Depois do desastre em Minas Gerais, quando 270 pessoas morreram, atitude da Vale de manter os trabalhadores em local arriscado no Pará é vista pelos procuradores como ‘arrogância técnica’ e ‘descaso’
O Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou com uma Ação Civil Pública na Justiça, na última sexta-feira (4), exigindo que a Vale retire com urgência os 1.806 funcionários que trabalham em instalações localizadas abaixo da barragem Mirim, na mina Salobo, no Pará. A ação, com pedido de liminar para retirada imediata, tramita na 2° Vara do Trabalho de Marabá e ainda não foi julgada.
“É preciso agir para não ter que soltar nota de repúdio depois”, afirma o procurador do trabalho Leomar Daroncho. O MPT fiscalizou o local em janeiro e desde então vem tentando negociar com a mineradora a remoção dos trabalhadores, bem como de instalações. Foram estabelecidos prazos e foi proposto um termo de ajustamento de conduta. Porém, as negociações não avançaram e os funcionários permanecem em instalações abaixo da estrutura – problema similar ao que acontecia com a barragem de Brumadinho, que rompeu em 2019 matando, em poucos segundos, 270 pessoas.
Para os seis procuradores que assinam a ação, é “inacreditável” que a empresa “resista de forma reiterada” a retirar os funcionários que trabalham na chamada Zona de Auto Salvamento, que seria atingida imediatamente pela lama da barragem em caso de rompimento, sem tempo para um resgate
“Inacreditavelmente, considerando a lógica dos grandes acidentes envolvendo trabalhadores do setor e o histórico recente de tragédias da própria empresa, a Vale vem resistindo, de forma reiterada, a retirar os trabalhadores indevidamente situados na Zona de Auto Salvamento. Mantém, de forma renitente, 1.806 trabalhadores nessa Zona, que pode ser descrita como a área preferencial de vítimas fatais”, afirmam os procuradores na ação.
Entre as dez estruturas que estão localizadas abaixo da barragem, há uma oficina, um armazém, uma estação de tratamento de esgoto e até um posto de combustível. Além dos funcionários da Vale, trabalhadores terceirizados de outras 26 empresas atuam na zona que seria imediatamente afetada em caso de rompimento.
Instalações da Vale localizadas abaixo de barragem no sul do Pará que, em caso de rompimento, poderia matar 1.086 trabalhadores (Foto: MPT/Divulgação)
A Vale não respondeu aos questionamentos enviados pela Repórter Brasil. Em nota, disse que vai aguardar a citação formal para se manifestar e que reforça seu compromisso com a saúde e segurança dos seus empregados, além de cumprir as obrigações legais.
Um fator de risco apontado pelo MPT é o fato de a barragem de Mirim já ter passado por três alteamentos (ampliação do tamanho para aumentar a capacidade de armazenamento), sendo que o último foi em 2019. Após o rompimento da estrutura da Vale em Minas Gerais, foi criada uma legislação estadual que proíbe a ampliação de barragens que tenham comunidades nas Zonas de Auto Salvamento. Para os procuradores, mesmo sendo uma legislação de Minas Gerais, a empresa deveria considerar o risco existente em outros estados em que atua, como o Pará.
A barragem Mirim é uma gigante com 94,9 milhões de m³ de rejeitos de cobre, volume quase oito vezes maior que a barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Está em andamento uma ampliação da estrutura de Mirim para 280 milhões de m³.
Vista de cima da barragem, que armazena rejeitos da exploração de cobre (Foto: MPT/Divulgação) |
O rompimento da barragem em Brumadinho é o paradigma para os procuradores na ação. Das 270 vítimas, 258 eram trabalhadores. Outros 64 trabalhadores foram atingidos, mas sobreviveram. De acordo com as investigações, a Vale não adotou as medidas necessárias para manter a segurança e nenhum alerta foi dado antes do rompimento. Os procuradores ressaltam que havia uma declaração da TUV SUD, empresa alemã contratada pela Vale, que garantia a “estabilidade” da estrutura, o que se mostrou insuficiente.
“Na postura da ré [Vale], com afirmações reiteradas da suposta inabalável segurança da barragem, no Pará, transparece uma espécie de arrogância técnica similar à verificada em Brumadinho, sendo solapada por eventos trágicos”, afirmam os procuradores. “São 1.806 vidas de seres humanos expostos numa área que seria inundada, na hipótese de colapso da barragem, e em que, reconhecidamente, não haveria tempo para socorrê-los”, destacam os procuradores.
Durante uma inspeção realizada pelo MPT, técnicos de uma empresa prestadora de serviços da Vale desconheciam a maneira de sair do local em caso de rompimento da barragem. Eles disseram que iriam aguardar um ônibus para serem retirados. “Demonstraram total ignorância sobre a necessidade de se dirigirem até o ponto de encontro onde ficariam a salvo do suposto desastre”, afirma o MPT.
Outros trabalhadores relataram que é quase impossível ouvir as sirenes e que mesmo durante os testes não as escutaram. Para o MPT, não se trata apenas de treinar os trabalhadores, mas entender se é factível que centenas de pessoas, ao escutar uma sirene (se o alarme funcionar) sejam capazes de concretizar o treinamento em pânico. “O risco do empreendimento, e dos seus infortúnios, está sendo colocado todo na responsabilidade dos trabalhadores”, entende o MPT.
Quando do desastre em Brumadinho, não foi dado nenhum alerta, apesar de os rejeitos terem atingido o local de trabalho em poucos segundos correndo a uma velocidade de 76 km/h. Dezoito meses após o rompimento, a Repórter Brasil publicou, de forma inédita, um mapa revelando as áreas que poderiam ser atingidas – e as rotas de escape – no caso de rompimento de barragens da Vale em Minas Gerais. Informação que nunca havia, até então, sido divulgada pela mineradora e nem pelo poder público.
A barragem de Mirim armazena rejeitos da extração de cobre da mina de Salobo, que fica localizada dentro da Floresta Nacional do Tapirapé-Aquiri, no complexo de minas da Vale no sul do Pará, no complexo de Carajás. Entrou em operação em 2012 e abastece a demanda mundial pelo cobre, um dos metais mais utilizados na geração e na transmissão de energia, em fiações e onipresente em equipamentos eletrônicos, como televisão e telefone celular.
A produção segue pela ferrovia de Parauapebas (PA) até o terminal de Ponta da Madeira, no Maranhão. Recentemente, a Repórter Brasil publicou um relatório sobre os impactos da cadeia produtiva do projeto Grande Carajás, da Vale.
Por: Daniel Camargos
Fonte: Repórter Brasil
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