Por Fabricio Pereira da Silva | Publicado em Latinoamérica21| 27 DE MAIO DE 2022 POR ISADORA ATTAB
Um brasileiro que se descobriu latino-americano
O último grande intérprete do Brasil
Para entender a formação do Brasil segundo Darcy, é fundamental entender que os encontros (consentidos ou não) entre portugueses e indígenas formaram aquele primeiro “homem nada”. Os filhos desses encontros não podiam se identificar como os indígenas que eles desprezavam, nem como os portugueses que os desprezavam.
Essa “ninguendade” que é o “brasilíndio” recebeu mais tarde a contribuição de outra “ninguendade”: os descendentes dos negros escravizados. Desafricanizados pela escravidão, “ou eram brasileiros ou não eram nada, já que a identificação com o índio, com o africano ou com o brasilíndio era impossível”.
Assim foi se formando uma nova identidade: o brasileiro. Um povo novo que não compartilhava do passado europeu, que não tinha em seu presente uma repetição atrasada do passado europeu, e que desse modo só poderia ter um novo futuro. Darcy entendia a história a partir de desenvolvimentos múltiplos. Um deles era exatamente a civilização brasileira em formação, parte de uma civilização latino-americana também em formação.
Toda a violência da história brasileira forjou para Darcy algo belo, mas atravessado por contradições. Darcy nos lembrava que somos filhos da violência, descendentes de escravos e de senhores de escravos, “carne da carne daqueles pretos e índios supliciados” e ao mesmo tempo “a mão possessa que os supliciou”. “A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos”.
Porém, tanta violência poderia ser superada no processo de construção da “Nova Roma tropical” que seriam o Brasil e a América Latina, aquela “nova civilização mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra”.
Darcy faleceu considerando-se derrotado: “tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei”. Mas acrescentava: “os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Se vivo estivesse, se sentiria no Brasil atual ainda mais derrotado – e ainda mais feliz por não estar no lugar dos que o venceram.
Ainda que alguns de seus usos de noções como a mestiçagem e a civilização possam ser criticados (e o são), a visão de Darcy sobre o Brasil e nossa região permite projetar algum futuro, que seja nosso. Que um resgate da utopia de Darcy seja uma das bases da retomada de nossa esperança em dias melhores, e que seu centenário em 2022 seja comemorado como a lembrança de que este país e esta região ainda podem sonhar com um futuro luminoso.
https://elefanteeditora.com.br/o-centenario-de-darcy-ribeiro-e-o-resgate-da-utopia/
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