GUERRA
Publicado em Al Jazeera | Tradução: Beatriz Macruz |
Antony Loewenstein é jornalista e autor do livro Laboratório Palestina, publicado no Brasil pela Elefante. Há algumas semanas, ele falou à Al Jazeera sobre a atual incursão militar de Israel na Faixa de Gaza, que teve início em 7 de outubro de 2023 e está prestes a completar um ano.
Antony, você diz que Israel sabe que assumir e manter o controle de partes importantes de Gaza não é aceitável para o Hamas ou para o Egito. Então, por que acredita que Israel está insistindo nisso?
Porque pode. E porque os EUA, na verdade Biden e, francamente, Kamala Harris, não exerceram nenhuma pressão séria sobre Israel desde 7 de outubro do ano passado. Não acredito que Washington queira uma guerra regional, e acho que a falta de um cessar-fogo em Gaza traz essa ameaça, pois é muito mais provável que o Irã ou o Hezbollah se envolvam com Israel em uma grave catástrofe regional.
Mas seguimos sem nenhum tipo de pressão séria sobre Israel para que realmente retire as tropas de Gaza. Notei que Antony Blinken [secretário de Estado dos EUA], que esteve na região, afirmou que os EUA se opõem a qualquer tipo de presença israelense de longo prazo em Gaza. Bem, é a mesma coisa que eles dizem sobre a Cisjordânia e aqui estamos 57 anos depois: não é nada temporário, é permanente.
Acho que o que se vê aqui — o que sinto e ouço cada vez mais — é que Israel está fazendo algo semelhante a[os acordos de paz de] Oslo. Oslo foi negociado durante anos, décadas atrás. Negociações rasteiras, enquanto, ao mesmo tempo, a ocupação da Cisjordânia se aprofundava e crescia.
Há uma situação muito semelhante em Gaza, onde não há pressão maciça sobre Israel para que, de fato, remova qualquer tipo de presença militar em Gaza. Você não verá 10.000 colonos surgindo repentinamente em Gaza, mas poderá ver alguns postos avançados de colonos judeus radicais de direita aparecendo em breve. É bem provável que isso aconteça porque é o que o o governo de Israel quer.
Mas a comunidade internacional poderia impedir que os colonos israelenses voltassem a Gaza, não é mesmo?
Bem, poderia? A questão é que, quando se fala em “comunidade internacional”, o que realmente existe é um país que, basicamente, são os EUA. Quero dizer, grande parte do mundo, praticamente o mundo inteiro, na verdade, é contra o que está acontecendo na Cisjordânia há mais de meio século. E, em primeiro lugar, acho que você encontrará apoio maior do que imaginamos dentro de Israel para algo que Israel chama de “tampão de segurança”, mas é, na verdade, uma ocupação.
É a ideia de separar o norte e o sul de Gaza, onde Israel potencialmente conseguiu o controle da região norte. Algum tipo de grupo palestino, seja o Hamas ou algum outro, controla o sul, com centenas de milhares de palestinos, ou mais. Refiro-me à ideia de que o mundo não aceitaria uma coisa dessas.
Mas creio que minha impressão é a de que — e há um artigo recente do editor do jornal israelense Haaretz basicamente dizendo que o pensamento de Netanyahu, o pensamento do governo israelense, é de que, sim, o mundo está indignado, eles expressam oposição ao que essa ocupação potencialmente significa, mas essa pressão vai passar, o mundo vai seguir em frente e ninguém vai se importar.
Eu acho que as pessoas vão se importar e haverá pressão da sociedade civil, boicotes, desinvestimentos etc. Mas, em última análise, haverá pressão real, digamos, de uma presidência de Harris ou de um governo Trump? Israel está apostando que não haverá.
Quanto às negociações de cessar-fogo que começaram em agosto no Cairo. A maioria das pessoas, como você está descrevendo, incluindo as famílias dos reféns mantidos em Gaza, não acredita que Netanyahu esteja disposto a fazer concessões para chegar a um cessar-fogo. Então, o que Israel estaria tentando fazer ao manter as negociações em andamento?
Como eu disse antes, você arrasta as negociações com a ilusão de acreditar em algum tipo de resultado quando sabe que, para a sua oposição, o Hamas, é quase impossível de aceitar. Eles não aceitarão esse tipo de condição. Obviamente, não sabemos exatamente o que foi discutido entre Antony Blinken e Netanyahu, mas, em última análise, não há pressão séria para que Israel ceda. Não vejo isso, não ouço isso e, em última análise, sem essa pressão, a ideia de negociações intermináveis… É possível, é possível que haja algum acordo em que mais alguns reféns sejam libertados do cativeiro do Hamas e alguns palestinos também sejam libertados das prisões israelenses.
Mas o desejo de Israel, que eles já deixaram bem claro, é de que a guerra continue no final desse período de negociações, porque eles querem manter a presença militar em Gaza. E, novamente, dentro de Israel, há muito pouca oposição a isso. É claro que há alguns israelenses que se opõem a isso, mas não é um grande número de pessoas. Há pessoas que querem que os reféns voltem para Israel, o que é totalmente compreensível, é claro, mas, em última análise, ainda não há pressão internacional séria por parte dos países árabes, a maioria deles; dos EUA; da União Europeia… estou falando pressão real, não pressão verbal; pressão econômica, fim da venda de armas para Israel etc.
Você acha que isso vai mudar, Antony? O que será necessário para mudar isso? Porque, se isso não mudar, não haverá nada para ajudar os palestinos em Gaza, não é mesmo?
Não estou dizendo que não há esperança. Acho que a sociedade civil vem se fortalecendo muito, francamente, nos últimos dez meses e, em muitos países, haverá uma enorme pressão para que os governos cortem vínculos econômicos ou armamentistas com Israel. Vejo, por exemplo, que em um número cada vez maior de países há uma pressão maciça sobre os fundos de financiamento para que cortem os laços com as empresas israelenses.
Não estou sugerindo nem por um segundo que não há esperança — não é isso que estou dizendo. O que estou dizendo é que, politicamente, sem uma pressão maciça dos EUA, especialmente de um novo governo Harris ou mesmo de um governo Trump, isso não mudará. E que, como o mundo aceitou essencialmente mais de meio século de ocupação da Cisjordânia, estamos no precipício de o mundo potencialmente, entre aspas, aceitar uma ocupação de Gaza, a menos que haja uma pressão maciça sobre Israel para impedi-la.
Em Laboratório Palestina, Loewenstein explica como Israel exporta tecnologia de ocupação para o resto do mundo. |
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