Imagem do banner: Háyô Há-hã-hãe, líder da aldeia Naô Xohã dos Pataxó Hã-hã-hãe, olha para o Rio Paraopeba, atingido por uma onda de lama tóxica do colapso da barragem de rejeitos de Brumadinho em janeiro de 2019. Foto: Nilmar Lage/Greenpeace.
- Grandes instituições financeiras norte-americanas e brasileiras continuam financiando a destruição da Amazônia, investindo em mineradoras que fazem pressão para operar em territórios indígenas, diz um novo relatório.
- Entre as grandes financiadoras estão a BlackRock, o Capital Group e a Vanguard, dos EUA, que juntamente com o fundo de pensões brasileiro Previ têm participações, empréstimos e outras formas de investimento financeiro em nove companhias de mineração, num total de US$ 54,1 bilhões.
- As mineradoras citadas no relatório, entre elas a Vale, a Anglo American e a Rio Tinto, têm histórico de destruição ambiental e violações aos direitos humanos no Brasil e em outros países, e várias já estão operando perto de Terras Indígenas brasileiras, poluindo rios e prejudicando a saúde de comunidades.
- Um projeto de lei que tramita no Congresso permitiria a mineração em Terras Indígenas, algo que atualmente é proibido pela Constituição; a Autoridade Nacional de Mineração (ANM), por sua vez, continua registrando pedidos de mineração em áreas que se sobrepõem a TIs.
Grandes gestores de investimentos, entre eles a BlackRock e o Capital Group, estão entre as mais de uma dúzia de instituições brasileiras e norte-americanas que financiam pesadamente empresas de mineração que estão destruindo territórios indígenas e o modo de vida de seus habitantes na Amazônia.
Esta é a descoberta de um relatório publicado em 22 de fevereiro pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) – a maior organização indígena do país –, a ONG Amazon Watch e o Projeto Amazônia Minada.
As 20 instituições de investimento destinaram um total de US$ 54,1 bilhões a nove conglomerados de mineração – incluindo as gigantes Vale, Anglo American, Belo Sun, AngloGold Ashanti e Rio Tinto – entre 2016 e outubro de 2021, de acordo com o relatório.
Desse montante, US$ 14,8 bilhões vieram apenas de três empresas norte-americanas – BlackRock, Capital Group e Vanguard – sendo que a Black Rock sozinha investiu US$ 6,2 bilhões nas mineradoras. (A BlackRock, o Capital Group e a Vanguard não responderam a pedidos de comentário feitos pela reportagem da Mongabay.)
As empresas sediadas nos EUA, segundo o relatório, “continuam sendo as principais financiadoras da destruição provocada pela mineração, com a posse de ações e títulos mais significativos, ou oferecendo os maiores empréstimos ou financiando as mineradoras”, diz o relatório.
Sete das 20 instituições de investimento são brasileiras, lideradas pela Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, seguida pelo Banco Bradesco. A Mongabay entrou em contato com a Previ e o Bradesco, mas não recebeu resposta.
As mineradoras, por sua vez, apresentaram milhares de solicitações à Agência Nacional de Mineração (ANM) para prospecção em áreas que se sobrepõem a reservas indígenas e unidades de conservação totalmente protegidas na Amazônia. A mineração em reservas é proibida pela Constituição brasileira.
Essas empresas estavam entre as 570 mineradoras, grupos internacionais e associações do setor que juntos tinham 2.478 pedidos de mineração pendentes em 261 territórios indígenas registrados na ANM em novembro passado, diz o relatório. Os pedidos abrangem um total de 10,1 milhões de hectares de terras, uma área maior do que a Coreia do Sul.
“Os valores para as operações dessas companhias no Brasil [fornecem] uma visão mais detalhada dos interesses que as instituições financeiras têm no país”, diz Rosana Miranda, assessora de campanha da Amazon Watch. “É uma rede complexa, não só devido aos meandros que envolvem as mineradoras subsidiárias, mas também pela falta de transparência do setor financeiro, que costuma ser usada como ferramenta para evitar a responsabilização por investimentos potencialmente destrutivos.”
O relatório também contextualiza a crescente financeirização do setor de mineração, dado o aumento do preço de várias commodities minerais. Isso levou a um novo boom, com o valor de mercado das 50 maiores mineradoras do mundo subindo de mais de US$ 1 trilhão durante o primeiro ano da pandemia de covid-19 para US$ 1,4 trilhão em julho de 2021, de acordo com o relatório.
Miranda diz que muitos bancos e gestores de ativos justificam esses investimentos como “passivos”, sobre os quais eles têm pouca influência. “Isso é uma ideia falsa, não só porque eles podem (e devem) ter mais controle sobre seu portfólio, mas também porque os fundos indexados têm critérios de seleção que são criados pelos gestores dos fundos – e se este critério não está levando em conta o futuro do planeta, então precisa ser revisto”, diz ela.
“As áreas indígenas sempre estiveram sob muita pressão por parte do setor da mineração, mas o que está acontecendo no governo Bolsonaro é um ataque coordenado no momento dessa pressão”, diz Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, uma rede de organizações da sociedade civil brasileira que defende ações para evitar as mudanças climáticas.
Astrini observou que o PL 191 – um projeto de lei que está tramitando no Congresso Nacional com o objetivo de liberar as atividades de mineração em territórios indígenas – veio logo depois de conversas com mineradoras. “Agora também há investidores, como mostra o relatório, colocando dinheiro nessa agenda de invasão das áreas indígena. Os povos indígenas no Brasil estão passando por um dos momentos mais delicados porque há várias forças econômicas e políticas contra essas populações.”
Financistas afetam a vida dos povos indígenas
Em 2021, o desmatamento associado à mineração na Amazônia brasileira aumentou 62% em relação a 2018, o ano anterior à posse de Jair Bolsonaro como presidente. Apesar da atividade de mineração nos territórios indígenas ser ilegal, empresas têm pressionado para que isso seja permitido.
Entre elas está a Vale, a maior mineradora do Brasil e a quinta do mundo em termos de faturamento. A Vale, junto com a Samarco e a BHP, foi responsável pelo colapso de uma barragem de rejeitos no município de Brumadinho (MG) em 2019, que desencadeou um dos maiores desastres da mineração do mundo. Embora a Vale tenha anunciado em setembro passado que abriria mão de todos os seus pedidos de mineração em Terras Indígenas, no mês seguinte a empresa apresentou dois novos pedidos de prospecção em áreas adjacentes à TI Xikrin do Cateté, no Pará, lar dos povos Kayapó e Xikrin. Em novembro passado, a Vale tinha 75 solicitações pendentes junto à ANM que se sobrepunham a Terras Indígenas da Amazônia.
Desde 2011, a Vale vêm extraindo níquel perto da Terra Indígena Xikrin do Cateté. Um estudo da Universidade Federal do Pará (UFPA) encontrou níveis excessivos de contaminação por metais pesados em todas as amostras retiradas dos habitantes da comunidade, e alertou que, sem medidas para conter a poluição no Rio Cateté causada pela mina Onça Puma, “estaremos vendo o fim da etnia Xikrin”.
A Vale nega que sua mina seja responsável pelos impactos identificados pelos pesquisadores da UFPA na comunidade indígena.
Em um comunicado, a Vale afirmou que não tem direitos sobrepostos a reservas indígenas no Brasil. “Em 2021, a Vale renunciou a todos os seus direitos minerários em Terras Indígenas no Brasil, tendo, ainda, desistido dos pedidos de autorizações para pesquisa e concessões para lavra (extração) mineral.”
A companhia acrescentou que mantém pedidos de permissão de exploração e concessões de mineração em áreas vizinhas a Terras Indígenas “sem qualquer interseção com áreas demarcadas no país, em plena conformidade com a legislação vigente no Brasil.”
Além disso, a Vale disse que as acusações de contaminação no Rio Cateté são “improcedentes”, citando relatórios de especialistas que comprovam “não haver causalidade entre a operação de mineração de Onça Puma e a suposta contaminação.”
A ANM não respondeu aos pedidos de comentário da Mongabay sobre por que continua registrando pedidos para atividades de mineração em terras que se sobrepõem a reservas indígenas. Uma portaria de 2015 exige que as operações de mineração mantenham um distância de pelo menos 10 quilômetros de terras indígenas.
“Companhias como a Vale declararam que retirariam os pedidos feitos à ANM e, ao mesmo tempo, receberam um financiamento gigantesco nos últimos anos”, disse Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, à Mongabay.
“Mesmo que elas se mudem para áreas próximas [às reservas indígenas], conforme permite a Portaria 60/2015, essas atividades contaminam nossas terras de qualquer forma, uma vez que os metais pesados associados à mineração acabam alcançando os leitos dos rios que correm pelas reservas”, acrescenta Dinamam Tuxá.
Angohó Pataxó, líder comunitária e uma dos 222 indígenas cujas terras e vidas foram afetadas pelo desastre da barragem de Brumadinho, disse à Mongabay que a Vale não reconhece que os impactou diretamente [com o desastre].
“Eles argumentam que nós não vivíamos perto da barragem, mas a cerca de 20 quilômetros dali”, disse ela em entrevista por telefone. “O Rio Paraopeba, contudo, que corre pela aldeia, foi contaminado, bem como nossas terras. Não podemos mais pescar ou caçar, vivemos de doações. E não podemos batizar as crianças que nasceram desde o desastre porque o rio está morto.”
Por: Jenny Gonzales
Fonte: Mongabay
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