FABIO SERAPIÃO - Folha de S.Paulo - terça-feira, 10 de maio de 2022
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RASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O uso das instituições públicas para buscar informações contra as urnas eletrônicas vem desde 2019 e envolve o general Luiz Eduardo Ramos e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), atrelada ao Gabinete de Segurança Institucional chefiado pelo também general Augusto Heleno, mostra o inquérito da Polícia Federal.
A investigação da PF, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), foi aberta para apurar a live presidencial de 29 de julho de 2021.
Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro (PL) fez seu maior ataque ao sistema eleitoral, apresentando uma profusão de mentiras e teorias da conspiração sobre as urnas. O caso agora tramita dentro do inquérito das milícias digitais.
Bolsonaro ataca o sistema eleitoral desde quando era deputado e aumentou o tom das críticas na Presidência, em especial após a sua popularidade diminuir com as seguidas crises de sua gestão. Foi quando passou a levantar suspeitas sobre os resultados desta próxima eleição.
No embalo de Bolsonaro, as Forças Armadas passaram a questionar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre supostas fragilidades no sistema eletrônico de votação e criaram tensão com o Judiciário por causa do alinhamento às teses conspiratórias do presidente da República.
Com o aumento das críticas, em 2021, o TSE deu prazo para que Bolsonaro apresentasse provas sobre as supostas fragilidades do sistema eleitoral.
Quando se aproximava o fim do prazo, estipulado para agosto de 2021, o presidente convocou a live de 29 de julho em que atacou diretamente o sistema eleitoral e, entre outros fatos, levantou sem provas a suspeita de fraude na eleição de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) venceu o tucano Aécio Neves.
No caso de 2014, Bolsonaro utilizou como prova uma análise simplória sobre o suposto padrão nos números da apuração dos votos que deu a vitória para a petista. O material, uma planilha com os números de votos, foi elaborado pelo técnico em eletrônica Marcelo Abrieli.
Chamado para depor no inquérito aberto pela PF, Abrieli relatou como foi procurado ainda no primeiro ano de governo, em 2019, pelo general Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, para convidá-lo a participar de uma reunião com Bolsonaro no Planalto.
O tema do encontro era "indícios de fraudes" nas urnas.
"No final de 2019, o general Ramos entrou em contato, por telefone, com o declarante para agendar uma reunião no Palácio do Planalto com o presidente Bolsonaro. Que a reunião teria como tema indícios de fraude nas urnas eletrônicas e que o declarante falaria sobre as informações descobertas em 2014 sobre as eleições", disse Abrieli no depoimento.
De acordo com a versão dada por Abrieli, além do general Ramos e Bolsonaro, participaram da reunião de aproximadamente uma hora de duração cerca de oito pessoas.
O técnico em eletrônica disse à PF que relatou suas descobertas sobre a possível fraude no pleito de 2014 e que as outras pessoas também apresentaram informações sobre possíveis falhas nas urnas.
Questionado pela PF sobre quais informações seriam essas, Abrieli disse não se recordar do conteúdo das apresentações, mas afirmou "saber informar que tudo girava sobre o mesmo tema, ou seja, possível fraude das urnas eletrônicas".
Ainda em seu depoimento, o técnico em eletrônica afirmou que, entre junho e julho de 2021, foi novamente procurado pelo general Ramos. Segundo ele, o contato foi feito quando Bolsonaro estava junto com o general e a ligação foi colocada no viva voz.
"Durante essa conversa foi avisado que estavam reunindo várias informações sobre possível fraude nas urnas eletrônicas. O general Ramos pediu para o declarante falar um pouco sobre as informações que descobriu", disse Abrieli à PF.
Logo após a conversa, segundo Abrieli, outro militar, o coronel Eduardo Gomes da Silva, responsável por apresentar as suspeitas de fraudes na live, entrou em contato com o argumento de que estava trabalhando com Ramos "na coletânea das informações" sobre as urnas.
Além de Ramos, Augusto Heleno, militar que chefia o Gabinete de Segurança Institucional e, por consequência, a Abin, também atuou para obter desinformação contra as urnas.
No mesmo inquérito, o perito criminal da PF Ivo Peixinho, especialista em crimes cibernéticos e responsável por testes nas urnas eletrônicas, disse que, entre 2019 e 2020, o governo federal, por meio da Abin, buscou informações sobre a segurança no sistema eleitoral brasileiro.
O perito conta que "em 2019 ou 2020" a Abin, sob o comando de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro e chefiado por Heleno, enviou uma consulta "sobre informações sobre ocorrências ou atividades envolvendo urnas eletrônicas nas eleições".
Segundo ele, nessa ocasião, produziu um informe com todas as atividades da PF sobre o tema e os relatórios de análise no código fonte das urnas e testes públicos do TSE.
Procurado, o Gabinete de Segurança Institucional afirmou que não se manifesta sobre temas sob apreciação da Justiça Federal.
Embora não apontasse para nenhuma possibilidade de fraude, o material produzido nos testes por Peixinho e outros peritos da PF foi utilizado na live presidencial pelo ministro Anderson Torres (Justiça).
Apesar dos depoimentos, os generais de Bolsonaro não entraram até agora na mira desse inquérito da PF.
Ao concluir a apuração, a delegada Denisse Ribeiro entendeu que a busca por informações para desacreditar o sistema eleitoral é mais um evento relacionado à organização criminosa investigada no inquérito das milícias.
Segundo a delegada, a live presidencial foi realizada com o "nítido propósito de desinformar e de levar parcelas da população a erro quanto à lisura do sistema de votação" e "alimenta teorias que promovem fortalecimento dos laços que unem seguidores de determinada ideologia dita conservadora".
Ofensiva contra urnas envolveu Abin e generais Ramos e Heleno, aponta PF (msn.com)
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