Por Philip Martin FearnsidePublicado em: 28/12/2020 às 13:30
O aumento da população tem um efeito significativo no desmatamento da Amazônia brasileira [1]. No entanto, interpretar o relacionamento é mais complicado do que se possa imaginar. Estudos que examinam unidades políticas como países, estados ou municípios, ou unidades geográficas arbitrárias, como células de grade, encontrarão resultados sobre mudanças populacionais e taxa de desmatamento que vão em ambas as direções e concluirão que não há relação entre essas duas variáveis.
O primeiro passo para dar sentido a esses dados é remover a população urbana da análise. Embora a população urbana tenha um efeito, é muito diferente do efeito dos atores diretos do desmatamento. Em seguida, deve haver um desdobramento pelos diferentes atores rurais que estão presentes antes e depois da transformação do uso da terra em estudo, como o desmatamento em um determinado período. Esses dados não existem para o Brasil. A única solução é obter informações detalhadas de estudos de caso em locais específicos. É importante que os locais escolhidos sejam “típicos” de grandes áreas de desmatamento.
Os locais sendo convertidos em pastagens para pecuária na Amazônia brasileira representam uma prioridade óbvia. Duas questões-chave que afetam a relação entre população e desmatamento são: (1) quem são os atores, como fazendeiros versus pequenos agricultores, e (2) qual população e uso da terra está sendo substituído. Se a situação for de pequenos agricultores substituindo floresta “desocupada”, então uma população maior (de pequenos agricultores) se traduz em mais desmatamento. Se forem fazendeiros substituindo a floresta “desocupada”, então a mesma relação se aplica, embora o número de pessoas seja menor e a quantidade de desmatamento per capita seja muito maior. Se a situação for de pecuaristas substituindo pequenos agricultores, a população humana diminuirá e a taxa de desmatamento per capita aumentará, resultando em uma relação negativa entre mudança populacional e taxa de desmatamento.
Uma teoria sobre a população é que o aumento da migração rural-urbana resultará no abandono de grandes áreas que atualmente são usadas para agricultura e pecuária, levando ao estabelecimento de florestas secundárias e recuperação da biodiversidade [2]. Infelizmente, além da existência de migração rural-urbana significativa [3], esta teoria tem pouca semelhança com os eventos na Amazônia [4]. Quem migra para as cidades geralmente são ribeirinhos ou outros habitantes ao longo dos rios amazônicos que desmatam muito pouco. Se os atores maiores desistissem de suas operações e se mudassem para as cidades, suas terras seriam vendidas a outros que continuariam a usar as áreas desmatadas (às vezes com intervalos em sucessão secundária). A pastagem requer muito pouco trabalho uma vez estabelecida e uma pequena população pode ocupar uma área muito grande.
Dinâmica doméstica
Os processos familiares entre os pequenos agricultores resultam em desmatamento e os usos da terra nas áreas desmatadas mudarem seguindo padrões previsíveis na medida em que progride o ciclo-de-vida desde jovens casais com filhos pequenos até fases subsequentes [5-7]. Estes efeitos são, em grande parte, independentes de motivos de busca de lucro que podem ser usados como alavancas por programas de incentivo para mudar o comportamento de desmatamento. Estes incluem mudanças demográficas do agregado familiar e as circunstâncias econômicas de cada família [8]. No estágio do ciclo-de-vida familiar em que a capacidade de trabalho está no máximo, bem como a demanda de consumo para sustentar os dependentes, o desmatamento avança na velocidade máxima e é improvável que seja influenciado por intervenções políticas externas. A minimização dos riscos tem precedência sobre a maximização dos lucros [9]. [10]
A imagem que ilustra este artigo é mostra o limite da zona norte de Manaus com a floresta, é parte do ensaio Uma Certa Amazônia, de Alberto César Araújo/Amazônia Real
Notas
[1] Laurance, W.F., A.K.M. Albernaz, G. Schroth, P.M. Fearnside, S. Bergen, E.M. Venticinque & C. da Costa.2002. Predictors of deforestation in the Brazilian Amazon. Journal of Biogeography 29: 737-748.
[2] Wright, S.J. & H.C. Muller-Landau. 2006. The future of tropical species. Biotropica 38: 287–301.
[3] Parry, L., B. Day, S. Amaral & C.A. Peres. 2010. Drivers of rural exodus from Amazonian headwaters. Population and Environment 32(2):137–176.
[4] Fearnside, P.M. 2008. Will urbanization cause deforested areas to be abandoned in Brazilian Amazonia? Environmental Conservation 35(3): 197-199.
[5] Perz, S.G. 2001. Household demographic factors as life cycle determinants of land use in the Amazon. Population Research and Policy Review 20: 159-186.
[6] Perz, S.G. & R.T. Walker 2002. Household life cycles and secondary forest cover among small farm colonists in the Amazon. World Development 30(6): 1009–1027.
[7] Walker, R.T., E. Moran & L. Anselin. 2000. Deforestation and cattle ranching in the Brazilian Amazon: External capital and household processes. World Development 28: 683-699.
[8] Caldas, M.M., R. Walker, E. Arima, S. Perz, S. Aldrich & C. Simmons. 2007. Theorizing land cover and land use change: The peasant economy of Amazonian deforestation. Annals of the Association of American Geographers 97(1): 86–110.
[9] Walker, R.T., S. Perz, M. Caldas & L.G.T. Silva. 2002. Land use and land cover change in forest frontiers: The role of household life cycles. International Regional Science Review 25(2): 169–199.
[10] Esta série é uma tradução atualizada de: Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon. In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, EUA.
Leia os outros artigos da série:
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 1 – Resumo da série
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 2 – O que é desmatamento?
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 3 – Por que o desmatamento é importante?
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 4 – Detecção por satélite
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 5 – Ciclos econômicos e especulação imobiliária
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 6 – Commodities e governança
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 7 – Incentivos fiscais e Posse de terra
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 8 – Lavagem de dinheiro, exploração madeireira e mineração
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 9 – Estradas
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 10 – Soja
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 11 – Pecuária
É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br
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