Violência no Campo
Tudo porque o então governador Almir Gabriel concedeu títulos de terras naquela região, sem autorização da Assembleia Legislativa do Pará
Blog do Zé Dudu | Publicado em 06/07/2022 | às 09:31
Assentados pelo Incra, dois grupos disputam com supostos proprietários, áreas com títulos não reconhecidos pelo Poder Judiciário |
Brasília – Nove anos após sua morte, Almir Gabriel (PSDB), ex-governador do Pará, deixou como um dos legados de seu governo, considerado por muitos, o melhor da história do Pará, um rastro de confusões fundiárias e agrárias. O tucano protagonizou, durante o seu governo, um dos maiores conflitos armados da história agrária do país: o Massacre da Curva do “S”, no dia 17 de abril de 1996, quando 19 sem-terra foram mortos em confronto com tropas da Polícia Militar do Pará, cumprindo ordem, do então governador, de desocupação, a qualquer custo, da rodovia PA-150 (hoje BR-155) bloqueada em protesto.
Passada quase uma década da morte do ex-governador, sabe-se agora, em julho de 2022, que Almir Gabriel ainda é causa de disputa de terras que pode escalar para uma conflito iminente, tudo por causa da concessão ilegal de títulos, pelo então governador, que foram averbados nas matrículas de imóveis registrando a aquisição da propriedades, sendo tal concessão com base no Decreto Lei 57/1969, mas que não foram aprovados pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). Esse títulos foram concedidos na região do Contestado, área limítrofe entre Marabá e Parauapebas.
Porém, há quase três anos, em 23 de julho de 2019, novos títulos foram concedidos, a Marcelo Wesley Miranda Cruz, Márcio Crispim de Lacerda Sampaio Miranda, Pedro Miranda de Oliveira Neto e José Miranda Cruz Júnior, conhecidos como irmãos Miranda, que ingressaram com Ações de Reintegração de Posse perante a Vara Agrária da Comarca de Marabá, alegando que, em 15 de julho de 2019, 15 pessoas do MST invadiram as suas fazendas, tendo aumentado para 60 com a ameaça de 200, e que. em 2016, o Incra enviou uma oferta de compra das fazendas para fins de reforma agrária, tendo sido assinado um protocolo de intenções onde seria cedido, enquanto duravam às negociações, 50 hectares para assentá-los e que, como fora alegado pelo Incra que não havia orçamento para a conclusão da aquisição, os ocupantes se recusaram a sair das fazendas, tendo, no curso do processo, sido concedida liminar para a imediata reintegração de posse, estando esta suspensa por ordem do Ministro Luis Roberto Barroso do STF, estando ainda os processos pendentes de julgamento.
Havia um grande movimento de trabalhadores rurais em busca da reforma agrária na região, e o próprio Incra com autorização dos proprietários, quando do início das negociações para a aquisição das áreas, conforme protocolo de intenções assinado à época, e autorização devidamente assinada para que ocupassem todas as áreas inseriu os assentados nas áreas em litígio
Posteriormente descobriu-se que, foram concedidos títulos aos supostos proprietários pelo então Governador Almir Gabriel, tendo sido tais averbados nas matrículas dos imóveis registrando-se assim à aquisição da propriedade, sendo tal concessão com base no Decreto Lei 57/1969.
Ocorre que, a Constituição do Estado do Pará determina que, para a alienação de terras públicas até o limite de 2.500 hectares obrigatoriamente deve haver autorização da Assembleia Legislativa, autorização esta em até no máximo 45 dias.
Analisando então os títulos das Fazendas Montes Belo e São José verificou-se que, ambas possuem área inferior a 2.500 hectares e que não houve autorização da Alepa. Ou seja, a concessão dos títulos fora contrária ao que determina a Constituição do Estado do Pará, portanto, inconstitucional. Inclusive, o Iterpa emitiu ofício para o Incra em 2018 confirmando que não é possível acusar a regularidade do destacamento do patrimônio público de tais áreas, exatamente por ausência de autorização legislativa.
Judicialização
Decorrente de tal descoberta foram ajuizadas duas Ações Anulatórias em Marabá e duas Ações Populares em Belém, visando desconstituir os títulos, e consequentemente a aquisição das propriedades, para que ambas voltem ao patrimônio do Estado do Pará. As ações ainda estão pendentes de julgamento.
Diante de tal descoberta, o grupo de trabalhadores acabou se dividindo, onde a liderança de uma parte do grupo diz abertamente que já perderam as Ações de Reintegração de Posse e que devem desocupar todas às áreas, grupo este ocupando às Fazendas Renascença e São Pedro, enquanto que o outro grupo continua no local aguardando uma decisão judicial para dirimir a disputa. A defesa desse grupo está discutindo judicialmente as Ações de Reintegração de Posse, bem como as Ações Anulatórias e Ações Populares em relação às Fazendas Montes Belos e São Pedro.
Assentados pelo próprio Incra, o grupo sofre, diariamente, ameaças de morte, recebendo recados de que não sairão vivos destes processos, que será derramado muito sangue, recados estes enviados por WhatsApp e por terceiros. As denúncias já foram comunicadas às autoridades policiais.
A polícia prefere não comentar os fatos limitando-se a dizer que o processo está na Justiça e que uma decisão deve pacificar a disputa. Enquanto isso, o Estado é incapaz de mediar a disputa, sendo de sua responsabilidade o erro cometido no processo de titulação das terras.
Esse é o retrato do sul do Pará, e de uma grande parte da Amazônia, onde terra não falta, mas é escassa a competência e seriedade com que a coisa pública é tratada por parte das autoridades investidas de poder. Quando o conflito explode, todos tratam de se eximir das responsabilidades e consequências, algumas, já provadas, com a perda irreparável de vidas humanas.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.
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