sábado, 6 de agosto de 2022

populismo penal como apelo eleitoral

 
Editorial PONTE |  Amauri Gonzo Editor | 6 de 08 de 2022

Na medida em que o dia 2 de outubro se aproxima, cresce a inquietação de Jair Bolsonaro (PL). O presidente, que concorre à reeleição, não consegue crescer nas pesquisas em ritmo rápido suficiente para evitar uma derrota para o ex-presidente Lula (PT). Com a economia em frangalhos, fez o que pôde com a ajuda do Congresso para dar uma acentuada no Auxílio Brasil e criar vouchers, especialmente para caminhoneiros e taxistas, na tentativa de recuperar alguma popularidade na seara econômica, especialmente frente às altas sucessivas nos preços dos combustíveis.

Porém, à medida em que as pesquisas seguem estagnadas, com levantamentos apontando que Lula pode levar a disputa ainda no primeiro turno, Bolsonaro e seus simpatizantes no Legislativo  precisam contar com um pouco de criatividade, e quem sofre com isso são os direitos humanos, já dilapidados nos três anos e meio do governo de turno.

Preocupados com a reeleição, numa Câmara dos Deputados que pode bater o recorde de renovação de 2018, os deputados da chamada “bancada da bala” passaram a semana ressuscitando uma série de projetos de lei que afetam a (in)segurança pública e levantam a bola do chamado “populismo penal”. É uma aposta boa tanto para a bancada, recheada de ex-policiais, quanto para o governo federal, cioso de mudar o grande debate público das eleições de 2022 para algum tema em que a esquerda pareça estar em desvantagem.

O primeiro PL a ganhar destaque na mídia teve uma recepção bem rumorosa — dispunha sobre a escolha do comando das Polícias Militares, que deixaria de ser feito exclusivamente pelo governador de turno e passaria a ser decidido a partir de uma lista tríplice votada por oficiais, levando de vez a disputa política para dentro dos quartéis já bastante politizados. Depois da previsível grita dos atuais comandantes das PMs e seus respectivos chefes, Aluísio Mendes (Podemos-MA), deputado que preside a comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, voltou atrás e disse que só vai avançar com o projeto após as eleições.

Outra lei de autoria da bancada da bala, porém, não teve a mesma sorte. Com uma manobra já conhecida realizada pelo presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), um PL que proibia a saída temporária de pessoas presas foi apensado a um projeto aprovado pelo Senado em 2013 e foi, sem discussão, catapultado sem debates aprofundados diretamente ao plenário da Câmara, sendo aprovado em tempo recorde e surpreendendo entidades que defendem os direitos humanos no país

O novo texto precisa passar ainda pelo Senado, e ainda pode ser questionado no Supremo Tribunal Federal. Mas por que então todo esse esforço para passar uma lei tão rapidamente? A resposta pode ser encontrada no parecer do deputado Capitão Derrite (PL-SP), relator da proposta: para ele, a saída temporária “causa a todos um sentimento de impunidade diante da percepção de que as pessoas condenadas não cumprem suas penas, e o pior, de que o crime compensa”. Mais que uma tentativa de impacto direto sobre a segurança pública, o jogo da bancada da bala é uma questão, acima de tudo, de percepção: se joga não a favor da ressocialização de pessoas em conflito com a lei, mas contra qualquer impressão de que se é “leniente” com a “bandidagem”, custe o que custar.

E se engana quem acha que esse populismo penal só quer prender criminosos. Ainda na mesma semana a Comissão de Segurança Pública da Câmara aprovou o projeto de lei 2821/21, de autoria do deputado Capitão Augusto (PL-SP) e relatado Sargento Fahur (PSD-PR) que prevê a anistia dos policiais que participaram do Massacre do Carandiru. A proposta ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ir a plenário, ou seja, ainda tem um caminho longo para passar a valer, mas parece ter sido uma tentativa de se antecipar à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Barroso, que manteve a condenação dos PMs que participaram no massacre de 1992.

Mesmo que tais projetos não tenham avançado ao ponto de virarem letra da lei, eles já cumpriram seu propósito político do ponto de vista eleitoral: apavoraram famílias, mobilizaram recursos de movimentos e, acima de tudo, servirão de palanque para deputados “linha dura” e para o próprio presidente, diariamente à procura de fatos que possam melhorar sua imagem bastante desgastada.

Esse tipo de político só consegue se cacifar, no fim das contas, porque há muita desinformação no Brasil sobre as dinâmicas de segurança pública, espalhadas principalmente pela mídia hegemônica, onde, muitas vezes em horário nobre, grassa o discurso de que “bandido bom é bandido morto”, dos “direitos humanos para humanos direitos” e outras barbaridades. 

Para que o “populismo penal” perca força, é preciso também que se combata a força desses discursos, e nenhum veículo hoje no Brasil está mais preparado para oferecer o outro lado da segurança pública do que a Ponte, com seu compromisso inalienável com os direitos humanos. Se quiser nos ajudar a esvaziar esse tipo de manobra legislativa e esses discursos perigosos, considere nos apoiar através do nosso programa Tamo Junto e venha sonhar junto com a gente um país sem prisões.



Amauri Gonzo
Editor

 

ponte.org

 

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