Em meio a conflito na Ucrânia, empresas do ramo de fertilizantes querem explorar território extrativista na Amazônia
Por: Murilo Pajolla | Fonte: Brasil de Fato21 de março de 2022
Nas duas primeiras semanas de 2022, a Agência Nacional da Mineração (ANM) recebeu 13 pedidos de mineração de potássio. O número já é maior do que os nove requerimentos registrados em todo o ano passado. Em 2020, foram 17 pedidos; em 2019, 41; e em 2018, seis solicitações.
Dos 13 pedidos registrados neste ano, seis se sobrepõem a duas áreas destinadas à reforma agrária no Amazonas. Outro pedido, em Sergipe, incide sobre três assentamentos. Os estados guardam as principais reservas de potássio no país, junto com Minas Gerais e São Paulo.
A conclusão é de um levantamento realizado pelo Brasil de Fato com base em dados públicos disponibilizados pela ANM. A análise levou em consideração requerimentos de pesquisa ativos de sais de potássio protocolados entre 1º de janeiro e 15 de março de 2022.
Reforma agrária na mira do agronegócio
O potássio é utilizado na produção industrial de fertilizantes agrícolas para o agronegócio. Quase todo o insumo consumido no Brasil é importado, e metade é trazido da Rússia. Com o conflito na Ucrânia, os preços dispararam, e o governo de Jair Bolsonaro (PL) elaborou um plano de estímulo à nacionalização da produção.
Os autores dos pedidos analisados pela reportagem não são grandes mineradoras, mas empresários brasileiros ligados a produção e comercialização de fertilizantes e a especulação fundiária. Com investimentos milionários, os CNPJs são registrados em Brasília (DF), Minas Gerais, Goiás e interior de São Paulo.
Por outro lado, os assentamentos afetados são habitados por 1,5 mil famílias de pequenos agricultores e extrativistas, que dependem da conservação ambiental para sobreviver.
“Esses assentamentos são grandes áreas de proteção ambiental, pela própria lógica existencial das famílias assentadas. Essa não é a lógica dos grandes empreendimentos, da mineração e do agronegócio. A lógica deles é do lucro”, afirma Sabrina Diniz, diretora da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).
“Em um país que está vivendo o avanço da fome, seria imprescindível que essas pessoas tivessem garantido seu direito de produzir alimentos”, complementa.
Assentamentos afetados
O maior território afetado pelos requerimentos minerários deste ano é o Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAA) Curupira, em Nova Olinda do Norte (AM), município a 135 quilômetros em linha reta da capital de Manaus.
Lar de 1,2 mil famílias, o PAA Curupira é alvo de cinco pedidos de mineração que totalizam cerca de 450 quilômetros quadrados, área pouco maior do que a zona urbana da capital amazonense.
No município vizinho de Borba (AM), outro requerimento de exploração de potássio se sobrepõe a aproximadamente um terço do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Axinim, onde vivem 43 famílias, segundo o Incra.
Já em Sergipe, um pedido abrange quase 100% dos Projetos de Assentamentos (PAs) Olga Benário e Celso Furtado, além de uma pequena porção do PA Hugo Herédia, que fica em uma área de restinga.
Os três assentamentos estão no município de Santo Amaro das Brotas (SE), a 40 quilômetros da capital Aracaju. Nessa região, a vegetação costeira vem sofrendo degradação ambiental resultante da extração de madeira, queimadas e do uso da terra para agricultura.
Quem são os empresários?
Por trás dos autores desses pedidos, o Brasil de Fato identificou uma rede de empresas que declararam atuar na fabricação e comércio de fertilizantes, além da especulação fundiária. A pesquisa foi feita com base em dados públicos informados pelos próprios empresários à Receita Federal.
Nos assentamentos Curupira e Axinim, no Amazonas, a autoria dos pedidos é da Gbg Trade Consult Group, sediada no município de Formosa (GO). No cadastro do CNPJ, a empresa informou o “comércio atacadista de defensivos agrícolas, adubos, fertilizantes e corretivos do solo”. O capital social, valor injetado pelos acionistas, é de R$ 100 mil.
Ao que consta dos dados da ANM, a GBG é uma estreante no ramo da mineração. Os primeiros requerimentos à Agência foram feitos todos em 2022. Dos oito pedidos feitos pela empresa, seis se sobrepõem a assentamentos, e o restante incide sobre as áreas adjacentes às terras destinadas à reforma agrária no Amazonas.
Na rede social Linkedin, o advogado Guilherme Borges Gouvea se apresenta como diretor jurídico da Gbg Trade Consult Group. Além de dono de um escritório de advocacia em Brasília, ele é sócio da Demetra Chemicals. Registrada no município de Cravinhos (SP), a Demetra declarou desenvolver atividades de fabricação e comércio de adubos e fertilizantes.
Sócios em comum
Junto com o advogado de Brasília, a Demera tem no quadro societário Milton Cesar Garcia Watanabe. Ele e seu pai, Milton Cesar Rodrigues Watanabe, tem juntos uma outra empresa, a Polomaq Buritis Comércio e Representações de Tratores e Implementos. Com endereço em Buritis (MG), a Palomaq declarou ter faturamento de até R$ 30 milhões, com a venda de máquinas, aparelhos e equipamentos para uso agropecuário, criação de bovinos e cultivo de soja, laranja e eucalipto.
O “fio” dos interessados nas terras da reforma agrária do Amazonas termina na MW Cereals Agronegócios, cujo quadro societário é composto por Milton Cesar Rodrigues Watanabe e Paulo Cesar Martins. Com capital social de R$ 45 milhões, a MW Cereals declarou atuar no comércio de insumos agrícolas, entre eles defensivos, adubos, fertilizantes e corretivos do solo.
Em Sergipe, os assentamentos Olga Benário, Celso Furtado e Hugo Herédia são abrangidos por um pedido de mineração. A autoria do requerimento é da Dord Investimentos e Participações, propriedade de Joao Paulo Borges e cadastrada em Brasília (DF).
Com capital social de R$ 1 milhão, a Dord declarou ser uma holding, tipo de empresa cuja atividade principal é deter participação acionária em outras empresas. Entre as atividades declaradas, estão “apoio à agricultura” e “corretagem na compra e venda e avaliação de imóveis”.
A Dord não tem requerimentos minerários anteriores ao ano de 2022. Neste ano, fez outros três pedidos de exploração de potássio no Sergipe, fora de terras da reforma agrária.
Incra entregou assentamentos à mineração
No dia 3 de janeiro de 2022, entrou em vigor uma norma do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que permite a venda das áreas destinadas originalmente à reforma agrária para empreendimentos de mineração, geração de energia e projetos de infraestrutura.
Segundo reportagem do InfoAmazônia, a medida tem o potencial de destravar 20 mil requerimentos de exploração de minérios – principalmente ouro, ferro e cobre – em terras públicas federais do Incra.
“O agronegócio parte de uma lógica de reconquistar latifúndios ‘perdidos’ para a luta dos movimentos sociais nos últimos 30 anos. E que agora tentam ser retomados por meio da facilitação do governo federal e da tentativa absurda de exploração e destruição ambiental”, avalia Sabrina Diniz, da Abra.
Outro Lado
O Brasil de Fato procurou, via telefone e e-mail, o Incra e todas as empresas e empresários citados. Ninguém havia respondido até a publicação. Caso haja retorno, o texto será atualizado.
Por: Murilo Pajolla
Fonte: Brasil de Fato
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