sábado, 25 de dezembro de 2021

Patrimônio dilapidado no Território Indígena do Xingu!

Depois de 15 anos sem invasão, madeireiros estão destruindo a floresta do Território Indígena do Xingu, ameaçando a morada de 16 povos indígenas

Por Clara Roman ISA | Esta notícia está associada ao Programa: Xingu


O Território Indígena do Xingu (TIX) está ameaçado. Depois de 15 anos sem invasões, uma nova frente de roubo de madeira ameaça a morada de 16 povos indígenas. A Terra Indígena, de 2,6 milhões de hectares, foi uma das primeiras a ser demarcada há 60 anos. Nos últimos 15, graças a um trabalho intenso de proteção territorial da Associação Território Indígena do Xingu (ATIX), o território se viu livre dos invasores. Em 2019, isso começou a mudar.

O roubo está acontecendo no limite oeste do território, perto do Rio Álamo. As invasões persistem mesmo após ao menos quatro denúncias à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No final de 2020, o Ibama fez uma operação na área, apreendeu e queimou equipamentos. Invasores foram detidos dentro do território e interrogados pelos agentes de fiscalização. Depois de um tempo, as invasões voltaram ao ritmo normal. Em setembro de 2021, o órgão fez uma nova operação, mas pouco tempo depois, os invasores já haviam retornado.

Os indígenas associam a ilegalidade e a persistência dos madeireiros, ao efeito Bolsonaro - agravado com a pandemia. “Na estrada, o cara foi atrás da gente com a arma. A gente seguiu viagem. A gente percebe que eles não tão parando. O governo está liberando tudo”, afirma Hukai Waura, liderança do povo Waura. Hukai organizou expedições até a área da invasão para fazer as denúncias aos órgãos responsáveis, pondo em risco a própria vida. O roubo ocorre próximo das aldeias dos povos Waura e Ikpeng. Os Waura que descobriram as invasões e fizeram as denúncias estão muito preocupados. Afinal, a floresta é o principal patrimônio deles.

“Eles aproveitaram essa chegada da doença e entraram sem ter medo. Sem ter o que impedir”, contou Tahugaki Kalapalo, integrante da equipe de Proteção Territorial da ATIX. Leia mais aqui.

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O entorno do TIX, no Mato Grosso, já foi quase todo desmatado para dar lugar a fazendas de soja e milho. Apenas no limite oeste do território, próximo à área de invasão, ainda tem alguma floresta em pé. Nessa região, existem alguns planos de manejo para a exploração legal de madeira. O problema é que mesmo essa madeira começa a escassear, e os madeireiros estão roubando as árvores de dentro da área indígena. A suspeita é de que os madeireiros estejam utilizando os planos de manejo autorizados pelo governo do Mato Grosso para “esquentar” a madeira roubada dentro do TIX, emitindo documentos falsos de origem florestal. Além do roubo de madeira, o Observatório da Rede Xingu Mais (De Olho no Xingu) detectou mais de 100 km de ramais (estradas ilegais abertas na floresta) dentro do território. Desses, 64 km foram abertos só nos últimos três meses. Tal avanço coloca em risco o esforço de décadas dos indígenas para se proteger.

Os indígenas já flagraram a invasão diversas vezes e encaminharam quatro denúncias para o Ibama, resultando em operações. “Em tempos normais, isso deveria ser suficiente para acabar com o problema. Mas isso não intimidou os caras. Eles continuaram”, afirma Ivã Bocchini, assessor do ISA.

Com a persistência da invasão, mesmo com inúmeras denúncias, vigilâncias dos índios e até fiscalizações do Ibama, aconteceu o previsto: um ponto de invasão antigo, na mesma região, mais ao norte, foi reativado. A atividade ilegal ocorre próximo ao Rio Ronuro. Quem circula pela região consegue escutar o barulho constante da motosserra derrubando as árvores. O foco foi identificado em setembro, quando novos ramais foram encontrados em imagens de satélite da área.

É importante ressaltar que, em 2015, o Mato Grosso havia se comprometido a zerar o desmatamento ilegal até 2020 na Convenção do Clima em Paris (COP-21). O Estado inclusive captou recursos com base nessas metas que ainda não foram cumpridas. Por exemplo, o Mato Grosso foi selecionado em 2017 para receber recursos do Programa Global REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) Early Movers (REM) pelas boas práticas contra o desmatamento, com redução de 86% da destruição das florestas, entre 2004 e 2014. O programa foi lançado na Rio+20 em 2012 e é financiado em ação conjunta pelos governos da Alemanha e Reino Unido.

 
Imagens: 

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