terça-feira, 10 de outubro de 2023

Como descobrimos a maior apropriação de terras da Amazônia brasileira


por FERNANDA WENZEL | Oct 6, 2023 em REPORTAGEM DE MEIO AMBIENTE

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A Rede de Investigações de Florestas Tropicais (RIN na sigla em inglês) perguntou aos bolsistas da turma de 2022 sobre as metodologias inovadoras por trás de suas reportagens de impacto. A seguir está uma versão resumida do guia de reportagem (disponível em português) publicado no site do Pulitzer Center:

Quando começamos esta investigação (publicada primeiramente pelo Intercept Brasil), nós sabíamos que o principal motor do desmatamento na Amazônia brasileira era a grilagem de terras públicas não designadas pertencentes aos governos federal ou estaduais e que ainda não tinham sido convertidas em terra indígena ou áreas de proteção.

Nossa hipótese era que a apropriação de terras é de fato uma indústria muito organizada que envolve muito dinheiro e acontece em larga escala. À medida que nossa reportagem se desenvolvia, decidimos focar no maior desmatamento da Amazônia.

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Metodologia

Nós usamos o Mapbiomas Alerta para procurar pelo maior desmatamento registrado e o encontramos: um desmatamento de 6.500 hectares no sul do Pará.

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Fizemos o download do arquivo do mapa (ou polígono) do desmatamento, e então usamos o software geoespacial de fonte aberta QGIS para cruzá-lo com os polígonos do Cadastro Nacional de Florestas Públicas (CNFP). Isso nos permitiu confirmar que o desmatamento aconteceu dentro de uma terra pública não designada.





Decidimos usar essa abordagem porque queríamos ir atrás dos grileiros profissionais; aqueles que têm muito dinheiro. Nós sabíamos que a primeira coisa que um grileiro faz é limpar a floresta e que o custo para desmatar 1.000 hectares era em torno de US$ 200.000.

O que era único na nossa abordagem é que não queríamos somente contar a história dos grileiros, mas também das terras. O desmatamento em si era um dos nossos principais personagens.

Assim, nossa investigação tomou dois caminhos diferentes. De um lado, trabalhamos para descobrir quem estava por trás desse desmatamento. Nós sobrepomos os polígonos do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Pará com a área desmatada e descobrimos dois registros no local, em nome de dois homens. Nós usamos tanto o CAR quanto bases de dados do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), o sistema de registro de dados de terras do Incra, para buscar por outras propriedades no nome deles ou de familiares.






Depois, baixamos dados de desmatamento do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), base de dados oficial do Brasil sobre desmatamento, e os sobrepomos às outras propriedades do CAR e Sigef para verificar se elas também eram desmatadas. Usamos dados do Ibama (disponíveis publicamente aqui e aqui) e usamos arquivos jurídicos da Justiça Federal e do Tribunal de Justiça do Pará para verificar o histórico de crimes ambientais. Usamos informações do CruzaGrafos para saber se eles tinham empresas em seus nomes, e usamos arquivos GTA (formato de arquivo que mostra transporte de gado) para ver se eles eram criadores de gado e para quem eles venderam os animais.



Nós usamos as redes sociais para saber como eram essas pessoas, que tipo de vida levavam, o tipo de trabalho que tinham e o quão importantes eram em suas comunidades. Depois de juntar todas essas evidências em uma planilha, tínhamos elementos o bastante para dizer com certeza que um dos homens que tinha registrado a terra em seu nome no CAR era provavelmente um procurador. Mas o outro era de uma família de proprietários de terras locais que produz soja, cria gado e tem influência política sobre a população local. 

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A equipe foi ao sul do Pará em agosto de 2022, quando a Amazônia registrou um número recorde de incêndios. Crédito: Fernanda Wenzel



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O segundo caminho foi contar a história dessa terra. Nosso parceiro de tecnologia, Earthrise Media, usou imagens de satélite de alta resolução para mostrar cada passo do desmatamento, desde a seleção de exploração madeireira até o desmatamento em larga escala e o uso de fogo. Por meio de um processo aberto no Pará depois de a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) multar os grileiros pelo desmatamento, nós também descobrimos o tipo de maquinário usado por eles para derrubar a floresta – motosserras e tratores. Isso foi possível porque o processo incluía um relatório feito por funcionários da Semas quando eles chegaram na área desmatada, no qual eles descreveram o que encontraram no local.






Para localizar esse processo, usamos o nome do grileiro para buscar por processos no Digesto (base de dados de processos paga) e então localizamos o processo em questão no site do Tribunal de Justiça do Pará. Com essas informações, pedimos a um advogado que obtivesse para nós o processo completo (no Brasil, isso só pode ser feito por advogados, e somente se o caso não estiver sob segredo de justiça).

Ao juntar todas essas peças e conversar com fontes locais, pudemos estimar quanto dinheiro eles gastaram no desmatamento (US$ 2,5 milhões) e quanto dinheiro ganhariam se vendessem a terra em seguida (US$ 25 milhões).

Quando já tínhamos muitas evidências, fomos a campo para capturar a atmosfera da região (uma comunidade cuja economia é afetada pela grilagem, desmatamento e mineração ilegal) para tirar fotos e falar com algumas fontes locais.


A equipe foi ao sul do Pará em agosto de 2022, quando a Amazônia registrou um número recorde de incêndios. Crédito: Fernanda Wenzel


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O fotógrafo Bruno Kelly e o motorista Gabrie Bruxel se juntaram a Fernanda em uma viagem de campo de dez dias pela Amazônia. Crédito: Bruno Kelly


​​​​​​O principal desafio foi construir a história desses personagens e da terra, tendo poucas fontes locais e não conseguindo falar com muitas pessoas nem chegar muito perto da área quando estávamos em campo devido a preocupações com a segurança. Mas eu aprendi que quanto mais tempo você gasta buscando por evidências e faz cruzamentos dessas evidências, mais sua reportagem é blindada. Mas não esqueça: você precisa organizar muito bem essas evidências, do contrário será soterrado por informações. 

Eu também aprendi que, em algum ponto, você precisa parar de trabalhar no escritório e colocar seus pés no chão. Não importa o quão difícil vai ser, isso sempre vai te trazer uma visão muito mais realista da pauta, que você vai conseguir compartilhar com o seu leitor.

Foto por

Nathalia Segato via Unsplash.



https://ijnet.org/pt-br/story/como-descobrimos-maior-apropria%C3%A7%C3%A3o-de-terras-da-amaz%C3%B4nia-brasileira


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