sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Número de candidatas indígenas à Câmara dobra entre 2018 e 2022


A Proporção de mulheres negras candidatas ao Congresso também aumentou, mas participação de candidaturas femininas ainda ronda o mínimo estabelecido por lei, com 33% do total


Por Aline Gatto Boueri*, com Natália Leão, Victoria Sacagami e Marilia Ferrari** |


O número de mulheres indígenas que concorrem a uma vaga na Câmara de Deputados dobrou entre 2018 e 2022. Ainda sub-representadas, para as próximas eleições elas somam 27 candidaturas do total de 10.299 que disputam um assento na casa. Há quatro anos, eram 14 entre 8.588 – e apenas uma foi eleita, Joenia Wapichana (Rede/RR).

Ao todo, 176 candidatos autodeclarados indígenas disputam vagas para legislativos e executivos estaduais e para o Congresso. Presentes em todos os estados brasileiros, essas candidaturas se concentram em partidos de esquerda. PSOL, PT e Rede abrigam juntos um de cada três indígenas que concorrem a algum cargo nas eleições de 2022. “Quando a gente fala de uma nova política, tem que ser uma nova política com pessoas novas. Não adianta ter as mesmas figuras com gravata e terno, com a mesma pauta. Precisamos de diversidade para mudar todo o contexto, com mulheres e homens dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos”, afirma Maial Paiakan, da Terra Indígena Kayapó, candidata a deputada federal pela REDE no estado do Pará.

O contexto ao qual a indígena se refere é dos mais difíceis no atual Governo, com uma política pró-mineração e exploração madeireira para regiões de floresta e pouca atenção aos povos que estão em áreas urbanas. Os conflitos e violência em terras indígenas seguem fazendo parte da rotina dos povos originários, com ataques brutais às mulheres. Em abril, um dos muitos casos chegou aos noticiários, por denúncia do líder indígena e presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwanao Júnior Hekurari Yanomami: o estupro e morte de uma menina Yanomami de 12 anos, por garimpeiros, na região de Waikás, em Roraima. Em maio de 2021, a Associação de Mulheres Munduruku Wakoborun, em Jacareacanga, Pará, foi atacado também por garimpeiros, que incendiaram a casa-sede da organização.






Maial lembra que os últimos anos – e não só os últimos quatro anos – a desproteção das terras indígenas, o desmonte da floresta e os assassinatos de lideranças se intensificaram. Nesse cenário, muitos jovens dos diversos povos que habitam o Brasil passaram a se preparar para ocupar espaços institucionais na política. “Quantas vezes nos mobilizamos em frente ao Congresso? E nunca fomos recebidos da melhor forma. Quem sabe com uma bancada de mulheres indígenas o contexto possa mudar”, questiona.

Doutora em Ciência Política pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Débora Thomé avalia que as candidaturas indígenas ainda são poucas em relação aos outros grupos demográficos, mas são a nova fronteira na política institucional brasileira. Segundo ela, “o grande desafio de candidatos e candidatas é conseguir conquistar votos fora dos povos e territórios onde estão suas bases”.

Maial, que fala da candidatura sempre na primeira pessoa do plural – nós, nossa -, lembra que ela concorre como representante do seu povo, mas as pautas que defende têm relação com a vida de todos.

“O que a gente defende aqui na floresta amazônica é importante também para as pessoas que estão nas grandes cidades de outras regiões. Elas respiram, bebem água. Nossa luta é para mostrar que quando a gente fala sobre preservação da floresta, isso é importante para quem está no apartamento também. Uma candidatura indigena não é só para indígenas, mas para todos”, defende.


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Aumento tímido de candidaturas femininas


Em 2018, mulheres eram 31% dos candidatos que disputaram algum cargo nas eleições nacionais e estaduais. Em 2022, essa proporção cresceu pouco. Este ano elas representam 33% das candidaturas.

Autora da tese A mulher e a política – marcas do viés de gênero na política e na política pública no Brasil e do livro Mulheres e Poder: Histórias, Ideias e Indicadores, Débora Thomé destaca que o aumento é muito tímido e precisa vir acompanhado de mais financiamento e estrutura para as campanhas das candidatas.

“No Brasil, os partidos ainda não abrem espaço para mulheres quando olhamos para a distribuição de recursos. Existe uma sinalização de preocupação com igualdade de gênero, mas os investimentos nas candidaturas seguem muito próximos da cota mínima estipulada por lei”, diz.

A Emenda Constitucional n° 117, de abril de 2022, colocou na Constituição Brasileira a obrigação dos partidos de distribuir de maneira proporcional entre candidaturas femininas e masculinas os recursos do Fundo Eleitoral e da parcela do Fundo Partidário destinada a eleições. Como a Lei das Eleições, de 1997, determina que os partidos devem preencher pelo menos 30% das vagas com candidaturas de um dos sexos, o financiamento destinado a campanhas de mulheres deve ser de, no mínimo, 30% dos recursos disponíveis.

Esse é o segundo desafio das mulheres que decidem disputar eleições, segundo a cientista política. “Mulheres que são lideranças comunitárias muitas vezes preferem atuar via movimentos sociais porque sabem o que precisam enfrentar no caminho todo. As instituições e o viés de gênero dificultam a entrada das mulheres, que fazem um cálculo racional em um cenário que as desestimula. Então temos um primeiro problema, que é não só ser elegível, mas se tornar efetivamente candidata”, pontua. “O segundo momento é o momento da campanha. Porque não conseguem dinheiro ou estrutura para isso.”



A notícia de que houve um aumento entre candidaturas de mulheres negras para o Congresso também precisa ser lida com cautela, segundo Thomé. Entre candidatos a deputado federal, elas conformam 17% das candidaturas este ano, enquanto no último pleito chegavam a 14%. Para o Senado, mulheres negras representam hoje 7% das candidaturas, enquanto em 2018 eram 5% dos candidatos a uma vaga na casa.


Thomé lembra a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2020, que passa a valer em 2022: recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário destinados a eleições devem ser repartidos de forma proporcional entre candidaturas de pessoas negras e brancas.


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Ou seja, se em um determinado partido as candidatas negras representam metade do total de mulheres, metade dos recursos destinados a campanhas de mulheres deve ser investida nesse grupo e distribuída dentro dele. A autodeclaração como negra de uma candidata branca, em tese, poderia distorcer a distribuição do dinheiro.

Para a cientista política, as novas regras de financiamento podem influenciar a raça declarada no momento da inscrição das candidaturas. “Houve um aumento no número de candidatas autodeclaradas negras, mas isso diz muito pouco sobre aumento da representatividade dentro dos partidos e mais sobre a autodeclaração”, conclui.


*Aline Boueri é jornalista e colabora com a Gênero e Número.
**Natália Leão é diretora de dados, Marilia Ferrari é diretora de arte e Victoria Sacagami é designer na Gênero e Número.



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