BRASIL
Por Carolina de Assis | 21 junho, 2022
O desaparecimento e os assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, em 5 de junho, atraíram atenção nacional e internacional para a região amazônica onde se encontram as fronteiras entre Brasil, Peru e Colômbia. Do lado brasileiro, a ausência do Estado e a forte presença do crime organizado inibem comunicadores locais de reportar sobre atividades ilegais, conforme disseram especialistas e comunicadores da região à LatAm Journalism Review (LJR).
A variedade de atividades ilegais presentes na região — como o tráfico de drogas e de armas, o garimpo, o roubo de madeira, e a caça e a pesca predatórias — a tornam uma área complexa e um campo minado para jornalistas, descreveu Emmanuel Colombié, diretor para a América Latina da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), à LJR. Para ele, trata-se de “uma região que foge totalmente ao controle do Estado, e essa perda de controle foi acelerada pela chegada de Jair Bolsonaro” à Presidência da República.
Dom Phillips durante entrevista coletiva com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em julho de 2019. (Crédito: Marcos Corrêa/PR)
Phillips vivia no Brasil há 15 anos, trabalhando como correspondente para jornais como The Guardian e Washington Post e dedicando sua cobertura especialmente à pauta ambiental e à região amazônica. Ele viajou a Atalaia do Norte, cidade na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, na companhia do indigenista brasileiro Bruno Pereira para realizar reportagens para um livro que estava escrevendo sobre desenvolvimento sustentável na Amazônia. Pereira era servidor da agência estatal Fundação Nacional do Índio (Funai) e um reconhecido especialista dedicado à proteção de povos isolados na área do Vale do Javari, uma terra indígena demarcada onde vivem cerca de 6 mil indígenas e que tem a maior concentração de povos isolados do mundo.
Os dois desapareceram no dia 5 de junho enquanto navegavam pelo rio Itaquaí, e o grupo indígena que os acompanhava divulgou as ameaças que eles haviam recebido de pescadores ilegais, supostamente financiados por narcotraficantes, no dia anterior. O jornalista e o indigenista haviam registrado a pesca ilegal na área e levariam a denúncia para a Polícia Federal. No dia 7 de junho, a polícia prendeu um pescador como suspeito de envolvimento no desaparecimento. Em 15 de junho, a polícia anunciou que este pescador confessou ter assassinado Phillips e Pereira a tiros e escondido os corpos na floresta. No mesmo dia, os policiais recuperaram dois corpos, que dias depois foram identificados como sendo do jornalista e do indigenista.
A variedade de atividades ilegais presentes na região — como o tráfico de drogas e de armas, o garimpo, o roubo de madeira, e a caça e a pesca predatórias — a tornam uma área complexa e um campo minado para jornalistas, descreveu Emmanuel Colombié, diretor para a América Latina da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), à LJR. Para ele, trata-se de “uma região que foge totalmente ao controle do Estado, e essa perda de controle foi acelerada pela chegada de Jair Bolsonaro” à Presidência da República.
Dom Phillips durante entrevista coletiva com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em julho de 2019. (Crédito: Marcos Corrêa/PR)
Phillips vivia no Brasil há 15 anos, trabalhando como correspondente para jornais como The Guardian e Washington Post e dedicando sua cobertura especialmente à pauta ambiental e à região amazônica. Ele viajou a Atalaia do Norte, cidade na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, na companhia do indigenista brasileiro Bruno Pereira para realizar reportagens para um livro que estava escrevendo sobre desenvolvimento sustentável na Amazônia. Pereira era servidor da agência estatal Fundação Nacional do Índio (Funai) e um reconhecido especialista dedicado à proteção de povos isolados na área do Vale do Javari, uma terra indígena demarcada onde vivem cerca de 6 mil indígenas e que tem a maior concentração de povos isolados do mundo.
Os dois desapareceram no dia 5 de junho enquanto navegavam pelo rio Itaquaí, e o grupo indígena que os acompanhava divulgou as ameaças que eles haviam recebido de pescadores ilegais, supostamente financiados por narcotraficantes, no dia anterior. O jornalista e o indigenista haviam registrado a pesca ilegal na área e levariam a denúncia para a Polícia Federal. No dia 7 de junho, a polícia prendeu um pescador como suspeito de envolvimento no desaparecimento. Em 15 de junho, a polícia anunciou que este pescador confessou ter assassinado Phillips e Pereira a tiros e escondido os corpos na floresta. No mesmo dia, os policiais recuperaram dois corpos, que dias depois foram identificados como sendo do jornalista e do indigenista.
Jornalismo local cerceado
O assassinato de um jornalista no exercício de seu trabalho dentro da Floresta Amazônica é algo sem precedentes na história recente do Brasil. O registro mais recente de comunicador assassinado na região é de 2011, quando Vanderlei Canuto Leandro foi morto a tiros na cidade de Tabatinga, que fica a 32 quilômetros de distância em linha reta de Atalaia do Norte. Segundo a imprensa local, Leandro costumava denunciar em seu programa de rádio supostas irregularidades e atos de corrupção da administração municipal de então e havia relatado ter recebido ameaças por seu trabalho.
A cidade de Atalaia do Norte, no Amazonas. (Crédito: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Com 70 mil habitantes, Tabatinga é a maior e principal cidade da região. O mapeamento mais recente do Atlas da Notícia, referente a 2021, identificou dois veículos de comunicação no município: a Rádio Nacional do Alto Solimões, emissora da estatal Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e a Supermega Webrádio. Segundo o mesmo mapeamento, há apenas outros dois meios na região: em Benjamin Constant, com 44 mil habitantes, o Atlas registrou a Rádio Rios; e em Atalaia do Norte, com 20 mil habitantes, há o registro do blog Jambo Verde.
Jéssica Botelho, pesquisadora responsável pelo mapeamento da região Norte no Atlas da Notícia, disse à LJR que “de modo geral, o ecossistema midiático é muito frágil no Amazonas todo”. Dos 191 veículos mapeados pelo Atlas no Estado, 142, ou 74% deles, estão na capital, Manaus. Na região de Atalaia do Norte as rádios são mais presentes devido à precariedade da conexão com a internet, que dificulta a manutenção de meios online, disse Botelho.
Além disso, segundo ela, também é frequente que estes meios sejam liderados por comunicadores populares, que não têm uma formação jornalística tradicional. “Saindo da capital, tem menos jornalistas profissionais, então até o tratamento jornalístico [dos temas abordados] fica mais complicado”, disse ela. “É uma realidade da região toda. Quando é site ou blog, replica material de assessoria [de prefeituras e governos estadual e federal]. Quando é rádio, replica o conteúdo da Rádio Nacional.”
A jornalista Kátia Brasil, co-fundadora e editora-executiva da agência de jornalismo investigativo Amazônia Real, chama essa situação de “ditadura do release”, como disse em conversa com a LJR. Para ela, os jornalistas nestas regiões “não têm liberdade para escrever de fato como as coisas acontecem”. “Eles são cerceados, eles têm inúmeras violações ao seu trabalho, eles não têm subsídios para trabalhar (...). Eles ficam à mercê deste problema [da reprodução de releases] e isso é sério, porque fere a democracia brasileira, a liberdade de expressão e de imprensa”, disse ela.
As investigações jornalísticas sobre temas socioambientais na Amazônia, especialmente aquelas que tratam de crimes e violações de direitos, são frequentemente realizadas por jornalistas do Sudeste do Brasil, onde estão localizados os principais meios do país, e por jornalistas estrangeiros, como Dom Phillips. Tanto Brasil quanto Botelho ressaltaram que isso se dá justamente pela falta de segurança, pois os profissionais que vivem e são conhecidos nas comunidades estão mais expostos a riscos do que profissionais que passam pouco tempo no local e já estão em outro Estado ou país quando sua reportagem é publicada.
“O jornalismo local é necessário, e na Amazônia, o relacionamento que você tem com as comunidades locais faz toda a diferença na cobertura socioambiental”, disse Botelho. “Este caso [de Phillips e Pereira] é um exemplo. Eles são conhecidos e reconhecidos pelas comunidades indígenas (...). Então esta relação estabelecida faz toda a diferença. Só que quando você mantém uma relação com as fontes, com as comunidades [locais], isso é um risco, porque você acaba visado pelas pessoas que perpetram as violências e violações.”
Ela disse que “incomoda” que jornalistas do Sudeste e estrangeiros “chegam aqui, fazem a matéria, vão embora e ganham um Pulitzer, enquanto o ecossistema midiático local não recebe financiamento, não tem incentivo, não tem fortalecimento de modo geral”.
“Temos um ecossistema midiático e jornalístico local fragilizado, que não consegue se sustentar e não consegue produzir porque não tem dinheiro e está na boca do lobo. Então como garantir produção jornalística independente, original, com reportagem diariamente, se não há infraestrutura que garanta o mínimo de segurança?”, questionou ela.
Crianças indígenas brincam na aldeia Massapê, na Terra Indígena Vale do Javari. (Crédito: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Nailson Tenazor, comunicador responsável pelo blog Jambo Verde, disse à LJR que, embora não tenha formação como jornalista, trabalha com comunicação na região há mais de 30 anos. Seu blog foi criado em 2009 em parceria com seu filho, Matheus Ravel, que hoje é secretário de Comunicação de Atalaia do Norte.
“Não é toda notícia que nós publicamos, porque também temos receio de ser intercalados, de receber um telefonema”, disse ele. “Uma vez eu recebi um telefonema por uma cobertura, mas não era nem uma cobertura; nós recebíamos os releases da polícia de que prendeu determinado traficante, apreendeu drogas, e às vezes esse tipo de informação vai parar em alguém que não gostou ou teve prejuízo. Mas essa foi a única vez e faz muito tempo, então nós temos este cuidado de não dizer quem é o cidadão que está sendo preso. Da nossa parte aqui, a gente não arrisca.”
Tenazor acrescentou, porém, que esta não é uma questão rotineira. “Até porque não existem tantos jornalistas aqui na região. Eu posso contar nos dedos os jornalistas que tem aqui”, afirmou.
Na análise de Tenazor, “não há mais uma separação” entre as atividades do crime organizado na região. “Quem financia a droga, financia a arma, financia também quem entra na área de reserva [indígena] para pescar ilegalmente. (...) O pequeno pescador não tem condições de financiar um bem de pesca, ele não tem dinheiro para colocar uma tonelada de gelo dentro de câmaras frigoríficas ou para comprar gasolina [para a embarcação]. E daí ele vai encontrar alguém que faça este financiamento. E isso é evidente, isso é visível aqui.”
Ele lembrou que em 2019 o servidor da Funai Maxciel Pereira dos Santos, que trabalhava com Bruno Pereira na fiscalização e apreensão de material usado na pesca ilegal, foi assassinado em Tabatinga, em um crime que ainda não foi solucionado. “Tanto os patrões [os financiadores] quanto os pescadores financiados tiveram muitos prejuízos [pelo trabalho de Santos]. (...) Até hoje não sabemos quem mandou [matar] e quem executou Maxciel”, disse ele, que acredita que a impunidade no assassinato de Santos foi “uma porta aberta” para os assassinatos de Phillips e Pereira.
“É complexo, então em muitas coisas a gente não entra, a gente não faz, a gente não busca, porque não queremos arriscar, porque aqui tudo é muito próximo. Por exemplo, eu não tenho amizade com Amarildo de Oliveira [pescador que, segundo a polícia, confessou ter matado Phillips e Pereira], mas tenho amizade com o irmão dele. Então todo mundo se conhece aqui”, disse Tenazor.
Rio Javari em Atalaia do Norte. (Crédito: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Políticas públicas e apoio a jornalistas
Tenazor afirmou que os assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira são um acontecimento extraordinário em Atalaia do Norte. “Não é todo dia que tem cara atirando aqui”, disse o comunicador. Mas ele ressaltou que a região precisa de investimento público e melhorias na qualidade de vida da população para que seja possível combater o crime organizado.
“A gente precisa ter oportunidades (...) para mudar as coisas aqui, para que não haja esse tipo de situação que estamos tendo hoje”, afirmou. “O pescador que invade [o território indígena], se você perguntar para ele se ele quer invadir, se ele quer subir [o rio] e passar um mês passando frio e necessidade, ele não quer, muitos já me falaram isso. Eles vão por uma questão de não ter oportunidades, nem para eles nem para os filhos. (...) Então precisa investir em educação, em gerar oportunidades, empregos e renda.”
Para Kátia Brasil, “a ausência do Estado e o desmantelamento de instituições governamentais” como a Funai, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) contribuem para o aumento da violência e dos riscos para jornalistas na Amazônia.
“Se tem estrutura, organizações [governamentais] e policiamento, os jornalistas não estarão sob ameaça. Os jornalistas poderão transitar normalmente”, disse ela. “O governo precisa efetivamente ocupar aquela fronteira. Ela está totalmente desguarnecida. Você anda quilômetros e quilômetros e quilômetros e não vê um posto policial.”
Da parte das organizações jornalísticas, Brasil ressaltou a importância de se elaborar um protocolo de segurança que apoie os jornalistas em seu trabalho. Tal protocolo envolve uma avaliação de riscos que contemple tanto possíveis ameaças digitais quanto em campo, como um plano para retirar o jornalista do local caso surja algum problema. No caso da Amazônia Real, contou Brasil, este protocolo está sendo desenvolvido com o apoio da RSF.
“Trabalhamos sobre o tema específico de autoproteção física e digital com base numa avaliação das necessidades destes [meios] parceiros”, explicou Colombié, da RSF. “Estabelecemos uma lista de prioridades e construímos uma estratégia para que estas redações que trabalham nestes lugares complexos possam ter protocolos internos de proteção física que começam a partir da análise de risco. Primeiro, [avalia-se] qual é o valor da informação que se está buscando, e a partir disso, quais são os riscos que podem ser enfrentados em campo. Estabelecemos então uma lista de riscos e criamos uma série de protocolos de proteção física. Devem ser analisados o terreno, os contatos de confiança nos locais, o transporte, a comunicação com as equipes que ficam no local da redação”, enumerou.
Colombié também destacou que, tanto a nível local quanto global, é necessário que exista “um discurso público que valorize a importância de uma imprensa livre, independente e plural nestes locais”.
“Graças ao trabalho de jornalistas, estamos realizando o quanto esta região foi abandonada, o quanto esta região é perigosa e o quanto as populações indígenas estão sofrendo justamente pelos ataques permanentes dos poderes econômicos e políticos. Então precisamos mais do que nunca fortalecer o jornalismo local e iniciativas de jornalismo investigativo”, disse ele.
“A gente precisa ter oportunidades (...) para mudar as coisas aqui, para que não haja esse tipo de situação que estamos tendo hoje”, afirmou. “O pescador que invade [o território indígena], se você perguntar para ele se ele quer invadir, se ele quer subir [o rio] e passar um mês passando frio e necessidade, ele não quer, muitos já me falaram isso. Eles vão por uma questão de não ter oportunidades, nem para eles nem para os filhos. (...) Então precisa investir em educação, em gerar oportunidades, empregos e renda.”
Para Kátia Brasil, “a ausência do Estado e o desmantelamento de instituições governamentais” como a Funai, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) contribuem para o aumento da violência e dos riscos para jornalistas na Amazônia.
“Se tem estrutura, organizações [governamentais] e policiamento, os jornalistas não estarão sob ameaça. Os jornalistas poderão transitar normalmente”, disse ela. “O governo precisa efetivamente ocupar aquela fronteira. Ela está totalmente desguarnecida. Você anda quilômetros e quilômetros e quilômetros e não vê um posto policial.”
Da parte das organizações jornalísticas, Brasil ressaltou a importância de se elaborar um protocolo de segurança que apoie os jornalistas em seu trabalho. Tal protocolo envolve uma avaliação de riscos que contemple tanto possíveis ameaças digitais quanto em campo, como um plano para retirar o jornalista do local caso surja algum problema. No caso da Amazônia Real, contou Brasil, este protocolo está sendo desenvolvido com o apoio da RSF.
“Trabalhamos sobre o tema específico de autoproteção física e digital com base numa avaliação das necessidades destes [meios] parceiros”, explicou Colombié, da RSF. “Estabelecemos uma lista de prioridades e construímos uma estratégia para que estas redações que trabalham nestes lugares complexos possam ter protocolos internos de proteção física que começam a partir da análise de risco. Primeiro, [avalia-se] qual é o valor da informação que se está buscando, e a partir disso, quais são os riscos que podem ser enfrentados em campo. Estabelecemos então uma lista de riscos e criamos uma série de protocolos de proteção física. Devem ser analisados o terreno, os contatos de confiança nos locais, o transporte, a comunicação com as equipes que ficam no local da redação”, enumerou.
Colombié também destacou que, tanto a nível local quanto global, é necessário que exista “um discurso público que valorize a importância de uma imprensa livre, independente e plural nestes locais”.
“Graças ao trabalho de jornalistas, estamos realizando o quanto esta região foi abandonada, o quanto esta região é perigosa e o quanto as populações indígenas estão sofrendo justamente pelos ataques permanentes dos poderes econômicos e políticos. Então precisamos mais do que nunca fortalecer o jornalismo local e iniciativas de jornalismo investigativo”, disse ele.
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