quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Organizações cobram posicionamento de empresas do agronegócio sobre Convenção OIT-169

 

Federações patronais do Pará pediram que Bolsonaro descumpra acordo que garante direitos dos povos originários; em carta com 255 assinaturas, Federação dos Povos Indígenas cobra compromisso público com ambiente e direitos humanos e fala em lavagem “verde” de imagem

Por: Mariana Franco Ramos | Fonte: De Olho Nos Ruralistas |

 
A Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) enviou uma carta, nesta quinta-feira (04), cobrando um posicionamento público de empresas do agronegócio sobre a proposta de retirar o Brasil da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento é assinado por 255 organizações nacionais e estrangeiras, entre movimentos sociais, universidades e partidos políticos.

Há um mês, os presidentes de cinco federações patronais do estado entregaram um ofício ao presidente Jair Bolsonaro solicitando que o país deixasse de ser signatário do acordo, destinado a proteger as populações indígenas e tradicionais, por meio do direito à consulta prévia, livre e informada.

Garimpos ilegais próximos à comunidade Ye’kwana, na terra indígena dos Yanomami. (Foto: Rogério Assis/ISA)

Eles alegaram que o tratado, ratificado em lei pelo Brasil em 2002 e 2004, seria a “causa de inúmeros conflitos, constantes dúvidas e insegurança jurídica”. De Olho nos Ruralistas noticiou a manobra no dia 16 de julho: “Empresários da Amazônia pedem que Brasil abandone convenção que protege povos indígenas“.

PATRONAIS REPRESENTAM ALGUMAS DAS MAIORES CORPORAÇÕES DO PAÍS


Ao manifestar repúdio e indignação contra o pedido, a Fepipa lembra que as patronais representam algumas das maiores corporações do país, como Vale, Alcoa, MRN, Imerys, Hydro e Agropalma. “Várias destas empresas, em diversos momentos, tornaram públicos seus compromissos com o meio ambiente, os direitos humanos e, algumas delas, até mesmo diretamente com os povos indígenas”, diz trecho.

Quem lidera o movimento junto ao governo é o latifundiário e negacionista climático José Maria da Costa Mendonça, do Centro das Indústrias do Pará (CIP). Também assinaram o ofício: José Conrado Santos, da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Sebastião de Oliveira Campos, da Federação do Comércio (Fecomercio-PA), Carlos Fernandes Xavier, da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), e Elizabete Maria Pinheiro Grunvald, da Associação Comercial do Pará (ACP).

A Fepipa destaca que muitas companhias associadas investem em programas de responsabilidade social e campanhas de publicidade para desvincular suas imagens de possíveis abusos e violações. Trata-se do chamado greenwashing.

“Afirmamos a estas empresas: não é possível ter responsabilidade socioambiental e respeitar direitos humanos e ser contra a autodeterminação dos povos indígenas e tradicionais e a consulta livre, prévia e informada garantidas pela Convenção 169 da OIT”, escreve a associação.

“A falta de comprometimento público e de alinhamento com princípios e padrões internacionais que garantem o respeito aos direitos humanos e à proteção ambiental serão vistos pelo mercado investidor internacional, que avança em políticas de monitoramento e due diligence, como um fator de risco aos seus investimentos”.

AGROPALMA ESTÁ ENTRE AS FINANCIADORAS DA BOIADA

A Agropalma pertence ao Grupo Alfa, que inclui, entre outras empresas, o banco de mesmo nome, a rádio Transamérica, a fabricante de água mineral Águas da Prata, a C&C (Casa & Construção), redes de hotéis e seguradoras. O dono, Aloysio Andrade de Faria, faleceu em 2020, deixando para as filhas uma fortuna estimada em US$ 1,7 bilhão.

Capa do novo dossiê do De Olho nos Ruralistas, com ilustração do cartunista Renato Aroeira.

A companhia é filiada à Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), que contribui mensalmente com o Instituto Pensar Agro (IPA), cérebro pensante por trás da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). A Abag é citada no dossiê “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental“, lançado pelo De Olho nos Ruralistas em julho

Em seu site, o Grupo Alfa afirma ter “compromissos com a preservação das florestas e da biodiversidade, com o desmatamento zero, com o combate às mudanças climáticas, com a água, com as comunidades e com o desenvolvimento social“.

Vale, cujo histórico de crimes ambientais e violações aos direitos humanos é de domínio público, a MRN Mineração (controlada majoritariamente pela Vale), a Imerys e a Alcoa são fundadoras do Sindicato das Indústrias Minerais do Estado do Pará (Simineral). Entre os membros efetivos da associação constam a norueguesa Hydro e a CBA, de alumínio.

A Vale e a Alcoa fazem parte do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), presente em todas as Conferências das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, desde 1998, e de Diversidade Biológica, desde 2000. A organização é uma das principais defensoras do mercado de créditos de carbono. O mecanismo é criticado por ambientalistas por permitir a uma empresa poluidora europeia, por exemplo, adquirir créditos de carbono no Brasil, por meio de operação contábil, e registrar como percentual de redução de suas emissões.

Em reportagem publicada nesta quinta-feira, o Observatório da Mineração diz que entrou em contato com todas as empresas, que teriam recuado da posição expressa pelas federações patronais. Em nota, o Simineral disse que o manifesto não reflete o posicionamento do setor, “que tem como compromisso promover a mineração sustentável e socialmente justa”.

O Sindicato reforçou que “as atividades desenvolvidas pelas empresas associadas ao Simineral estão baseadas nos princípios da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP) e da Convenção 169, da OIT.

Simineral tem página dedicada ao meio ambiente. (Imagem: Reprodução)


POVOS INDÍGENAS SÃO RECONHECIDOS PELA ONU COMO GUARDIÕES DAS FLORESTAS

Convenção 169 da OIT garante às populações tradicionais o direito à autodeterminação e o respeito às suas instituições, formas de vida, identidades, línguas e religiões, bem como a definirem elas próprias suas prioridades em relação ao desenvolvimento econômico. O acordo afeta mais de 5 mil povos, que vivem em mais de 70 países, em todas as regiões do mundo.

É graças a esse mecanismo que as comunidades podem se manifestar sobre a instalação de empreendimentos que afetam negativamente a sua existência, como destacou o Observatório da Mineração. “Sem ele, mineradoras, siderúrgicas e indústrias em geral podem simplesmente passar por cima de direitos socioambientais, contando com a força do lobby, do poder econômico e da cooptação de políticos em diversas esferas”.

Indígenas em São Félix do Xingu (PA) (Foto: Thiago Gomes/Agência Pará)

Para ter vigência em um Estado-membro da OIT, a Convenção necessita de um ato formal. No caso do Brasil, este ato foi registrado em 25 de julho de 2002, seguindo a decisão do Congresso. Por meio do Decreto Legislativo número 143, de 20 de julho de 2002, o país se comprometeu a cumprir os requerimentos estabelecidos no tratado.

Conforme a Fepipa, o documento tem sido o principal instrumento legal para a defesa dos territórios indígenas contra os avanços e as investidas de corporações e empreendimentos e contra o próprio Estado, sobretudo durante o governo de Jair Bolsonaro.

Em 2021, os povos indígenas foram reconhecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) como os verdadeiros guardiões das florestas e da biodiversidade do planeta. “Seus territórios são hoje escudos contra o desmatamento e desempenham um papel vital contra as mudanças climáticas e, consequentemente, na luta contra a pobreza e a fome”, afirma a Fepipa.

— Diferentemente do que afirmam os presidentes das organizações patronais do setores que mais desmatam e destroem florestas e violam direitos humanos, não é a Convenção que está a “perpetuar nossos indígenas à situação de miséria e de constantes confrontos”, como afirmam na carta a Bolsonaro, e sim a sua ganância e de setores, que priorizam lucros em detrimento do meio ambiente e da vida, e para quem desenvolvimento é sinônimo de destruição de recursos naturais.

Por: Mariana Franco Ramos
Fonte: De Olho Nos Ruralistas

 

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