natureza, mas na prática virou palanque eletrônico de Bolsonaro.
A escalada no uso político da emissora – e de outros canais da Empresa Brasil de Comunicação – EBC – tem sido crescente no correr do mandato, embora Bolsonaro tenha ameaçado, na campanha e no início do governo, fechar ou privatizar a empresa.
Em 2019, a partir de abril, foram transmitidos 90 eventos, num total de 51hs44min01s. Como esse uso foi “normalizado”, ele avançou em 2020, com a transmissão de 157 eventos, totalizando 109hs17min40s. E então chegamos a 2021, quando a transmissão de 209 eventos consumiu 165hs10min44s, sem que se ouvisse na mídia a grita que havia no passado, especialmente durante o governo Lula, mesmo contra matérias absolutamente factuais envolvendo o presidente ou ministros. “TV do Lula” faz isso ou aquilo, diziam matérias estrepitosas.
A programação infantil na TV Brasil, como em emissoras públicas de outros países, sempre mereceu espaço generoso (oito horas diárias, no tempo em que presidi a EBC) e tratamento cuidadoso. Pois Bolsonaro tem se permitido inclusive interromper a programação infantil. Na quarta-feira, enquanto esperavam a volta do desenho animado, as crianças podem ter ouvido a entrevista do ministro Queiroga e auxiliares, com mensagens não tão dissimuladas contra a vacinação infantil.
Ele ainda aproveitou o noticiário sobre sua espetaculosa doença intestinal para fazer propaganda eleitoral. Tendo o médico Antonio Luiz Macedo recomendado a mastigação de alimentos 15 vezes, ele perguntou: “não podem ser 22?”. Como sabido, 22 é o número do PL, com o qual Bolsonaro deve ser candidato à reeleição.
Mal deixou o hospital ele foi assistir, na quarta-feira, a um jogo de futebol beneficente organizado pelo cantor sertanejo Marrone (da dupla com Bruno), evento transmitido pela TV Brasil, quebrando a grade e atropelando os princípios legais da programação. Outras transmissões futebolísticas foram usadas para a bajulação de Bolsonaro. Isso sem falar em eventos de cunho evangélico já transmitidos e na aquisição da novela da TV Record “Os Dez Mandamentos”, que está no ar.
Mas não pode o governo ter uma emissora para transmitir atos oficiais, assim como a Câmara, o Senado e o STF têm? Pode, e até deve. Mas não pode fazer isso com a TV Pública. A Constituição, no artigo 223, prevê a complementaridade entre canais privados, estatais e públicos. Ou seja, a convivência, com algum equilíbrio, entre canais comerciais, canais públicos (que devem ser independentes e não governamentais) e canais dos três poderes do Estado. Ocorre que o governo tinha seu canal, a TV NBR, mas Bolsonaro, através de seus interventores, fundiu o NBR com a TV Brasil, a pretexto de reduzir despesas, e a vem transformando nesse monstrengo, que mistura mensagens governamentais com programas que ainda sobrevivem na grade, próprios de emissora pública.
Um compromisso que precisa ser assumido pelo ex-presidente Lula – e por outros candidatos que eventualmente compreendam a importância da comunicação pública nas democracias – é o de reconstruir o sistema EBC, como base na lei original, restaurando a natureza pública de seus canais e destinando à SECOM ou a outro órgão a gestão dos canais governamentais, que devem existir, mas deixando claro o que são.
Reconstruir a EBC significará não apenas isso, mas também dotá-la dos recursos, especialmente da rede de canais que lhe garanta cobertura nacional, para que de fato exista o equilíbrio previsto pelo artigo 223. Mas o primeiro passo será acabar com a bagunça hoje vigente. Uma coisa é uma coisa – comunicação pública. Outra coisa é outra coisa – comunicação governamental.
Texto original em português do Brasil
Em 2019, a partir de abril, foram transmitidos 90 eventos, num total de 51hs44min01s. Como esse uso foi “normalizado”, ele avançou em 2020, com a transmissão de 157 eventos, totalizando 109hs17min40s. E então chegamos a 2021, quando a transmissão de 209 eventos consumiu 165hs10min44s, sem que se ouvisse na mídia a grita que havia no passado, especialmente durante o governo Lula, mesmo contra matérias absolutamente factuais envolvendo o presidente ou ministros. “TV do Lula” faz isso ou aquilo, diziam matérias estrepitosas.
A programação infantil na TV Brasil, como em emissoras públicas de outros países, sempre mereceu espaço generoso (oito horas diárias, no tempo em que presidi a EBC) e tratamento cuidadoso. Pois Bolsonaro tem se permitido inclusive interromper a programação infantil. Na quarta-feira, enquanto esperavam a volta do desenho animado, as crianças podem ter ouvido a entrevista do ministro Queiroga e auxiliares, com mensagens não tão dissimuladas contra a vacinação infantil.
Ele ainda aproveitou o noticiário sobre sua espetaculosa doença intestinal para fazer propaganda eleitoral. Tendo o médico Antonio Luiz Macedo recomendado a mastigação de alimentos 15 vezes, ele perguntou: “não podem ser 22?”. Como sabido, 22 é o número do PL, com o qual Bolsonaro deve ser candidato à reeleição.
Mal deixou o hospital ele foi assistir, na quarta-feira, a um jogo de futebol beneficente organizado pelo cantor sertanejo Marrone (da dupla com Bruno), evento transmitido pela TV Brasil, quebrando a grade e atropelando os princípios legais da programação. Outras transmissões futebolísticas foram usadas para a bajulação de Bolsonaro. Isso sem falar em eventos de cunho evangélico já transmitidos e na aquisição da novela da TV Record “Os Dez Mandamentos”, que está no ar.
Mas não pode o governo ter uma emissora para transmitir atos oficiais, assim como a Câmara, o Senado e o STF têm? Pode, e até deve. Mas não pode fazer isso com a TV Pública. A Constituição, no artigo 223, prevê a complementaridade entre canais privados, estatais e públicos. Ou seja, a convivência, com algum equilíbrio, entre canais comerciais, canais públicos (que devem ser independentes e não governamentais) e canais dos três poderes do Estado. Ocorre que o governo tinha seu canal, a TV NBR, mas Bolsonaro, através de seus interventores, fundiu o NBR com a TV Brasil, a pretexto de reduzir despesas, e a vem transformando nesse monstrengo, que mistura mensagens governamentais com programas que ainda sobrevivem na grade, próprios de emissora pública.
Um compromisso que precisa ser assumido pelo ex-presidente Lula – e por outros candidatos que eventualmente compreendam a importância da comunicação pública nas democracias – é o de reconstruir o sistema EBC, como base na lei original, restaurando a natureza pública de seus canais e destinando à SECOM ou a outro órgão a gestão dos canais governamentais, que devem existir, mas deixando claro o que são.
Reconstruir a EBC significará não apenas isso, mas também dotá-la dos recursos, especialmente da rede de canais que lhe garanta cobertura nacional, para que de fato exista o equilíbrio previsto pelo artigo 223. Mas o primeiro passo será acabar com a bagunça hoje vigente. Uma coisa é uma coisa – comunicação pública. Outra coisa é outra coisa – comunicação governamental.
Texto original em português do Brasil
https://www.jornaltornado.pt/tv-brasil-de-tv-publica-a-palanque-de-bolsonaro/
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