Manaus (AM) – A Justiça do Amazonas censurou uma reportagem da Amazônia Real ,
obrigando a agência a retirá-la do ar sob pena de multa. Publicada em
14 de maio de 2021, a reportagem “Iate do Amazon Immersion estava sem
autorização”, de autoria do jornalista Leanderson Lima, apontava os
nomes dos donos da embarcação onde, em abril do ano passada, em plena
pandemia da Covid-19, ocorreu o evento “Amazon Immersion”, com turistas
brasileiros e estrangeiros. Durante o evento, os turistas visitaram
comunidades indígenas no entorno de Manaus, na bacia do rio Neg ro.
A 10ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho da Comarca de Manaus acatou
pedido dos empresários Waldery Areosa Ferreira, Daniel Henrique Louzada
Areosa e da empresa WL Sistema Amazonense de Turismo.
Desde a manhã da terça-feira (19), a reportagem já não pode ser mais encontrada no site da Amazônia Real ,
cumprindo a decisão judicial. Embora apenas trechos da apuração
jornalística foram contestados, a juíza Mônica Cristina Raposo da Câmara
Chaves do Carmo, da 10ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho da
Comarca de Manaus, determinou a remoção de todo o
conteúdo do ar. A decisão é em caráter liminar e não julga o mérito da
ação, cuja defesa pede uma indenização contra a agência no valor de 8
mil reais.
“Ao determinar a retirada da matéria do ar, sem oportunizar à Amazônia Real o
contraditório, a decisão proferida consubstancia censura, de forma que
impede o livre exercício de atividade jornalística”, afirma a advogada
da agência, Bárbara Trindade. Segundo ela, a decisão judicial foi
baseada em informações não comprovadas e viola as garantias
constitucionais relativas à liberdade de imprensa e informação,
previstas nos artigos 5º, inc. IV, IX e XIV, e 220 da Constituição
Federal. A agência continuará recorrendo na Justiça contra a censura e
também para se defender das acusações infundadas.
A agência de jornalismo independente e investigativo havia
apresentado um recurso junto ao Tribunal de Justiça do Amazonas contra a
decisão judicial por entender que ela viola o exercício da liberdade de
imprensa, censurando uma reportagem lícita, apurada e de interesse
público. No entanto, a desembargadora relatora do recurso, Onilza Abreu
Gerth, da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas, indeferiu o
pedido de atribuição do efeito suspensivo à decisão da 1ª instância. Em
decisão monocrática proferida dia 29 de junho, Onilza Abreu Gerth
concordou com os argumentos trazidos pelo juízo da 10ª Vara Cível e de
Acidentes de Trabalho da Comarca de Manaus/AM de que a publicação, agora
censurada, continha “informações inverídicas”.
No pedido para que a reportagem fosse retirada do ar, os empresários
alegaram que ela associa o nome deles como organizadores do evento
relatado, dizem que não foram consultados antes da divulgação das
informações e que a matéria tem conteúdo difamatório e calunioso,
comprometendo a honra, a reputação e a imagem deles.
“Ao analisar o pleito, embora não tenham os autores juntado uma prova
sequer que embasasse seus pedidos, o juízo de primeiro grau concedeu de
forma inexplicável a tutela de urgência, baseando-se unicamente nas
falsas afirmações arguidas pelos autores”, diz a defesa da agência no
recurso.
A jornalista Kátia Brasil, cofundadora e editora executiva da agência , recebeu a decisão como uma violação de direitos da liberdade de imprensa. “A agência Amazônia Real
ser censurada por um empresário, acusado de diversos processos, e em
plena democracia é algo que eu jamais imaginava acontecer. Essa decisão
judicial não fere só a liberdade de imprensa, fere toda a mídia
independente e investigativa brasileira que exerce o jornalismo para
tornar os cidadãos deste país pessoas livres de amarras e de
desinformação”, afirmou.
Investigação jornalística
Um dos iates usados no cruzeiro no rio Neg ro (Foto: reprodução redes sociais) A reportagem investigou a propriedade dos três iates de luxo contratados pelo evento “Amazon Immersion”, que foi interceptado em uma operação da Polícia Civil do Amazonas, em 6 de abril de 2021, quando navegava pelo rio Negro promovendo festas clandestinas com os turistas brasileiros e estrangeiros .
A pandemia do novo coronavírus vivia uma nova onda ameaçadora e
aglomerações de todos os tipos eram proibidas pelo governo amazonense,
segundo Decreto 43.650 , de 31 de março de 2021.
O cruzeiro chegou a visitar ainda comunidades indígenas que, na
época, não foram incluídas no grupo prioritário de vacina contra a
Covid-19 pelo governo brasileiro porque são consideradas de contexto
urbano ou não demarcadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Em nota, a Secretaria de Comunicação Social do governo do Amazonas
informou à reportagem, em 13 de abril de 2021, que “no caso específico
de evento realizado em uma embarcação de luxo e encerrado pela Polícia
Civil na última semana, não havia qualquer autorização por parte de
secretarias de Estado para a promoção do mesmo”. Por que e como um
evento dessa natureza acontecia naquele momento era um assunto de
interesse público.
Na investigação jornalística, a agência levantou que um dos iates, o
Anna Beatriz, estava irregular de acordo com o 9º Comando Naval da
Marinha do Brasil. A embarcação é de propriedade da WL Sistema
Amazonense de Turismo Ltda, de Waldery Areosa Ferreira e seus filhos.
De acordo com a defesa da Amazônia Real , a
reportagem entrou em contato com a Capitania Fluvial da Amazônia
Ocidental (CFAOC), órgão da Marinha do Brasil, em abril de 2021 para
obter informações sobre a situação das embarcações utilizadas na
expedição “Amazon Immersion”.
Durante a apuração, a reportagem enviou a seguinte pergunta:
2. Também gostaria de saber se as embarcações, esses
iates utilizados no “Amazon immersion” (Lancha Mano Zeca, Ana Beatriz e
Hélio Gabriel) estão devidamente regularizados junto à Capitania dos
Portos?
A resposta enviada pela CFAOC , em nota, foi:
As embarcações: Lancha Mano Zeca e Hélio Gabriel possuem registro regular na Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental.
Não foi encontrado registro da embarcação Ana Beatriz na
jurisdição da CFAOC. Um inquérito foi instaurado para apurar
informações sobre as embarcações.
Procurada, a Assessoria de Comunicação Social do Comando do 9º
Distrito Naval respondeu, em 3 de maio deste ano, que o inquérito citado
acima continua “em andamento de suas apurações”.
“Portanto, a embarcação estava de fato irregular para navegação e não
há o que se falar em falta de checagem de conteúdo veiculado nas
publicações”, diz trecho do recurso apresentado pelas advogadas da Amazônia Real ao Tribunal de Justiça contra a censura.
Censura à imprensa
Print com detalhes da Decisão do Agravo de Instrumento
A defesa também reforçou que o jornalista Leanderson Lima, autor da
reportagem, tentou contato com um dos empresários citados, por meio de
ligação telefônica à empresa dele, e foi informado que a demanda seria
passada para o setor jurídico. Não houve, no entanto, nenhuma resposta
aos questionamentos durante a apuração da história.
O repórter Leanderson Lima também expressou preocupação com a decisão
de censurar a reportagem. “O Brasil vive um momento muito complicado no
que diz respeito à liberdade jornalística. A Amazônia Real ,
como de costume, cumpriu todos os procedimentos que regem a cartilha do
jornalismo ético e comprometido com a verdade”, afirmou. Ele reafirmou
que procurou todos os envolvidos e autoridades.
“Como de costume, gravamos a conversa, ou seja, foi tudo feito dentro
dos padrões jornalísticos. Espero, do fundo do coração, que essa
decisão possa ser revista, ou então, que se fale logo abertamente que a
censura à imprensa está novamente instituída em nosso País. Pelo menos,
assim, saberemos exatamente o que estamos enfrentando em nosso dia a dia
profissional.”
A defesa da Amazônia Real desmentiu também que a
reportagem teria informado que o evento citado foi organizado pelos
empresários. “Tal afirmação não foi feita em momento algum da matéria
jornalística”, diz o agravo de instrumento
negado pelo Tribunal de Justiça do Amazonas. O texto trata apenas da
propriedade das embarcações usadas no evento, os iates Anna Beatriz e
Hélio Gabriel pertencentes à empresa WL Sistema Amazonense de Turismo
Ltda, também proprietária do hotel de selva Amazon Jungle Palace, que
está em nome de Waldery Areosa Ferreira e seus filhos.
“Basta uma breve leitura da matéria para se ter certeza de que não
foi mencionado em nenhum momento qualquer pessoa ou empresa que estaria
por trás da organização do evento”, afirma o recurso da agência.
A matéria jornalística, agora sob censura, publicou informações
apuradas junto a autoridades e só foi ao ar após o jornalista procurar
ouvir os envolvidos. O recurso contra a censura mostra também que as
informações sobre a vida pregressa dos empresários, que fazem parte da
reportagem, são públicas e aparecem em dezenas de outros conteúdos
jornalísticos, inclusive no “Fantástico”, da Rede Globo , um dos programas de maior audiência no Brasil.
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