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segunda-feira, 23 de setembro de 2024
MP-RO cobra responsabilidade e chama pastas para um contra-ataque
FUMAÇA
A fumaça dos incêndios e queimadas na capital se fundiu com os incêndios florestais ocorridos no interior, no sul do Amazonas e até na Bolívia.
Por Emerson Barbosa - Publicado em 22/09/2024 às 21:25
Na corrida para salvar a floresta e a
população, instituições públicas foram chamadas para a
responsabilização. Na emergência do problema, o Ministério Público
Estadual cobrou dos dirigentes um plano operacional de combate e
controle dos incêndios. A preocupação da entidade comprovou falhas nas
ações do governo estadual.
Fumaça: MP-RO cobra responsabilidade e convoca pastas para um contra-ataque
Na reportagem, o jornalista Emerson Barbosa, do Jornal Eletrônico News Rondônia,
apresenta um mosaico do desdobramento da situação causada pela fumaça,
além de denunciar as ações criminosas flagradas no período de agosto em
Rondônia, auge dos incêndios florestais na Amazônia Ocidental. Por fim, a
reportagem traz o posicionamento das autoridades na tentativa de
enfrentar o problema que, se não for levado a sério, se tornará
insustentável, especialmente considerando a forte estiagem já anunciada
para o próximo ano.
Imagem: Fabiano Coutinho
A fumaça estacionada rente ao chão encobre a terceira maior cidade da
Região Norte. Porto Velho, 28 de agosto de 2024. Na capital, apelidada
de “Cidade do Sol”, o relógio marca meio-dia. Quanto mais as horas
passam, maior é a poluição pelo fumaceiro. Na figura de um algoz, a
contaminação acompanha os passos dos moradores. Fugir é impossível.
Foto: Emerson Barbosa
Na Avenida Campos Sales, o Hospital João Paulo II trata doentes em
situação de urgência e emergência. A unidade está sempre com
superlotação. Ambulâncias chegam a todo momento dos municípios. À
estrutura já precária, dada à falta de gestão pública, somou-se o caos
provocado pela fumaceira. “Estou com uma tia lá dentro. A
situação do hospital já é um desrespeito diante de tudo que pagamos de
impostos para um estado que sequer tem a competência de construir um
hospital público decente para a população. Quem não tem condições de
pagar tem que ficar aí dentro doente e agora morrendo pela fumaça”, lamenta a moradora Sônia Aparecida, de Urupá.
Foto: Emerson Barbosa
A fumaça dos incêndios e das queimadas na Amazônia exemplifica o
desrespeito nesta parte do país, onde o calor provocado pela estação
mais seca do ano transformou-se em um combo de problemas. Nas ruas,
veículos com vidros fechados, pedestres com máscaras tentavam, de alguma
forma, evitar respirar a fumaça.
Fotos: Emerson Barbosa
“Estou fazendo inalação e
usando soro fisiológico. Isso tem me ajudado, já que está horrível para
respirar. Como o ser humano pode fazer isso com o próprio planeta?”, questiona o discente de Letras da Universidade Federal de Rondônia, Lucas M.
No ponto de ônibus, em plena BR-364, o estudante Fábio Amorim aguardava o
coletivo que o levaria para a universidade. São 12h25 de uma tarde
cinzenta de 29 de agosto. Diante do acadêmico, uma rodovia encoberta
pela fumaça. No calor escaldante, o jovem ansiava pela chegada do
ônibus. O veículo tem sido um refúgio para escapar da quentura e da
poluição.
Foto: Emerson Barbosa
No trecho entre Porto Velho e Nova Mutum Paraná, motoristas relatavam cenas perigosas do fogo consumindo os acostamentos.
“Presenciei o fogo invadindo o pasto de uma fazenda. O curral foi
queimado. Sinceramente, por mais que existam incêndios nesta época, com o
trabalho do governo federal, não era para estar nessas condições”, fala o motorista, que seguia viagem para Rio Branco, no Acre.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), com base em imagens da Nasa, reportavam incêndios em
Rondônia e no sul do estado amazonense. Chamas que destruíam milhares de
hectares da floresta amazônica.
Imagem: NASA-USGS-UMD-SDSU
O Google mostrava em tempo real os incêndios em uma área de desmatamento
no município de Cujubim, distante 160 quilômetros de Porto Velho.
Inclusive, o governo federal denunciou que a fumaça que pairava sobre a
capital vinha de incêndios na Estação Ecológica Soldado da Borracha,
entre Porto Velho e esse município. Criada em 2018, por meio do Decreto
22.690/2018, a reserva vem sendo devastada por grileiros.
Em Porto Velho, a fumaça fechou o Aeroporto Internacional Governador
Jorge Teixeira de Oliveira por várias vezes. Um voo da Latam foi
desviado para Manaus (AM). Na aeronave, a ativista da Associação de
Defesa Etnoambiental (Kanindé), Ivaneide Cardozo, presente, criticou
responsabilizando a falta de atuação dos políticos locais. “Nesse
voo está a bancada de políticos de Rondônia. São eles os culpados.
Culpados por flexibilizarem as leis ambientais. O alívio é saber que, em
meio ao caos, as autoridades também estão no prejuízo.”
Álbum pessoal de Neide Cardozo
Desde o mês de julho, o clima em Porto Velho já apresentava
características de uma estiagem severa. No dia 29, a fumaça voltou a
encobrir o céu na capital. Diante da emergência climática, a população
silenciou-se. No ar, a sensação da certeza da impunidade ressoou. “Não
tem manifestação contra a fumaça na porta da prefeitura, governo
estadual, ALE-RO. Absolutamente nada. As pessoas estão morrendo diante
do problema, mas não pressionam o sistema”, reflete Neide Cardozo.
Foto: Fabiano Coutinho
O transtorno provocado pela fumaça dos incêndios chegou como cobrança no
Ministério Público Estadual. Ao assistir ao problema, fazendo-se de
cenário diante da janela, a entidade convocou as pastas para um
enfrentamento imediato. A aplicabilidade dos trabalhos com foco em frear
os danos contra o meio ambiente resultou na urgência que o momento
necessitava. A instauração de um procedimento administrativo foi o
início para criar uma atuação coordenada.
Para o coordenador do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente,
Habitação, Urbanismo, Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico
(Gaema), promotor de Justiça Pablo Hernandez Viscardi, o momento seria
de união entre os responsáveis pelas pastas ambientais. Hernandez
explicou que, desde o início, “existiam políticas de fiscalização, de comando e controle. Que houve um plano prévio”.
Durante uma visita a Porto Velho, em agosto, a ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva,
explicou que 50% dos focos de calor concentraram-se em 21 municípios,
entre os estados do Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia e Mato Grosso.
Além disso, as queimadas ocorriam principalmente no entorno das rodovias
federais BR-319, BR-230 e BR-163.
Apenas nos primeiros 14 dias de agosto, satélites ligados ao Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) identificaram 14.388 focos de
calor na Amazônia Legal. O número supera a média histórica mensal de
26.218 focos. De janeiro a agosto deste ano, Rondônia identificou 4.887
focos de incêndios florestais. Destes, 4.197 foram em áreas municipais,
690 em unidades de conservação de domínio do estado. Os números revelam o
dobro dos registros de todo o ano de 2023, evidenciando a gravidade.
No Parque Estadual Guajará-Mirim, as marcas do fogo se somaram à
degradação ambiental já causada pela ação humana. Esses atos evidenciam o
problema das invasões, o desmatamento e o furto ilegal de madeira na
terra, que clama para continuar existindo. Após entrar na lista das 11
unidades de conservação para desapropriação, em vista de um projeto de
lei aprovado na Assembleia Legislativa (ALE-RO) em 2021, inclusive com
sanção do próprio governador do Estado. O caso, por enquanto, segue
engavetado após uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta
pelo Ministério Público de Rondônia.
Fotos: Mateus Gonçalves
Para a ativista Neide Cardozo, da Kanindé, a intenção é obscura e põe em risco a existência de outras terras protegidas. “O
fato de em Rondônia termos um governador que reiteradamente quer acabar
com as UCs só demonstra o quanto os políticos do Estado estão na
contramão do desenvolvimento sustentável”, declara.
No ambiente de insegurança, ações
coordenadas, após os apelos do Ministério Público, levaram entidades do
governo estadual a mobilizar equipes policiais e brigadistas do Corpo de
Bombeiros para conter o fogo que, sem essas medidas, poderia ter
extinguido 71,5% da área de floresta, ou seja, 1.700 hectares por dia. A
resposta, segundo o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel
Nivaldo Azevedo, “reafirmou o esforço de preservação e segurança da população”.
Para o promotor, a fumaça que se espalhou por Rondônia trouxe danos para
todos e, apesar dos esforços, Hernandez acredita que houve negligência.
“É preciso reconhecer que houve falhas na fiscalização. É um
reconhecimento de que tudo que foi feito não foi suficiente. Já existia
um planejamento para a execução das ações, mas elas não estão sendo
suficientes para conter os focos de incêndios no Estado de Rondônia”, explicou.
De norte a sul, promotores passaram a cobrar os chefes dos executivos
dessas localidades. Em Costa Marques, o fogo invadiu a Reserva
Extrativista do Rio Cautário, também gerida pelo governo estadual.
Imagens de satélite foram decisivas para denunciar as chamas que
consumiam a floresta, exigindo uma ação da Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Ambiental (Sedam). De acordo com Pablo Hernandez, havia
um planejamento para cessar os crimes, mas ele esbarrou na insuficiência
das ações. “Existia um planejamento prévio do estado e dos
municípios. Ocorre que, por diversos fatores e pela deficiência das
ações, nós não conseguimos conter a grande quantidade de incêndios que
surgiram no estado de Rondônia.”
O fogo também chegou a Pimenteiras do Oeste, Corumbiara e Cerejeiras.
Conforme o mês avançava, os focos de calor se espalhavam. Diante da
urgência do problema, o promotor de Justiça Ivo Alex Tavares Stocco
instaurou um procedimento administrativo “pedindo ações planejadas”.
Ao mesmo tempo em que a fumaça escondia
as cidades, ela também expunha o despreparo das instituições ligadas ao
governo estadual, que, apesar de sua longa experiência com a estiagem na
Amazônia, ignoraram os avisos. Em mais um discurso, Viscardi apontou a “escassez de pessoas diante dos inúmeros focos”.
Apesar do clima hostil e dos incêndios
propagados desde julho, o governo estadual só decretou emergência pela
fumaça no dia 26, quando o caos já havia se instalado. Em nota, o chefe
do executivo afirmou que “o decreto vinha para fortalecer as ações em prol do meio ambiente e da população”.
Foto: Daiane Mendonça
É possível afirmar que os incêndios ocorridos em agosto em Rondônia,
Pará, Pantanal e São Paulo tenham ramificações criminosas. A suspeita é
do governo federal, que acionou, por meio do Ministério de Estado do
Meio Ambiente (MMA), as superintendências das polícias federais (PF)
para investigar 31 inquéritos. “Não é natural, em hipótese alguma, que
em poucos dias você tenha várias frentes de incêndios em diversos
municípios. Temos a abertura de 31 inquéritos entre a Amazônia e o
Pantanal”, declarou Silva.
A fala do promotor de Justiça e da ativista ambiental no que tange a
pouca relevância nos esforços de combate aos incêndios por parte do
governo estadual ganhou força na decisão do juiz federal Dimas da Costa
Braga. Ao atender uma Ação civil pública (ACP) do Ministério Público
Federal (MPF) ele classificou de “acanhadas e pouco convincentes” as
operações de mitigação pelo governo estadual. No documento, datado do
mês de setembro, a JF solicita ao Superior Tribunal Federal (STF) que
determine o envio de recursos e estrutura para conter os incêndios
florestais pela União. A decisão também retrata o ponto de vista da
população ao afirmar que “há quase três meses não se enxerga uma
“percepção de mudança por parte da União e muito menos do Estado, de
caráter extraordinário e emergencial, favorecendo a manutenção da
condição de calamidade pública e passando a sensação de isolamento e
abandono. O Estado demonstra letargia e desinteresse em cobrar da União
medidas de sua alçada para debelar a crise”.
A necessidade de uma rápida resolução reuniu, no MPRO, em Porto Velho, a
cúpula dos poderes. Em outro encontro, o Ministério Público convocou os
representantes de nove entidades ligadas ao governo estadual, União e
Forças Armadas. Foi decidida a criação de cinco eixos temáticos para
atuar de forma urgente no controle e combate aos incêndios. A ação
incluiu a imediata suspensão de autorizações para queimas em Porto
Velho, Candeias do Jamari e Itapoã D’Oeste. Além disso, foram definidas
Campanhas Educativas, Fiscalização e Prevenção, Impactos na Saúde e, por
fim, o Combate aos crimes. “Tudo isso de forma urgente e célere”, confirma.
Foto: MP-RO
Para Pablo Hernandez, a partir de agora
caberá aos gestores implementar as ideias para impedir os incêndios na
Amazônia Ocidental rondoniense. Se nada disso for colocado em prática, a
tragédia apresentada este ano será apenas uma prévia do que está
reservado para o ano que vem.
“É preciso desenvolver ações
articuladas. Todos os órgãos responsáveis pela atuação no combate às
queimadas e aos focos de calor devem, a partir de agora, criar uma
atuação planejada, que seja eficaz”, finaliza.
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